17 setembro, 2008

O Evangelho e os excluídos (Elias Boaventura)


Há uma leve insinuação aos Evangelhos de que João Batista teve alguma dificuldade de assimilar os novos sinais da era messiânica emitidos por Cristo, embora ele, João, tenha sido reconhecido por Cristo como grande profeta de seu tempo.

João, assustado, ao ver o Cristo envolvido com os inviabilizados ou marginalizados, ou ainda pior, os excluídos, indaga: És tu mesmo o Cristo ou devemos esperar outro?

Qual a razão da pergunta? Quem seriam os excluídos com quem Cristo se envolveu? O rol é grande, mas para nosso tempo, incompleto: são eles os cegos, os coxos, os leprosos, os surdos, os mortos e os pobres. Para todos, de acordo com suas necessidades, o Cristo tinha uma resposta além do simples discurso e foi possível mandar uma informação contundente através dos emissários. “Digam a João o que vocês viram e ouviram”! Os atos falam mais alto.

Este rol de exclusões ganha mais sentido se o virmos com olhares acima da rigidez literalista e da inflexibilidade dos fundamentalistas. O excluído é todo aquele que de um modo ou outro se viu lesado pelo poder instruído e colocado à margem da sociedade.

Assim, cego é aquele de quem se quer esconder a realidade social através de sofisticados biombos ocultadores; os coxos certamente são os atropelados de prosseguir na direção de sua realização pessoal; já os leprosos representam homens e mulheres retirados do convívio social e depositados em verdadeira masmorras, para que não contaminem “os bons” e morram em sua dignidade. Continua o Cristo com seu tenebroso rol, mencionando os surdos, todos aqueles aos quais são sonegadas informações sobre o sentido dos acontecimentos.

Por força desta demoníaca exclusão todos acabam por se tornarem empobrecidos e mortos vivos, tolhidos em sua dignidade, cortados por todos os lados , empurrados de maneira brutal para o submundo dos viadutos. Sem opção os homens se tornam pobres em esperança, morrem em suas aspirações e passam simplesmente a vegetar.

O Cristo quer transformar o mundo através “desta gente” e esclarece. No processo revolucionário há que se levar em conta o olhar e a condição de todos, devolvendo-lhes a vida abundante, de modo que aqueles que estão manquejantes tenham restaurada sua capacidade de caminhar, os miseráveis sejam abertamente informados das razões de sua miséria, anunciando-lhes a libertação. E às pessoas e grupos que se encontram já amortecidos, totalmente incapazes de uma ação político social, pelo grau de descrença e anestesiamento social em que se encontram , lhes seja devolvido o sentido da vida e a esperança de luta. Que a todos sejam dadas informações de tudo e que a ninguém se corte a liberdade de expressão.

Para João Batista, estes novos tempos de libertação estavam fora de seus limites de percepção; não lhe era possível imaginar a solução, a partir dos problematizados e enfraquecidos , como queria seu mestre, até porque suas pregações caíram no deserto da indiferença humana, onde ele próprio experimentou o terror da fome.

Dois mil anos depois o quadro mudou pouco e aí se encontram os milhões de excluídos, perambulando entre nós e nos acotovelando em nosso egoísmo. O recado que eles trazem é trágico – “nossa miséria é forte e contagiante e não há a mínima possibilidade de paz social se não formos incluídos”. Não haverá paz no campo e “sem terras”, e nem paz na cidade com “sem tetos”. Segurança e tranqüilidade, só se for para todos, “inclusive nós”.

De fato, o que precisamos entender é que o Brasil é grande; nele cabem confortavelmente todos os brasileiros e, se grande parte se encontra hoje excluída e sem as condições básicas de vida, é porque uma minoria se apossou dos bens produzidos, gerou os milhões de excluídos e afastou a possibilidade de paz.

Quando não incluímos todos, a miséria se vê incluída.