12 julho, 2007

A Igreja Metodista no Brasil e a encruzilhada entre Bento XVI e o G-12

Gente amiga,

Graça e Paz!

O Papa Bento XVI, como era de se esperar, continua aprontando das suas. Claro que por detrás da nota do Santo Ofício está não o dedo mas toda a mão de Bento XVI. O que mais me impressionou nesta última não foi a declaração da Igreja de Roma como a única verdadeira Igreja,mas sim de publicamente manifestar seu ódio contra Leonardo Boff, único teólogo católico contemporâneo que tem explicitamente citada no documento uma obra sua - Igreja, Carisma e Poder. Caramba, o cara não perdoa o Boff de verdade e de jeito nenhum!

Mas, deixando de lado a falta de amor (como se isso fosse possível a um cristão ou cristã), quanto ao conteúdo da mensagem, nada de novo no quartel de Abrantes, isto é, no Vaticano. Só explicita o que já está dito nos documentos eclesiológicos do Vaticano II. E nisso a nota está cem por cento correta. Somente quem não leu tais documentos estranha o conteúdo da mensagem, que aliás o Cardeal Ratzinger já em 2000 tinha exposto na sua Dominus Iesus. Nas minhas aulas de ecumenismo quando trato do Vaticano II e o ecumenismo peço aos alunos e alunas para lerem a Lumen Gentium e a Unitatis Redintegratio e identificarem o que que mudou e o que não mudou na eclesiologia católica no Vaticano II. E aí fica claro que a Igreja de Roma no Vaticano II não abriu mão de ser a única Igreja onde subsiste a verdadeira Igreja de Cristo.

O problema não é o conteúdo mas o contexto em que a mensagem é publicada. E aí que a coisa pega. É claro que o que está em jogo é a perda de poder que o catolicismo e todas as demais "mainline churches" estão sofrendo pelo mundo afora, inclusive a Metodista, com perda de membros e/ou de influência na sociedade, que é o caso daquelas que estão crescendo numericamente mas não conseguem conviver com o avanço dos direitos humanos individuais e sociais, como no caso das fundamentalistas e neo-pentecostais. É a luta contra a modernidade e a pós-modernidade. A luta contra a possibilidade de se suspeitar das verdades de cada uma dessas igrejas jura ser a revelação positiva da única verdade divina. Mas também para nós na América Latina, a mensagem tem de ser considerada no contexto da Conferência Episcopal de Aparecida onde fica claro o buraco que o pentecostalismo em suas diferentes versões tem aberto na Cristandade Católico-Romana da América Latina. Com as decisões de Aparecida é claro que o Catolicismo Romano Latino-Americano está pretendendo entrar para valer na competição pela clientela do mercado de bens religiosos e disputar com outras religiões, particularmente com o pentecostalismo, a parte que pensa lhe caber neste latifúndio religioso. Daí negar a eclesialidade de todas as demais Igrejas não Romanas, e, especialmente, as pentecostais. Ora, qualquer movimento ecumênico sério nos dias de hoje não pode deixar de reconhecer a legimitade eclesial de grande parte das Igrejas Pentecostais, mesmo que muitas vezes se venha discordar de suas práticas e doutrinas. Mas não, para estancar minha hemorragia, sangro o meu próximo! Aí é cada um por si e salve-se quem puder! Farinha pouca, meu pirão primeiro! Homessa, diria o Eça, eitcha lógica besta!

Sou ecumênico e continuarei a ser ecumênico não por causa disto ou daquilo que essa ou aquela Igreja diz ou deixa de dizer, faz ou deixa de fazer, principalmente do que a minha ou a Igreja de Roma pensa ou deixa de pensar! Sou ecumênico e continuarei ecumênico porque creio que esta é a vontade de Jesus Cristo expressa no Evangelho, e, no meu caso de metodista, porque o fundador da "minha seita", John Wesley, foi um homem de espírito católico, que sem abrir mão de suas profundas experiências e convicções teológicas que animaram todo o seu ministério de evangelista e avivalista, pensou e deixou os outros pensarem, ao ponto de discordando das doutrinas e práticas da Igreja de Roma, criticando-as radicalmente em diversos de seus escritos ao longo de seu ministério, no final de sua vida, no sermão "Sobre a Igreja" não ousar negar a eclesialidade da Igreja de Roma e excluí-la da Igreja Católica (Universal) de Cristo! Por isso, creio que não se pode nuncar esquecer que acima de tudo o Evangelho do Reino de uma nova vida foi vivido e proclamado por Jesus no meio dos pobres, dos doentes, dos endemoniados, dos herejes, dos réprobos, dos excluídos, das prostitutas e publicanos, marginalizados pela sociedade e religião de sua época.

