20 outubro, 2007

Da liberdade religiosa

*Thomas Paine
A constituição francesa pôs termo ou renunciou à tolerância e também à intolerância, e estabeleceu o direito universal de consciência.
A tolerância não é o oposto da intolerância; é a sua contrafação. São ambas despotismos. Uma se arroga o direito de impedir a liberdade de consciência, a outra se arroga o direito de concedê-la. Uma é o papa armado de fogo e de vara, a outra é o papa a vender ou a conceder indulgências.
A primeira é igreja e estado, a segunda é igreja e comércio.
A tolerância pode ser estudada sob luz mais intensa. O homem não adora a si, adora ao Criador; e a liberdade de consciência que ele exige não é para seu uso e sim para uso de Deus. Nesse caso, portanto, precisamos ter necessariamente a idéia associada de dois seres: o mortal que adora, e o imortal que é adorado.
Logo, a tolerância não se coloca entre homem e homem, nem entre igreja e igreja, nem tampouco entre uma religião e outra, senão entre Deus e o homem, entre o ser que adora e o ser que é adorado; e pelo mesmo ato de autoridade usurpada pelo qual tolera que o homem preste a sua adoração, usurpadora e blasfema, arroga-se o direito de tolerar que o Onipotente a receba.
Se ao Parlamento fosse apresentado um projeto intitulado “Lei para tolerar ou dar liberdade ao Todo-Poderoso de receber a adoração de um judeu ou de um turco”, ou “para proibir que o Todo-Poderoso a receba”, todos estremeceriam e diriam tratar-se de blasfêmia. Haveria tumulto. Apresentar-se-ia, então, sem máscara, a presunção da tolerância em questões religiosas; mas não é menor a presunção pelo fato de, em tais leis, aparecer o nome do homem, uma vez que não se podem separar a idéia do adorador e a idéia do adorado.
Quem és, pois, inútil pó e cinza! Quem és tu, chames-te como te chamarei, rei, bispo, estado, parlamento, ou outra coisa qualquer, que interpõe a tua insignificância entre a alma do homem e o seu Criador? Cuida do que é teu. Se alguém não acredita como tu acreditas, em compensação tu não acreditas como ele, e não há força terrena capaz de determinar entre vós.
Com respeito ao que se chama de classes de religião, se cada um se limita a julgar a sua própria religião, não existe religião errada; mas se um julga a religião do outro, não há religião que seja certa, e, portanto, todos estão certos, ou todos estão errados.
Todavia, com respeito à própria religião, sem consideração aos nomes e como coisa que vai da família universal da humanidade ao divino objeto de toda adoração, é o homem a levar ao Criador os frutos do seu coração; e se bem que tais frutos difiram um do outro como os frutos da terra, é aceito o tributo de gratidão de todos.
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* 1737-1809) O autor, filósofo político e republicano, foi um dos signatários da Declaração de Independência dos Estados Unidos.
Fontes: PAINE, Thomas. Senso Comum e outros escritos políticos. São Paulo: IBRASA, 1964 (Clássicos da Democracia).