Poder renunciar o "Poder"
Por Nilson da Silva Júnior*
Ficou na minha lembrança uma entrevista muito interessante do Dr. Elsimar Coutinho – Especialista na área hormonal - apresentada na TV Cultura no início deste ano.
Apesar de se tratar de um médico, este registro de memória se deu por um motivo alheio à medicina… num momento qualquer, provocado pela questão de temas que envolvia a Igreja Romana, especialmente no que diz respeito à anticoncepção, ele esboçou seu pensamento com respeito à religião… disse: “O Deus da religião tem dono”!
A afirmação daquele cientista nos leva a pensar… é claro que precisamos perceber bem a fundo a sua afirmação… Deus não tem dono, Ele é inacessível e transcendente a todo poder e domínio humano… porém, mais do que questionar sua onipotência, a meu ver, o Dr. Coutinho nos desafia a refletir sobre a religião que prega o Deus que tem dono.
Talvez em cima disso poderíamos dizer que Deus não tem dono, mas isto não é porque não exista quem queira ser dono/a d’Ele… de fato, por esse aspecto, não é difícil concordar com o médico!
Aliás, a questão do mando, do comando e do poder é um tema questionante de tudo que somos… enquanto seres humanos, seres relacionais e, especialmente, como religiosos/as!
Nosso anseio mais íntimo, mesmo que o neguemos e o tentemos esconder, é mandar, dominar, decidir! Isto está em nós! Faz parte do instinto animal que se esconde em cada um/a… existe por trás de cada olhar, de cada argumentação e pensamento, um sentimento dominador que nos faz agir.
O interessante disso tudo é pensar que o grande poder que deve ser pregado e vivido pela religião, é o poder de renunciar qualquer poder! Ela nos remete sempre, e cada vez mais, quando nos deixamos envolver, ao desafio da tolerância, da conciliação, do respeito e da igualdade… características básicas de quem aprendeu que o caminho do domínio não é seu/sua, mas de Quem, realmente pode todas as coisas!
“Ser dono/a” é um sentimento que está distante de quem pretende viver verdadeiramente a religião de Cristo, ou, pelo menos deveria estar… aliás, quem opta por Ele, antes de qualquer coisa, tem que entender de maneira profunda que acima de tudo e de todos existe um Dono, que decide, de quem nada foge.
Por isso, a partir do que falou o Dr. Coutinho, o propósito principal da religião, do que se defina como tal, é não ser dono de nada, nem de si mesmo, mas ter a liberalidade de entregar-se totalmente a Deus e aos/as outros/as.
Deus é Deus, bem por isso não pode ser dominado, nem mandado, tampouco explicado ou dirigido. São nossas próprias ambições que nos fazem pensar que entendemos Deus e temos como definí-lo na miséria da nossa interpretação!
Chego a conclusão que também são nossas aspirações e cobiças que levam muitas pessoas a pensar como o médico famoso! Ao perceberem que ousamos restringir Deus somente ao nosso reduto… tentando reprimí-lo, proibí-lo de ser grande e inexplicável como realmente é! Que ironia!
De muitas maneiras a observação daquele homem me entristece… ela mostra nossa incompetência em testemunhar, nossa arrogância ao pregar, nossa inadvertência ao afirmar coisas importantes em nome de Deus! Existem muitas palavras confusas na nova religião que camuflam as aspirações mais importantes da fé… quantas vezes nos surpreendemos questionando o poder de Deus e tentando fazer prevalecer o nosso próprio!
Que nossa vida cristã possa, antes de mais nada, ser um sinal visível do poder… que se aperfeiçoa na fraqueza, se demonstra na fragilidade e se renova na misericórdia Daquele que é todo o poder, dono de tudo e de todos/as!
Na graça e na paz,
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Rev. Nilson da Silva Júnior é pastor Metodista
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