Portanto, em fidelidade ao Evangelho e ao Metodismo Histórico, sou e continuarei sendo ecumênico! E não adianta os irmãos e irmãs anti-ecumênicas metodistas ficarem a bater palmas por causa da farrapada anti-ecumênica de Bento XVI e a pensar que agora se pode na Igreja Metodista "lançar uma pá de cal sobre os remanescentes amantes da Igreja Católica e do ecumenismo". Respeitando e defendendo veementemente o direito de termos opiniões diferentes sobre assuntos de doutrina e prática, creio que não é assim que vamos no espírito de Cristo resolver nossas diferenças. Se repugnamos veentemente o Santo Oficio Romano, com muita mais razão devemos repugnar o Santo Ofício Metodista, pois não foi caça às bruxas, de um lado ou de outro, que o Concílio Geral decidiu!

Ao mesmo tempo, contudo, o respeito à diferença não significa indiferença frente a doutrinas que ferem o metodismo histórico como é o caso do cripto-movimento G-12 crescente em diferentes regiões da Igreja Metodista brasileira, que, como se escondendo por detrás da prática wesleyana de pequenos grupos, acaba por instituir dentro de muitas igrejas locais uma eclesiologia da igreja em células "dentro da visão" e subordinadas e condicionadas às experiências desenvolvidas nos encontros com Deus, fora do ambiente da igreja local, mas que acabam por impor sua lógica à vida de nossas igrejas locais. Lideranças são marginalizadas e excluídas porque, por razão de consciência e fidelidade à proposta de uma igreja inclusiva de dons e ministérios, não aceitam submeter-se a tal lógica. O argumento de que o modelo de igrejas em células faz a Igreja crescer numericamente é frequentemente ouvido e justifica uma série de atropelos na vida de nossas igrejas locais. A lógica do que o que funciona é por si mesmo bom, não resiste à lógica do Apóstolo qando ele afirma "tudo me é lícito, mas nem tudo me convem"!

E ficamos nós metodistas brasileiros na mesma encruzilhada do primitivo metodismo norte-americano quando entre a escravatura e o crescimento da Igreja optou pelo crescimento numérico, preferindo ser uma igreja grande do que ser povo em santidade, tudo sob as vistas do Bispo Asbury que um dia teria dito que preferia ter uma igreja santa ao invés de uma igreja grande, e mais tarde se dobrou à lógica do por que funciona é certo. Entre nós mais uma vez se repete essa queda da graça, mais uma vez com o argumento do crescimento numérico, e tudo isto sob o guarda-chuva do programa de discipulado promovido pelo nosso Colégio Episcopal! Estamos cada vez mais engolfados pela tentação de ser uma Igreja grande ao invés de uma Igreja Santa. E nos esquecemos de grandeza não faz parte das marcas da Igreja, mas santidade sim!

E surpreendentemente, entre os irmãos e irmãs que atacam o ecumenismo muitos há que promovem ardentemente em suas igrejas e regiões a adoção do modelo G-12 das igrejas em células. Entretanto, creio que não se trata de demonizar a proposta do G-12, mas de deixar claro, como já o fez o Colégio Episcopal em outras circunstâncias, que se esta proposta é válida para outros grupos cristãos, ela não é e não pode ser a eclesiologia da Igreja Metodista no Brasil porque fere frontalmente a proposta de uma igreja em dons e ministérios que é inclusiva por reconhecer que todos os crentes, mulheres e homens, crianças, jovens, adultos e idosos, como diria Wesley, independente de seu grau de fé, somos todos parte do Povo de Deus. Portanto, nenhum pastor ou pastora, nenhum leigo ou leiga, tem permissão para promover dentro de nossas regiões e igrejas locais a adoção e desenvolvimento de qualquer prática eclesiástica que seja excludente.

