30 dezembro, 2006

Doentes, famintos e esfarrapados

Por Pr. Daniel Rocha

“Sai depressa para as ruas e becos da cidade e traze para aqui os pobres, os aleijados, os cegos e os coxos” (Lc 14.21)

A igreja é um lugar de doentes. É sempre bom ter consciência disso, pelo menos assim ninguém se arroga de ser melhor do que o outro e todos procuram cura Naquele que pode sarar. Outra vantagem: doente não tem medo de estar perto de outro doente, por isso busca a comunhão, e se sente solidarizado em sua dor. Numa igreja de doentes todos se reconhecem pecadores. Quem se acha saudável tem medo de se misturar, de se contaminar, e evita a comunhão. Quem é doente concorda com Tiago de que “todos tropeçamos em muitas coisas” (Tg 3.2).

Numa igreja de doentes um está afetado dos olhos, vê embaçado, não consegue enxergar as coisas como elas são (Mc 8.24) e busca o colírio divino que unge os olhos (Ap 3.18) . Pessoas de olhos maus necessitam de cura. É uma doença que todos precisamos estar atentos, pois sem perceber, ela pode se instalar em nossas vidas. Dentro do Corpo de Cristo não estamos imunes a ela, pelo contrário, os olhos maus se manifestam na Igreja de muitas maneiras: há olhos presunçosos, há olhos que não se satisfazem, há olhos altivos, há olhos maliciosos, há olhos rápidos, que não tem sossego e não se fixa em nada.

Outro está doente dos ouvidos, por isso tem dificuldade de distinguir a voz de Deus, dá mais ouvidos a homens que ao Espírito.Outro ainda está doente do coração. A bíblia é um livro que relata a história de muitos que sofriam de problemas do coração - os cardiopatas emocionais e espirituais. É do coração que brota as fontes da vida, mas é também ali que se esconde o veneno destruidor desta mesma vida.

Além dos doentes, a igreja é um lugar de famintos. Graças a Deus! Quem se sente saciado olha para a comida com desdém, nada lhe apetece. Não há pior coisa que servir um banquete para quem se sente saciado.

Certo homemdeu uma grande ceia e convidou muitos. À hora da ceia enviou o seu servo para avisar aos convidados, mas cada um deles recusou dando uma desculpa. Então, o senhor irado disse ao seu servo: “Sai depressa para as ruas e becos da cidade e traze para aqui os pobres, os aleijados, os cegos e os coxos” (Lc 14.21) E como ainda sobraram lugares o senhor ordenou: “sai pelos caminhos e atalhos e obriga a todos a entrar, para que fique cheia a minha casa” (Lc 14.23)
Só fico imaginando aquele banquete no céu: uma mesa rodeada pelo tipo mais vil e desprezível de gente, e o senhor alegre à cabeceira da mesa porque ela está repleta de convidados. Não há ao redor da mesa convidados mais dignos que outros. Todos são igualmente indignos.Os “bacanas” e “merecedores” não têm lugar nesta festa.

A igreja também é um lugar de esfarrapados. Ser esfarrapado é não ter status, é reconhecer-se vazio, desprovido de bem algum, e nada a oferecer. Quem nos confere dignidade são as vestiduras de Cristo em nós. Justamente por isso, o pai do filho pródigo ordenou que lhe trouxessem “vestes novas”, e na parábola das bodas quem é expulso do grande banquete não é o mau, o pobre ou doente, mas aquele que “não trazia veste nupcial” (Mt 22.11): “Amigo, como entrastes aqui sem veste nupcial?”À Igreja de Laodicéia o anjo pede que aquela gente presunçosabuscasse “vestiduras brancas para se vestirem” (Ap 3.18), ou seja, a justificação que só Cristo traz.

Reconhecemos que não há bem nenhum em nós mesmos, e clamamos pela misericórdia divina. Toda distinção e honra é Cristo quem nos confere. Reconhecer-se indigno é o primeiro sinal de que a santidade de Deus estão sendo manifestadas na vida de alguém. Foi assim com Isaías: “Ai de mim, estou perdido” (Is 6.5), foi assim com Pedro: “Senhor, retira-te de mim, porque sou pecador” (Lc 5.8)

Sim, somos todos doentes, famintos e esfarrapados. Apesardisto, o apóstolo Paulo sempre começa suas epístolas referindo-se “aos santos” que vivem em Éfeso, em Filipos... e até mesmo a mais problemática igreja do Novo Testamento, Corinto, Paulo chama seus membros como “santificados em Cristo”. Quer maior graça que esta? Um complexado pecador ser chamado de santo?

O que é um cristão? É um mendigo que descobriu onde tem comida. O que é evangelização? É contar para outros mendigos onde tem comida da boa. Sim, não passamos de mendigos que descobriram onde banquetear-se. Não passamos de convidados para uma ceia – e o convite veio não porque fôssemos dignos, mas porque Aquele que convida é misericordioso.

Fonte: Site oficial da Igreja Metodista