12 setembro, 2007

Os dois burrinhos

*Por Dom Pedro José Conti
Dois burrinhos de carga caminhavam juntos. Um levava ouro; o outro, simples farinha para a tropa. Inutilmente o segundo burrinho tentava puxar conversa com o primeiro. Este o olhava de cima para baixo, com desprezo. O que aquele burro miserável, carregado de farinha, queria dele, escolhido para levar o ouro? Mas aconteceu que os ladrões caíram em cima daquela tropa e logo procuraram o que tinha mais valor. Com um chute mandaram embora o burrinho que carregava a farinha e quase mataram de pancadas o burrinho do ouro, porque o coitado não queria entregar a carga.

Quando os ladrões se foram, o burrinho quase morto pediu socorro ao outro colega ainda em pé e carregado de farinha. Esse último, a esta altura, desculpou-se por não poder ajudar em nada, porque, afinal, ele era um simples carregador de farinha, absolutamente indigno de aproximar-se de um burro tão importante, escolhido para levar o ouro.

Assim, conclui-se a historinha. Isso acontece a quem se esquece, que, apesar da carga, ou do cargo, continua sendo um burro como todos os outros.

Não conheço o autor dessa história, nem lembro onde a encontrei, mas é tão simples e clara que o povo gosta de ouvi-la e de contá-la.

É mais uma lição de humildade, uma virtude tão preciosa quanto o bom senso e a inteligência. Jesus falou muitas vezes da humildade; convidou-nos a escolher os últimos lugares, mais conscientes das nossas limitações que inchados pelo nosso orgulho.

No entanto, o mundo anda, mais do que nunca, cheio de arrogantes e fanfarrões. Ao ouvi-los, parece que existem somente eles, os insubstituíveis salvadores da pátria. Os que sabem tudo, ajeitam tudo e, obviamente, criticam todos os outros.

O bom senso nos diz que se nos acomodamos no último lugar, somente poderemos ficar por aí mesmo, ou subir, convidados a maiores tarefas ou responsabilidades. Pelo contrário, quem se achou o tal, ocupando logo os primeiros lugares, só poderá ficar para trás, descendo os degraus da vida.
A inteligência também nos convida à prudência, a reconhecer o valor dos outros, porque sempre poderá aparecer alguém melhor e mais importante do que nós.

Fico pensativo quando vejo ex-cantores, ex-campeões, ex-tudo, mendigar um pouco de luz, porque a estrela deles, ou delas, parece que se apagou. Não sabiam que o sucesso era passageiro, que as modas iam passar e que têm muitas outras coisas que valem na vida, mais do que a fama e a glória dos homens?

Mas os orgulhosos se acham injustiçados, desmerecedores do esquecimento. Não se conformam com a queda, parece mesmo que tenham vivido só para aquele lugar, em cima, e que seja insuportável sentar mais em baixo. Ao contrário, quem sempre ficou na sombra continuará tranqüilo e satisfeito no seu canto. Se subir, por um tempo, voltará a gostar, como antes, das coisas mais simples e verdadeiras da vida, com menos bajuladores e aproveitadores ao seu redor.

Já deveríamos ter aprendido a lição, mas, infelizmente, sempre haverá quem ache que a humildade seja a virtude dos fracos e dos incapazes. Ao passo que o orgulho e a arrogância seriam as qualidades dos corajosos e dos ousados.

É mesmo, cada um de nós é burro do seu jeito.

(Publicado no sítio da CNBB) -
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* Bispo de Macapá