No fundo a lógica de Bento XVI é a mesma dos defensores do G-12. O que for necessário se fazer para ou evitar-se a evasão de membros ou fazer a igreja crescer numericamente, é lícito e válido, não importando a que preço ou qualquer outra consideração eclesiológica e missionária. É por isto que tanto Bento XVI como nossos anti-ecumênicos e praticantes do cripto-G-12 têm uma comum agenda ultra-conservadora, quase ou totalmente fundamentalista, e compartilham causas comuns tanto no nível da Igreja como da sociedade. E todos que ousam não se pautar por tal agenda são considerados inimigos que devem ser varridos, como no caso de Boff ou como no caso de nossa participação metodista no CONIC.

No fundo ambos acreditam e praticam a guerra santa seguindo a lógica da Batalha Espiritual, tão em voga entre nós. É por isso que nossos anti-ecumênicos esfregam suas mãos radiantes com a declaração da Igreja de Roma sobre sua exclusiva eclesialidade, apregoam o fim do ecumenismo, e querem lançar uma pá de cal, claro que sobre o cadáver, de quem pensa diferente. A que ponto nós chegamos! Creio que todos nós que amamos a Igreja e queremos ver a paz reinar entre nós pautados pelo lógica da santidade de coração e vida, mediante o amor a Deus e ao próximo, de maneira particular aos "inimigos", devemos rejeitar a lógica da batalha espiritual, venha de onde vier.

Oro para que a Comissão Especial nomeada pelo Colegio Episcopal para assessorá-lo no encaminhamento da questão ecumência entre nós, não se deixe levar nem pela lógica de Bento XVI nem pela lógica daqueles que querem varrer da Igreja os que creêm que o metodismo é por natureza ecumênica e, a exemplo de Wesley, rejeitam negar a eclesialidade da Igreja de Roma apesar de suas errôneas doutrinas e práticas anti-biblicas.

No amor de Cristo,

Paulo Ayres Mattos
Bispo Emérito da Igreja Metodista
Paulo Ayres Mattos

3 Comments:

At julho 12, 2007, Blogger Daniel said...

Interessante a reflexão do Bispo Paulo Ayres. Realmente devemos rejeitar qualquer prática eclesiástica que seja excludente. Uma questão: será que os problemas que o bispo aponta no "G-12" se estendem a todo e qualquer movimento atual de renovação na eclesiologia, inclusive com o envolvimento da prática de pequenos grupos?

 
At julho 12, 2007, Blogger Daniel said...

por exemplo, o que diriam acerca dessas palavras de David Kornfield?:
"Grupos pequenos foi o coração da estratégia de Jesus, quando formou sua equipe de discípulos. Foi a base do crescimento da Igreja dos primeiros três séculos. Foi a base de grandes avivamentos como o de Wesley, na Inglaterra. É a base da maior igreja na terra, para não dizer a base de uma nação (China) ou a base dos que se reúnem sob a liderança de um só pastor (Paul Yonggi Cho na Coréia). Hoje em dia as pessoas de nossa sociedade despersonalizada e massificada têm um clamor em suas almas para encontrarem um lugar em que podem ser aceitas, amadas e ter significado, ou seja, um grupo pequeno saudável. Ao mesmo tempo, a instauração de grupos pequenos não é a receita automática que resolve todos os males do mundo e da igreja. "
http://www.lideranca.org/cgi-bin/index.cgi?action=viewnews&id=36

 
At julho 13, 2007, Anonymous Anônimo said...

Prezado irmão Daniel,
Graça e Paz!

Não, Daniel, meus comentários sobre o G-12 não se estendem à toda prática de pequenos grupos que considero essencial a uma doutrina e prática de Igreja consistente com as necessidades dos dias atribulados em que vivemos. Também não acho que os grupos independentes que adotam a estratégia dos pequenso grupos sejam herejes, porque se assim o fizesse estaria negando a ação de Deus no meio deles. O que não concordo é com a sua adoção entre os metodistas porque fere nossa eclesiologia que hoje se reflete no ensino sobre uma igreja de dons e ministérios que afirma que todos os crentes são ministros de Deus sem essa de que só podem exercer ministérios na Igreja quem estiver dentro da "visão".

Obrigado por seus comentários.

Meu abraço fraterno com minhas orações a seu favor.

No amor de Cristo, o irmão,

Paulo Ayres

 

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