03 julho, 2007

Recentes desdobramentos da minha participação no Comitê Central do Conselho Mundial de Igrejas

Por: Magali do Nascimento Cunha

Este texto simples é uma partilha dos recentes desdobramentos da minha participação no Comitê Central (CC) do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), onde sou representante da Igreja Metodista no Brasil e das Igrejas da Região América Latina.

Como membro do Comitê de Programa, que é um dos subcomitês do CC, fui convidada para participar da WCC Round Table 2007 [Mesa Redonda do CMI 2007]. A Mesa Redonda (MR) é um espaço criado desde 1995 como um órgão assessor composto de representantes do CMI e seus principais parceiros financiadores: ministérios especializados engajados em alívio e desenvolvimento, agências de missão e desenvolvimento relacionadas a igrejas de outras organizações ecumênicas com propósitos semelhantes. A MR tem como objetivo o diálogo ecumênico em torno das questões e ações que se destacam nas organizações envolvidas, a cooperação ecumênica e as oportunidades para parcerias mais profundas. A MR também permite que as agências estejam informadas dos encaminhamentos mais recentes e identifiquem pontos de interesse e prioridade comuns.

Além dos participantes mencionados, a MR inclui representantes de órgãos governantes do CMI (foi nesta categoria que fui convidada junto com outras quatro pessoas), de organizações ecumênicas e staff do CMI. As pessoas envolvidas têm atuações na coordenação de departamentos internacionais, na administração e na área de finanças.

Em 2007, a Mesa Redonda aconteceu de 9 a 10 de maio, nas dependências do CMI em Genebra. Previamente à MR, nos dias 7 e 8 de maio, aconteceu o fórum Working Together [Trabalhando Juntos] – uma reunião específica para os parceiros financiadores e o staff do CMI para tratar de assuntos operacionais relativos ao relacionamento agências-CMI.

Participaram da MR, como parceiros financiadores, representantes da NCC Austrália/Christian World Servie, da Igreja Unida do Canadá, da DanChurchAid (Dinamarca), da Igreja Evangélica Luterana da Finlândia, FinnChurchAida (Finlândia), da Diaconia da Igreja Evangélica da Alemanha, da EMW (Alemanha), da EED (Alemanha), da ICCO (Holanda), da Stichting Rotterdan (Holanda), da Norwegian Church Aid (Noruega), da Igreja da Suécia, da Mission Covenant Church da Suécia, da Pão para Todos (Suíça), da HEKS (Suíça), da Missão 21 (Suíça), da Christian Aind (Grã Bretanha e Irlanda), da Igreja Presbiteriana dos EUA, da Igreja Unida de Cristo (EUA), da Igreja Metodista Unida (EUA), de Church World Service (EUA).

Participaram, como organizações relacionadas ao CMI, representantes da ACT Development, ACT Internacional, da Ecumenical Advocacy Alliance, da Ecumenical News International, do Ecumenical Church Loan Fund, da Federação Luterana Mundial. Como staff, estiveram presentes, além do secretário-geral Samuel Kobia, outras 20 pessoas, assessoras da secretaria-geral e integrantes dos seis novos programas e das áreas de comunicação e finanças. Como representantes de órgãos governantes do CMI, participaram cinco pessoas, membros do CC integrantes dos comitês de Programa e Finanças.

A abertura da MR aconteceu com um jantar no Instituto Ecumênico de Bossey na noite de 8 de maio.

Reflexão: Advocacy (Defesa da Vida)

O tema das duas sessões da MR dedicadas à reflexão foi “Advocacy”. Este é uma expressão do inglês de tradução variada tanto no português quanto no espanhol. Há quem traduza por defesa, ou por reivindicação, ou por promoção da vida, ou por ação social. Prefiro o termo “defesa” pois me parece o que mais se aproxima da tarefa de advogar uma questão – tomar a defesa de uma causa ou grupo – neste caso a “defesa da vida”.

Um painel, com três exposições sobre o tema, estimulou a reflexão em grupos e depois em plenário. Primeiramente, o secretário-geral do CMI Samuel Kobia apresentou a reflexão Advocacy – praying, witnessing and acting together [Defesa da vida – orando, testemunhando e agindo juntos]. Kobia apresentou o tema da Defesa da Vida como uma questão de fé e expôs o papel singular que o CMI tem na questão. A primeira dimensão é ser voz que represente a ampla comunidade do CMI (igrejas e organizações ecumênicas e afins), especialmente com aqueles que sofrem. Um exemplo dado foi o do Fórum Ecumênico do Sudão, que com sua abordagem holística, se tornou um mecanismo efetivo para parceiros ecumênicos, fortalecendo a dinâmica pela paz no Sudão. A mudança torna-se, então, resultado do testemunho público.

