11 setembro, 2008

UMA FÉ QUE PROMOVE VIDA E JUSTIÇA


Pr. Ronan Boechat de Amorim

A virada de século e de milênio, os dois mil anos do cristianismo e os quinhentos anos de colonização portuguesa do Brasil que celebramos recentemente devem nos colocar mais no rumo da meditação do que dos festejos. As gerações vindouras cobrarão de nós, pessoas da atualidade, as estruturas do mundo que legamos.


O paradoxo está diante dos nossos olhos: o século termina com um avanço científico e tecnológico que não podíamos imaginar nos anos 50. Em 30 ou 40 anos, a humanidade produziu mais ciência e inventos do que nos dois milhões de anos anteriores —desde que o bicho homem se ergueu sobre a terra e passou a hegemonizar a vida, não como o mais forte, mas como o mais inteligente dos animais.


Como homens e mulheres cristãos sabemos que não há problema humano sem humana solução. Ainda mais se o agir humano tem a direção da mão de Deus que nos leva para a justiça e o amor. É justamente o desamor e a injustiça que tanto insultam a Deus que torna nosso mundo tão desumano, com tanta opressão, fome, miséria, violência. A exclusão, que deixa um terço dos seis bilhões de seres humanos em situação de miséria material e espiritual, não é uma determinação insuperável do destino, muito menos a vontade do Deus de Jesus, o Pai de amor.


Há tanto por fazer... Há tanto para se viver de solidariedade e de companheirismo! Há tanto trabalho diante de nós para fazer a vida valer a pena para todos!


"Lembra-te, ó homem, que tu és pó e ao pó retornarás". A palavra bíblica soa como alerta necessário. Ela diz da nossa finitude, cujo entendimento é facilitador de grandezas. Só dá à vida a seiva da solidariedade e da sabedoria quem a sabe efêmera, provisória, breve passagem na imensidão do tempo. Com esta compreensão, aprendemos a descartar todo orgulho e qualquer prepotência. Diante da morte descobrimos a fragilidade enganosa dos bens materiais deste mundo "coisificado" e reencontramos nossa verdadeira dimensão humana: a da partilha, do encontro, da troca e da energia amorizante (fruto do amor de Deus e promotora da solidariedade humana) e transformadora.


Percebemos nossa vocação para o eterno, para o Reino, para Deus, quando cumprimos a existência no sentido do serviço, da valorização do outro, da superação do egoísmo. Erza Pound destacava que "o que amamos de verdade permanece para sempre e é nossa herança verdadeira". A morte, que tudo reduz a pó, é perene transformação. Passamos nós, ficam nossos gestos de amor e consciência.


Deus nos vocacionou para o companheirismo, para a vida em família, em grupo, em amizade, em sociedade, em solidariedade. É esta vocação assumida e vivenciada que nos torna seres humanos, razão concreta da nossa existência. A solidão (o “não-ser-companheiro”) não faz parte do projeto de Deus para a vida humana. O Sl 64:6 diz que Deus, “o pai dos órfãos” e o “que defende a causa da viúva”, faz com que “o solitário viva em família”.


Mas como parte de nossa contradição pessoal e da contradição do nosso tempo (cultura) nos acostumamo a ser sozinhos (negando nossa vocação social) e nos tornamos indiferentes com o desafio da solidariedade e da justiça que são as marcas fundamentais de nossa humanidade. Sozinhos e indiferentes vamos medindo a vida apenas pelo tempo, pelos dias e anos vividos. Mas sem acrescentar vida, cores e sabores aos nossos dias. Não há mais a paixão pela vida? A chama inextinguível da graça de Deus não acende em nós o desejo e o desafio de amar e conviver? Parece que estamos aprisionados a um sentimento de desesperança (meio pessimismo ontológico meio determinismo biológico e histórico) que nos impede de acreditar que em nosso mundo o amor e a justiça não podem ditar os rumos das políticas, da economia, das relações trabalhistas e inter-pessoais.


Grandes ações começam com pequenos gestos. Grandes movimentos sociais e de reformas começam com aqueles primeiros passos. Grandes avivamentos começam com pequenas reuniões de gente que crê. Grandes árvores como as sequóias começaram de pequenas sementes. Grandes homens e mulheres nascem de pequenos óvulos. As grandes coisas são coisas pequenas que cresceram. Por isso, não tenhamos medo de ter sonhos, de começarmos os pequenos gestos de solidariedade, os primeiros passos para um novo tempo. O pouco que temos e podemos, com Deus, é o suficiente.


Antes de “voltarmos ao pó”, encharquemos o chão de nossa vida terrena de ternura e justiça, possibilitando um novo rumo para a história humana. Dê o primeiro passo. Amém!