22 setembro, 2007

O homem medíocre

* Por Antonio Ozaí

Assisti, novamente, o documentário Vale a pena sonhar, sobre a vida de Apolônio de Carvalho (1912-2005), revolucionário e fundador do Partido dos Trabalhadores. Dessa feita, me chamou a atenção a referência que ele faz ao livro El Hombre Mediocre, de José Ingenieros, que teve influência em sua formação. Desconhecia o autor e a obra e decidi ler.
“O Homem Medíocre” é um ensaio filosófico sobre a natureza humana. O autor nos faz pensar sobre a mediocridade que marca as sociedades modernas, com os homens envoltos em suas rotinas e sem idealismo. São seres humanos “normais” que passam a vida sem vivê-la. Na verdade, reproduzem e vegetam. São homens e mulheres imersos em seus pequenos mundinhos, excessivamente prudentes, pragmáticos e sem ideais. Recusam-se a sonhar! Os seus horizontes não vão além dos instintos e necessidades imediatas.
Embora não compartilhe com a visão elitista e meritocrática que o autor imprime em sua obra, considero importante refletir sobre as suas palavras. Eis alguns trechos*:
“Muitos nascem: poucos vivem. Os homens sem personalidade são inumeráveis e vegetam, moldados pelo meio, como cera fundida no cadinho social. Sua moralidade de catecismo e sua inteligência quadriculada, os constrangem a uma perpétua disciplina do pensamento e da conduta; sua existência é negativa como unidade social. (p.50)
O homem medíocre é uma sombra projetada pela sociedade; é, por essência, imitativo, e está perfeitamente adaptado ara viver em rebanho, refletindo rotinas, preconceitos e dogmatismos reconhecidamente úteis para a domesticidade". (p.58).
Os homens medíocres, afirma Ingenieros:
“São rotineiros, honestos, mansos; pensam com a cabeça dos outros, condividem a hipocrisia moral alheia, e ajustam o seu caráter às domesticidades convencionais.
Estão fora de sua órbita o engenho, a virtude e a dignidade, privilégio dos caracteres excelentes; sofrem, por isso, e os desdenham. São cegos para as auroras; ignoram a quimera do artista, o sonho do sábio e a paixão do apóstolo. Condenados a vegetar, não suspeitam que existe o infinito, para além dos seus horizontes.
O horror do desconhecido ata-os a mil preconceitos tornando-os timoratos e indecisos; nada aguilhôa a sua curiosidade; carecem de iniciativa, e olham sempre para o passado, como se tivessem olhos na nuca.
São incapazes de virtude; ou não a concebem, ou ela lhes exige demasiado esfôrço. Nenhum afã de santidade consegue pôr em alvoroço o sangue do seu coração; às vêzes não praticam crimes com mêdo do remorso.
Não vibram com tensões mais altas de energia; são frios, embora ignorem a seriedade; apáticos, sem serem previsores; acomodatícios sempre, nunca equilibrados. Não sabem estremecer, num calafrio, sob uma carícia terna, nem desencadear de indignação, diante de uma ofensa.
Não vivem a sua vida para si mesmos, senão para o fantasma que projetam na opinião dos seus semelhantes. Carecem de linha; sua personalidade se desvanece, como um traço de carvão sob a ação do esfuminho, até desaparecer por completo. Trocam a sua honra por uma prebenda, e fecham a sua dignidade com chave, para evitar um perigo; renunciaram a viver, ao invés de gritar a verdade em face do êrro de muitos. Seu cérebro e seu coração estão entorpecidos igualmente. Como pólos de um imã gasto.
Quando se arrebanham, são perigosos. A fôrça do número supre a debilidade individual: mancomunam-se aos milhares, para oprimir todos quantos desdenham encadear a sua mentalidade nos élos da rotina.
Subtraídos à curiosidade do sábio, pela couraça da sua insignificância, fortificam-se na coesão do total; por isso, a mediocridade é moralmente perigosa, e o seu conjunto é nocivo em certos momentos da história: quando reina o clima da mediocridade. (p.65-66).
São prosáicos. Não têm ânsias de perfeição: a ausência de idéias impede-os de pôr, em seus atos, o grão de sal que profetiza a vida. (p.76)
Pressentem um perigo em tôda idéia nova; se alguém lhes dissesse, que os seus preconceitos são idéias novas, chegaria a julgá-los perigosos." (p.78)
Vivem uma vida que não é viver. Crescem e morrem como plantas; não necessitam ser curiosos, nem observadores. São prudentes, por definição, de uma prudência desanimadora. Se um dêles passasse junto ao campanário inclinado de Piza, afastar-se-ia, temendo morrer esmagado.(p. 79)
No verdadeiro homem medíocre, a cabeça é um simples adôrno do corpo. Se nos ouve dizer que serve para pensar, julga que estamos loucos” (p. 81).
Olho à minha volta e me assusto com a mediocridade em que estamos submersos. Ela campeia livremente pelo campus, presente em luminares titulados e não-titulados. Fico a pensar em que medida sou cúmplice e também medíocre. Resta o consolo de ousar pensar o utópico e inexeqüível.
Quanto às palavras de Ingenieros, que cada um tire as próprias conclusões.

Notas: *A edição que uso foi publicada pela Edições Spiker, Rio de Janeiro, sem data. Mantive a grafia original.
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* Antonio Ozaí é professor da Uem e editor da Revista Espaço Acadêmico - http://www.espacoacademico.com.br/