15 maio, 2007

"QUE ELES SEJA UM PARA QUE O MUNDO CREIA"

João 17.21

“Para que sejam um”

A Igreja busca pela unidade para atender ao apelo de Cristo na oração sacerdotal. Nela, Jesus pede que os discípulos sejam um (João 17.21), como Ele e o Pai o são. Pedro, João, Tiago, André e outros eram pessoas diferentes, com reações diferentes, compreensão acerca das palavras de Jesus de forma diferenciada, mas experimentaram a unidade entre si porque foram transformados por Jesus Cristo. Encontramos o exemplo de Pedro. Ele que costumava atropelar as pessoas, agir de maneira rude e violenta, demonstrar certa arrogância, terminou a vida enviando saudações carinhosas e ósculo santo para seus seguidores (I Pe 4.14). Pedro aprendeu o “segredo de se esvaziar dos preconceitos e paradigmas, não ter medo do novo, não ter receio de explorar o desconhecido. Entendeu que devia se colocar como uma criança que se expõe singelamente diante do mundo que a cerca. Quem não consegue se esvaziar das suas verdades não consegue abrir as possibilidades dos pensamentos”.[1]

Outro exemplo de pessoa transformada é João. A afetividade foi uma das marcas na vida e ministério de João. Invariavelmente seus escritos mencionam esta dimensão. Ele soube captar este aspecto na vida de Jesus e desenvolvê-lo com seus discípulos. “Seus escritos exalam a mais bela afetividade. Mesmo no livro de Apocalipse é possível perceber, entre guerras e julgamentos, o perfume mais excelente da emoção. Nesse enigmático livro, Jesus é citado mais de vinte vezes, não como um general ou juiz, mas como cordeiro de Deus. João nunca se esqueceu das seis dramáticas horas da crucificação”.[2] João permaneceu aos pés da cruz, e lá soube entender a linguagem silenciosa de Jesus e foi nutrido na dimensão da oração sacerdotal. Em outras palavras, Jesus reprogramou a ambição dos discípulos. A ânsia pelo poder e pela proeminência foi substituída pelo ser servo de todos. Para ser o maior, o seguidor do mestre dos mestres deveria se transformar no menor e servir aos outros (Mc 10.43-45).

Movimento homogêneo

Pensar na unidade dos cristãos nos dias de hoje parece ser uma grande utopia. Os movimentos homogênicos que agem dentro das Igrejas preconizam uma unidade eclesial, intra-muros, nos limites da denominação ou da igreja local, entre os grupos que professam o mesmo pensamento ou manifestam a mesma experiência, e o fazem, muitas fazem, sem afetividade e sem respeito para com o sentimento alheio e, desta forma, não conseguem alcançar a amplitude da oração sacerdotal. Esta unidade, resultado de homogeneidade, não reflete a unidade apregoada por Jesus Cristo. Assim, nos diversos movimentos em busca da unidade encontramos aspectos que tendem a minimizar o tema.

O fundamentalismo

Encontramos, como primeiro exemplo, o fundamentalismo que pode ser definido como um “movimento social religioso no seio do protestantismo, que tem a sua gênese num contexto de acentuadas contradições sociais, por conseguinte, de falta de plausibilidade e de relativismo de valores; tem no líder e na rede de fiéis seus termos estruturais básicos, cujas relações são de autoritarismo e totalitarismo, predominando a ênfase carismática, e de enérgico antagonismo contra correntes divergentes – inimigo demonizado; e desempenha uma função social de compensação, mediante novos vínculos interpessoais e reforço da identidade, e, ao mesmo tempo, de legitimação de certa ordem social vigente”.[3] O fundamentalismo, como outros movimentos sociais e religiosos, tem a marca ideológica, pois está a serviço de uma crença ou de uma determinada membresia que professa seus dogmas. Neste sentido, o fundamentalismo é doutrinário e intolerante com outras crenças ou grupos religiosos. Ele promove a homogeneidade entre os membros da Igreja ou parte dos mesmos, o que, por si só, já é uma negação da diversidade e da mutualidade que caracteriza o Corpo de Cristo (I Co 12.1-11).

Outro aspecto a ser destacado é que o fundamentalismo estabelece suas doutrinas e sua teologia a partir de estruturas dicotômicas, ou seja, bem x mal, Deus x demônio, luz x trevas, etc. Promove uma ortodoxia mínima absolutamente exigente em termos de observância e de obediência, sem que haja uma reflexão mais apurada e uma amplitude no que diz respeito ao livre arbítrio das pessoas professarem sua fé, até como conseqüência da característica de cada uma. Esta tendência homogênea cria estereótipos e comportamentos paranóicos na vida ministerial e eclesial. O pensar é refutado como atividade pouco espiritual. E quando o pensamento ou a ação não segue os dogmas da “homogeneidade” a rejeição, a discriminação e a disciplina são praticadas em nome desta “unidade”, o que, na verdade, não passa de uma uniformidade.

