14 abril, 2007

Profetas: olhos abertos para o presente

O Profeta Isaías (obra de Rafael)

Neste início de ano, a TV Globo resolveu reeditar uma novela que já havia feito sucesso anos atrás: O Profeta. O personagem principal, personificado agora pelo ator Thiago Fragoso (de cabelos louros e encaracolados como os de um anjinho barroco) é um rapaz com poder de prever o futuro, graças à comunicação que estabelece com espíritos de pessoas falecidas. Um evangélico que assista a esta novela certamente reconhecerá: a doutrina religiosa que influencia o roteiro não é a mesma que recebemos pela Bíblia. A Bíblia fala explicitamente contra a prática de se consultar os mortos. Isaías, um dos profetas bíblicos, diz, no versículo 19 do capítulo 8 de seu livro: “Quando vos disserem: Consultai os que têm espíritos familiares e os feiticeiros, que chilreiam e murmuram, respondei: Acaso não consultará um povo a seu Deus? Acaso a favor dos vivos consultará os mortos?”
Contudo, a clareza acerca desta questão ainda não é uma garantia de que a palavra “profeta” esteja sendo corretamente empregada nas igrejas evangélicas de nosso país. Infelizmente, há pessoas que se auto-intitulam profetas e agem exatamente como o personagem da novela – com a única diferença de que afirmam receber suas “previsões” não de espíritos, mas do próprio Deus. O que pensar disso? À luz da Palavra de Deus, sabemos realmente o que significa ser um profeta? Leia, a seguir, uma entrevista com o pastor Fernando Cezar Moreira Marques, editor das revistas de Escola Dominical. Ele preparou uma série especial de estudos bíblicos sobre profetas para as revistas Flâmula Juvenil de 2006 e 2007 e esclarece dúvidas a respeito.


O conteúdo da revista foi escolhido em função da novela?

Absolutamente. As lições sobre os profetas da Bíblia fazem parte do projeto que prevê o estudo de todos os livros da Bíblia no período de seis semestres. Mas, de certa forma, creio que foi bom termos tido a chance de estudar os profetas na mesma época em que a novela foi exibida. Imagino que, eventualmente, se fez algum comentário, durante a aula, sobre o tal profeta da novela.

Por quê? O profeta da novela tem algo a ver com algum profeta dos tempos bíblicos?

Não, nem um pouco. Aliás, para ser mais coerente, o título da novela devia ser O Vidente. Profetas, no sentido bíblico, são aqueles que anunciam a Palavra de Deus, falam em nome de Deus. Como um “porta-voz”. Em muitos textos bíblicos vemos os profetas chamando o povo ao arrependimento de pecados que os levariam à ruína futura. Note, porém, que a atenção do profeta que fala em nome de Deus está voltada ao presente: direciona-se aos erros que estão sendo cometidos pelo povo naquele momento. Assim, os profetas não são meros “adivinhos”, mas pessoas chamadas por Deus para trazer uma mensagem de arrependimento e salvação.

Algumas pessoas que se auto-intitulam profetas entram numa espécie de transe para falarem em nome de Deus. O que o senhor acha disso?

Para expressar a vontade de Deus, o profeta precisa estar muito atento à realidade à sua volta. Isso porque precisa identificar as práticas que vão contra os valores do Reino de Deus, apontando os erros e chamando o povo à retidão. Então, não pode estar em transe; tem de ter os olhos bem abertos para poder enxergar o contexto em que se encontra e compará-lo com a Palavra de Deus. É nesse sentido que afirmamos que o profeta não fala o que deseja, mas o que Deus manda.

E o que Deus manda é sempre “o bem”?

Nem sempre. Profetas do Antigo Testamento anunciaram castigos e destruições para quem não se arrependesse. Essa coisa de “vim aqui profetizar uma bênção para esta igreja” não existe. A não ser que Deus tenha mandado, claro.

A Igreja canta uma música assim...

Pois é. Aquela “Não vou calar meus lábios”, não é? Se você analisar bem a letra, vai perceber que ali se usa o termo profetizar para o que, na verdade, expressa um desejo particular. Veja, quando digo “Boa noite!”, estou expressando o meu desejo de que você durma bem e não profetizando que você terá uma noite tranqüila. Assim, o que a música faz é expressar meu desejo de que “nenhuma maldição” te alcance. Para isso, infelizmente, usa-se erroneamente o termo profetizar. E o que é pior, às vezes, como já vi acontecer, canta-se fazendo gestos como se estivesse benzendo as pessoas ou a congregação!

Há, então, uma certa confusão sobre a verdadeira atuação do profeta?

Mais do que isso. Nessa música, por exemplo, parece que a palavra profética tem o poder sobrenatural de proteger ou de alguma forma influenciar a vida de alguém. O fato é que o termo está na moda, no discurso do grande balaio em que se tornou o povo chamado evangélico. Temos geração profética, louvor profético, pregação profética, oração profética e a cada dia surge uma qualidade nova junto do profético!
Espero que as lições da Flâmula tenham, de alguma forma, contribuído para esclarecer o assunto.