A segunda dimensão do papel do CMI na defesa da vida é manter a coerência do movimento ecumênico, que precisa ser visto em ação. Um exemplo dado foi a formação de ACT Development. A terceira dimensão apresentada por Kobia foi a do CMI ser a voz comum das igrejas-membros, cristalizando o que é dito, por exemplo, por meio dos pronunciamentos públicos sobre as mais diversas questões e por meio de defesa de direitos na ONU. Isto significa abrir portas para que os grupos de base sejam ouvidos por organismos como o Conselho de Segurança.

Outra dimensão do papel representado pelo CMI, no que diz respeito à defesa da vida, é ser pioneiro em áreas críticas. Um exemplo pode ser tomado principalmente na questão da saúde, trabalhando com a Organização Mundial de Saúde. O CMI facilitou, em amio de 2007, a participação de 120 pessoas de movimentos de base, organizações civis e organizações de saúde cristãs e ecumênicas na 60ª Assembléia Mundial de Saúde.

O CMI sente-se desafiado a partir de uma questão ética: “por que fazemos isto?” Afinal, o CMI não é uma ONG que se dedica a questão social específica, mas tem a capacidade de trabalhar de forma interativa e integrada com diferentes segmentos com um fundamento ético: o CMI é uma organização baseada na fé e no desafio de alcançar justiça e paz. Por isso atua, por exemplo, na África, com a Rede Ecumênica da Água e com ações em torno do HIV/AIDS, e ajuda também as igrejas a desenvolverem sua própria capacidade de advogar causas, como com a Década de Superação da Violência. Por isso é que o CMI afirma que a defesa da vida é uma questão de fé. A defesa da vida torna nossa fé explícita.

Kobia pontuou que a questão “quais são as ameaças à vida neste mundo?” é a fundamental para tornar a nossa fé explícita. Defender a vida das ameaças que se lhe colocam. Com isso, colocarmo-nos diante de Deus e do mundo para nos posicionarmos ao lado dos que sofrem, pois “o Cristo crucificado e ressurreto se identifica com os que estão sofrendo e fala por meio deles”. Esta dimensão espiritual da defesa da vida tem raízes na Bíblia, contido especialmente no Evangelho e nas Cartas de João. Nestes textos, Jesus é apresentado como aquele que advoga, que toma as causas das pessoas, assim como o Espírito Santo é apresentado como aquele que intercede por nós e pelos gemidos da criação. Por isso, nossas orações de intercessão juntamente com nossas ações de defesa são dimensões essenciais da nossa fé.

De acordo com esta reflexão, se entendida dessa forma, a defesa da vida não pode ser delegada a uma organização específica ou outros atores institucionais porque é uma característica básica de nosso testemunho comum ao mundo.

Após a intervenção de Samuel Kobia, duas organizações trouxeram testemunhos de suas práticas de defesa e as questões que delas emergem: a Association of World Council of Churches related Development Organizations in Europe /APRODEV [Associação de Organizações de Desenvolvimento na Europa relacionadas ao CMI] e o Church World Sservice/EUA.

A reflexão em grupos e o plenário aprofundaram essas reflexões, com destaque para a distinção entre fazer campanhas (como uma ação mais simples) e ações de defesa da vida (um nível mais profundo). Destacou-se ainda a capacidade do CMI de criar e facilitar novas redes em resposta às muitas demandas decorrentes das ameaças à vida.

Como contribuição ao debate, expressei minha apreciação à “teologia da defesa da vida” apresentada por Samuel Kobia, e indiquei a necessidade de aprofundarmos o tema entre nós, países empobrecidos. Países que têm uma história de colonização, construíram a cultura do apadrinhamento, que foi bem pontuada por Paulo Freire no tema da “domesticação”. Nessa cultura, entende-se que precisamos de pessoas que façam coisas por nós. Daí a criação de dependência (paternalismo) nas ações promovidas pelos países ricos e a pouca expressão de defesa de direitos em nossas igrejas. Claro que temos os movimentos de libertação e resistência, tantos exemplos! Mas, a presença de nossas igrejas nesses movimentos não é expressiva e esta cultura do apadrinhamento é muito forte. Além disso, também há a cultura cristã construída pela forma em que muitos dos nossos países foram missionados. Há a formação cristã baseada no pietismo e no fundamentalismo que resultaram numa postura de isolamento da sociedade e de desprezo às causas sociais e ao sofrimento, que seria compensado com o Reino dos Céus preparado num porvir que aguarda os fiéis aqui na terra. Por isso, torna-se necessário trabalhar o tema da promoção de defesa da vida nos países empobrecidos, especialmente com as igrejas, enfatizando sua vocação.

Na noite posterior a estas sessões de reflexão, participamos de um jantar com a Ecumenical Advocacy Alliance (sem tradução oficial para o português e no espanhol “Alianza Ecumenica de Acción Social”). Pudemos ouvir relatos sobre a atuação deste grupo e participar de campanha de assinaturas “Mantenham a promessa”, que pressiona os governos a cumprirem acordos e ações aprovadas em torno da luta contra HIV/AIDS.
Veja aqui, mais informações sobre a Aliança.