O relativismo

Como segundo exemplo pode ser citado o relativismo. Hoje vivemos num período onde há muitos movimentos religiosos que oferecem variados tipos de produtos, serviços e ofertas diversas, para chegar até os diferentes grupos da nossa sociedade. Com o movimento da globalização e o neoliberalismo no mercado os valores sociais, éticos e cristãos são questionados e aviltados, sendo substituídos por outros conceitos advindos deste movimento. Esta tendência cria a insegurança entre as pessoas e promove o relativismo das coisas. Tudo, ou quase tudo, passa a ser relativo. Os compromissos assumidos, votos feitos, responsabilidades éticas e morais, comprometimentos com a identidade e confessionalidade da denominação, entre outros aspectos, passam a ter um valor relativo. Neste sentido, minimiza-se o que deveria ser absolutizado.

Com a relativização das coisas, sobra muito pouco espaço de reflexão e de debate. Enquanto a máxima wesleyana ensina a “pensar e deixar pensar”, este movimento relativista e hegemônico pratica apenas a primeira parte, ou seja, pensa e não deixa pensar, mas cujo pensar reproduz discursos ensaiados e que estão a serviço dos que assumem uma liderança calcada na homogeneidade e no relativismo.

Desunião

Há que se citar também o pouco interesse que pode haver num ambiente de homogeneidade de que a unidade, enquanto resultado da mutualidade e da diversidade vivida e respeitada, seja, de fato, uma vivência e um testemunho evangelizador e sinalizador da presença do Reino de Deus. Os movimentos a partir disto levam em direção contrária à unidade que se busca e promove o confronto com idéias e pessoas que pensam e são diferentes dos estereótipos hegemônicos. A tendência, num ambiente assim, é de descarte, de intolerância, de deboche e de intimidação.

“Não sabem o que fazem”

Na busca pela unidade, se os movimentos fundamentalistas da homogeneidade, da hegemonia de um grupo ou tendência e da relativização das coisas continuam imperando, a Igreja acabará amargando maiores rachaduras, machucaduras, escândalos, messianismos, falta de ética, fingimentos, dissimulações e muita pouca missão ou missão distorcida. A oração sacerdotal de Jesus Cristo pode virar apenas um capítulo no Evangelho de João e o brado de Jesus na Cruz do Calvário é dirigido a nós hoje: “Senhor, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem” (Lc 23.34). Percorramos os caminhos da oração sacerdotal de Jesus, pois assim em algum ponto todos se encontrarão para celebrar a unidade ou para prestar contas do que foi feito em nome de Deus e do que deixou de ser feito.

“Para que o mundo creia”

Para motivar os discípulos a seguirem por este caminho Jesus “vendeu” sonhos. O principal era o Reino de Deus. Para falar dele usou a expressão Ano Aceitável do Senhor, onde haveria libertação aos cativos, visão aos cegos e liberdade aos oprimidos (Lc 4.17-19). Valorizou a vida. Focou a vida para ser plena e abundante. Despertou sentimentos, valorizou-os e ensinou os segredos do coração. Ensinou os discípulos a ser gente, a aceitarem a fragilidade da vida e a valorizarem a si mesmos e uns aos outros. “Ele queria libertar os cativos e os oprimidos. Também queria libertar os cegos, não apenas os cegos cujos olhos não vêem, mas cujos corações não enxergam. Os cegos que têm medo de confrontar-se com suas limitações, que não conseguem questionar qual é o seu real sentido de vida. Os cegos que são especialistas em julgar e condenar os outros, mas que são incapazes de olhar para as suas próprias fragilidades”.[4] Que o Senhor Jesus nos dê a verdadeira motivação para sermos seus seguidores e sejamos um como Ele e o Pai o são, para que o mundo creia que Ele nos enviou.

Bispo Josué Adam Lazier
Maio 2007


[1] Cury, Augusto. O Mestre Inesquecível. São Paulo. Academia de Inteligência. 2003. Pg. 174.
[2] Cury, Augusto. O Mestre Inesquecível. São Paulo. Academia de Inteligência. 2003. Pg. 199.
[3] Oro, Pedro Ivo. O outro é o Demônio – uma análise sociológica do fundamentalismo. São Paulo. Editora Paulus. 1996. Pg. 167.
[4] Cury, Augusto. O Mestre Inesquecível. São Paulo. Academia de Inteligência. 2003. Pg. 93.