06 julho, 2007

Por uma Espiritualidade Cidadã e Geradora de Paz

Por: Cleber Lizardo de Assis [1]

“Felizes os/as pacificadores/as porque serão chamados e chamadas filhos e filhas de Deus” (Jesus Cristo, em Mateus 5.19)

“Não há caminho para a paz; a paz é o caminho” (Mahatma Gandhi)

Ficamos assustados com os atentados e crimes cometidos em nome de Deus e baseados em credos fundamentalistas em terras distantes e nos desculpamos em relação às nossas práticas religiosas segregacionais: a única diferença é que nós realizamos atentados contra a vida de forma latente, velada e cínica.

O Brasil é marcado por uma rica diversidade cultural, étnica e religiosa, mas não podemos negar usos e abusos de poder de segmentos majoritários e produção de contra-ataques reacionários por minorias, mais uma vez de forma velada e ‘pacífica’.

Assim como na questão de gênero e racial, também no religioso institucionalizamos um pacifismo mítico e hipócrita que esconde o quão ardilosas são nossas práticas e relações.

Como exemplo disso podemos citar a dificuldade de órgãos e segmentos religiosos se assentarem para o diálogo e a articulação de projetos sociais em favor do bem comum.

Se por um lado temos organismos ecumênicos que se esforçam para essa articulação, temos retrocessos institucionais de intolerância, inclusive levando a denominações religiosas históricas a se evitarem, fazendo predominar no meio religioso a mesma lógica da concorrência capitalista desleal.

Outro dilema por que passam alguns segmentos religiosos é o contra-senso de, ao invés de refletir e provocar a criação e a defesa de direitos humanos, se opõe às diversas manifestações sociais e jurídicas de defesa da dignidade humana: as religiões e espiritualidades podem haver formulações teológicas periféricas conflitantes, mas nenhuma destoa do princípio do amor e da dignidade humana.

Acabamos por assistir um fenômeno interessante, marcado pela emergência de grupos minoritários e excluídos que batalham literalmente por identidade e respeito, fundamentados numa ética da solidariedade na diversidade, enquanto instituições históricas que deveriam fazê-lo colocam-se na contramão da história: esses grupos minoritários seriam, portanto, mais religiosos e espirituais que os últimos.

O Estado brasileiro laico, por sua vez, mantém mesmo inconsciente um pé no aparato jurídico-religioso tradicional e outro nas inovações que fundamentam os direitos humanos à cidadania plena.

Graças à beleza da novel democracia brasileira, temos a efervescência de movimentos, fóruns e conselhos de direitos e reivindicação, participativos e organizados pela sociedade civil, cumprindo um papel fundamental na formulação e fiscalização de políticas públicas para segmentos diversos em situação de vulnerabilidade social.

Sobre a fala do Cristo, poderíamos resumir no seguinte aporte às nossas reflexões e ações em prol de um mundo melhor:

“Felizes”, remete à categoria de Felicidade procurada em nosso tempo pós-moderno em aquisições de coisas meramente materiais; felicidade aqui é definida pelo agir/atitude/valores ou condição de existir, de Ser e não meramente ter, como será complementado na seqüência.

“Pacificadores/as”, a partir do termo original grego podemos dizer que se refere-aqueles e aquelas que geram ou criam a paz, mas que paz é essa? Ao pensar sobre o processo lindo e dramático de geração da vida, devemos obrigatoriamente refletir sobre a necessária dimensão dialógica e relacional dessa construção, o que implica em sedução/valorização do outro com sua diferença e numa relação integral que envolve respeito, solidariedade, justiça e ética comunitária;

“Considerados/as filhos e filhas de Deus”, referindo-se à construção de identidade mediante o projeto comum de paz, que leva à filiação ao Divino, ao Sagrado, não importando se invocamos Deus, Javé ou Alá; nessa afiliação ao Divino não importa ainda o sexo, a cor, a condição social e principalmente o credo religioso.

As instituições religiosas, mediadoras históricas do Sagrado deveriam repensar suas teologias e práticas, não a partir de uma divindade fria e distante, mas pela sensibilidade ao humano em suas aspirações de transcender; deveriam basear-se numa ética de cuidado por todo o mundo habitado (ecumenicidade) e não meramente por interesses pequeno-institucionais.

Esses espaços sim, conselhos, fóruns e movimentos sociais, mesmo sem rituais possuem mística própria e se constituem em verdadeiras religiões e espiritualidades incluidoras, ecumênicas e efetivamente religadas ao Sagrado, pois são elas que conseguem o milagre da sinergia das diferenças dos credos, cores, idades, classes e formações para a produção de novos saberes e práticas libertadoras e emancipadoras do ser humano.

Assim, as religiões têm muito que aprender sobre a verdadeira espiritualidade com esses segmentos e principalmente com os gritos e gemidos das pessoas que sofrem.

Belo Horizonte, inverno de 2007

* Reflexão elaborada por ocasião do IV Encontro Estadual de Direitos Humanos, Belo Horizonte, 21/06/2007 e da V Conferência Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Belo Horizonte, dias 22 e 23/06/2007

[1] Educador, Teólogo e Psicólogo. Assessor da Fundação Metodista de Ação Social e Cultural e do Projeto Sombra e Água Fresca. Email: kebelassis@yahoo.com.br