A sessão sobre o Planejamento do CMI para 2007-2010

Foi apresentado à MR o Planejamento do CMI para 2008-2013, conforme aprovado pelo CC em 2006 e formatado em projetos e atividades pelo staff para 2008-2010. Aruna Gnanadasan, assessora de Planejamento e Integração do CMI, apresentou o Plano baseado em 15 metas, ao invés de projetos com seus próprios objetivos. Estas metas se fundamentaram nas questões: “que tipo de unidade buscamos?”, “unidade visível? Qual?”.
Há também um documento denominado “WCC Programme Plans 2008-2013 Summary with Project outlines 2008-2010” , conhecido como “green book”, publicado em abril passado. Quem ainda não o acessou pode solicitar a programmes@wcc-coe.org.

Na apresentação, foram destacadas atividades de cada programa, como exemplo das ênfases resultantes da Assembléia 2006: A Rede Ecumênica da Água (do Programa 4), o Processo AGAPE (do Programa 3), o Processo por um código de conduta sobre conversão - 2006-2009 - (do Programa 6), com consultas intracristãs, cuja primeira será realizada em agosto de 2007, a Década de Superação da Violência (do Programa 3), que culminará com uma Convocação Ecumênica Internacional pela Paz em 2011.

Finanças

Foi apresentado à MR um balanço financeiro do CMI. Nessa avaliação apontou-se avanço nos últimos sete anos, no que diz respeito a saldos e resultados. Indicou-se ainda a necessidade de maior participação financeira das igrejas-membros (senso de pertença) – 80% da renda do CMI vem das agências parceiras.
Veja aqui os balanços.

Indicações da Mesa Redonda

Como síntese da reunião, foi solicitado pela plenária que a coordenação da MR dê continuidade, juntamente com o staff do CMI, dentre vários elementos:

1 – ao embasamento teológico da questão da defesa da vida;

2 – à busca de um nível global de defesa pelo CMI e a família ecumênica frente à ONU e seus segmentos (especialmente no campo dos direitos humanos e segurança humana);

3 – à tentativa de tornar mais claro o papel do CMI e sua comunidade nos pronunciamentos às instituições financeiras internacionais;

4 – à clarificação do papel do CMI e sua comunidade, e também dos parceiros, nos pronunciamentos aos setores privados, particularmente as corporações internacionais;

5 - à compreensão das diferentes agendas de defesa na família ecumênica, seja por um mapeamento criativo, divisão de trabalho ou fóruns existentes.

Foi destacada a necessidade de atenção à vulnerabilidade do movimento ecumênico, resultante de sua vitalidade e diversidade, de possuir tantos diferentes atores. Há que se atentar para a complexidade do movimento ecumênico e, por conseguinte, das relações complexas que se criam.

De acordo com a reflexão, essa complexidade se expressa, primeiramente, nos contextos político-sociais: o CMI é a única voz que pode falar por algumas igrejas em meio a crises. Segundo, a complexidade no lidar com os desafios do mundo moderno: o CMI ajuda as igrejas a ampliar sua ação (por exemplo, a Igreja Copta indicou bispos para atuarem em questões sociais e na luta contra HIV/AIDS). Terceiro, a complexidade quanto aos valores que as igrejas criam ao redor de si: o CMI questiona algumas igrejas quanto a posições que assumem, num diálogo crítico, na problematização “os elementos são realmente inaceitáveis como vocês acreditam ser?”. Defender uma “mesa inclusiva” é levar em conta esta complexidade, foi a afirmação final deste debate.

Contatos resultantes da participação na MR

A participação na MR rendeu-me a oportunidade de conversar com pessoas e conhecer mais profundamente as mudanças em torno do novo planejamento de trabalho do CMI, especialmente as que se relacionam à América Latina.

Tive um momento de conversa com Carlos Ham, o novo executivo para a América Latina e Caribe. Carlos Ham é cubano, pastor da Igreja Presbiteriana, e atuava anteriormente como executivo no Programa de Missão e Formação Ecumênica. Esclareceu-me que os escritórios regionais não existem mais como no formato anterior; agora, o trabalho com as regiões está alocado no Programa 4 “Justiça, Diaconia e Responsabilidade pela Criação”.

Carlos Ham espera estreitar e ampliar as relações consolidadas e iniciadas por Marta Palma em sua atuação no continente. Contato com Carlos Ham: CAH@wcc-coe.org.

Outra informação relacionada a latino-americanos no CMI é a contratação de Odair Pedroso Mateus, brasileiro, da Igreja Presbiteriana Independente, que atuava em Genebra no escritório da Aliança Reformada Mundial, a partir de junho de 2007, como professor de Teologia Ecumênica no Instituto Ecumênico de Bossey e como executivo da Comissão de Fé e Ordem.

Próximas atividades com as quais estarei envolvida:

Outubro 2007: reunião do Comitê Permanente sobre Consenso e Colaboração.
Fevereiro de 2008: Próxima reunião do Comitê Central.

Magali do Nascimento Cunha
Junho de 2007