18 abril, 2007

Sobre o Massacre da Virgínia

Por Fernando Cezar Moreira Marques *
- Por favor, agora não! O presidente vai falar!

Recusando-se a atender a mais um telefonema, a dar mais uma entrevista, a repetir de novo a história de seu filho morto no episódio (que a imprensa está chamando de Massacre da Virgínia) aquela mãe se preparou para ouvir, pela televisão, o chefe da Nação.

Penso que foi difícil para ela, a mãe, segurar as lágrimas quando o presidente começou seu discurso dizendo que a Nação estava chocada e profundamente triste. E que ele, pessoalmente, estava orando pelas vítimas e familiares da “terrível tragédia”.

Era o presidente dos Estados Unidos da América falando diretamente a ela, em pronunciamento oficial no final da tarde do dia em que seu filho morrera de forma absurda.

Embora muito provável, a cena descrita acima não é verídica. Nasceu da minha imaginação. Assim como a que me veio à mente quando ouvi a porta-voz interina da Casa Branca afirmar que o episódio não fez com que o presidente mudasse sua opinião quanto ao direito das pessoas comprarem e portarem armas. O presidente defende a Constituição, pensei.

A cena que imaginei é a de familiares e amigos, não chocados e tristes mas, ao contrário, profundamente felizes esperando o pronunciamento oficial do sacerdote que atestaria a cura de sua mãe, tia, irmã, que há dezoito anos vivia encurvada e que agora, finalmente, por não estar mais doente, poderia voltar ao convívio da família e da comunidade.

Todos nos recordamos do que disse o sacerdote no episódio narrado por Lucas (13.14): defendeu a instituição, o Sábado, repreendendo quem estava ali.

Um tapa na cara, um balde de água fria? É assim que entendo a defesa da Constituição norte-americana no momento (A Segunda Emenda afirma que “ ... o direito do povo de possuir e usar armas não poderá ser impedido”). Os defensores da Constituição (os quais, não sejamos ingênuos, defendem, na verdade, um negócio que movimenta milhares de dólares ao ano) repetem o que um sacerdote disse há dois mil anos: a instituição chamada Sábado vale mais que a vida; o direito de comprar e vender armas vale mais que a vida de jovens universitários.

Os evangelhos narram diversos episódios em que Jesus questionou instituições sólidas de seu tempo como o Sábado, o Templo, a Lei de Moisés. Em todos os casos, o que estava em jogo era o mesmo: o ser humano é mais importante que qualquer instituição que o prive de vida e esperança ou que o trate sem levar em conta seu valor como ser humano.
E esse, é claro, era um princípio que os líderes das instituições não podiam e não podem aceitar ainda hoje.

Não quero resumir o Massacre da Virgínia a discussões políticas sobre a mudança ou não da Constituição dos Estados Unidos. Deixo isso para os políticos que vão, daqui por diante, usar o assunto para esquentar a campanha com vistas às eleições presidenciais previstas para o ano que vem. Recuso-me a reduzir a questão da violência, tão complexa, à facilidade de acesso às armas ou à redução da maioridade penal como se viu recentemente por aqui.

Quero, sim, me mostrar solidário aos pais e mães, amigos e demais familiares não só das vítimas mas também do jovem que efetuou os disparos. Quero dizer a eles que, pessoalmente, também já orei por eles e elas.

E nas minhas orações, pedi perdão a Deus pelas vezes em que agi em defesa das instituições, contra a vida. Talvez tenha sido essa a oração do presidente Bush.

Talvez deva ser essa a oração daquela igreja local que impediu as crianças de participarem do culto porque “atrapalhavam”; daquela outra que expulsou de seu meio uma jovem que se declarou contaminada pelo vírus HIV; de uma outra que não queria os juvenis nas dependências da igreja fora dos horários de culto...
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*Fernando Cezar Moreira Marques - Departamento Nacional de Escola Dominical - Redação
Sede Nacional da Igreja Metodista