Ecumenismo no contexto de Wesley
(Este foi publicado originalmente em 2005 no site: http://www.metodistaonline.kit.net/)
Meu irmão Odilon,
A Paz!
Estou sem tempo para entrar nessa discussão sobre ecumenismo e de maneira particular sobre as posições de Wesley sobre o papado e a Igreja de Roma. Os estudos aqui na Drew não me permitem. Por isso, até agora estava me esquivando de dizer alguma coisa. Mas acho de que pelo menos, tenho que fazer uma observação mais metodológica e menos de conteúdo, isto é, mais sobre como se discutir do que o quê se discutir.
Acontece que se a gente ignorar o contexto histórico em que Wesley disse isto ou aquilo sobre o papado, o espírito católico e os católico-romanos, ou relação dele com o misticismo de Teresa d'Avila, Madame Guillon, e outros místicos católicos,ou com a teologia ortodoxa-oriental e os Pais Apostólicos sobre a imago dei, o pecado original e a theosis, ou sobre seu arminianismo quase beirando a salvaçao pelas obras (com sua distinção entre justificação inicial - pela fé somente e sem obras, e justificação final - pela fé mas com obras), e a maneira como ele incorporou em sua teologia algumas das causas da justificação definidas pelo Concílio de Trento e que foram recusadas veentemente pelos reformadores do século dezesseis (mas que lhe possibilitou desenvolver seu ensino sobre a santificação diferentemente de Lutero e Calvino, certamente a maior contribuição teológica do metodismo à teologia cristã como um todo), a gente fica completamente confuso com a teologia e a prática missionária e pastoral de Wesley.
O mesmo pode ser dito sobre seus comentários bíblicos, seus diálogos com um católico-romano, ou outros escritos em que ele critica severamente a Igrejas de Roma. Se a gente toma tais textos de Wesley fora dos seus contextos históricos, a gente acaba por cometer erros graves e muito injustos contra o próprio Wesley, contra os católicos e contra nós mesmos.
Por exemplo, esse texto de Wesley sobre o papado que você colocou ontem seu site, fora do contexto histórico em que Wesley o publicou fica completamente contraditório com o seu sermão sobre o espirito católico e a carta a um católico-romano. E esses dois últimos textos também publicados sem um esclarecimento sobre o seu contexto ficam contraditórios com o texto hoje publicado por você. Se os três textos forem ao mesmo tempo publicados juntos sem a devida explicação de seus contextos certamentente, e com muita razão, muita gente vai dizer que Wesley devia ser maluco ou teologicamente irresponsável.
Foram estas possiveis incoerências de Wesley que levaram Dr. Richard P. Heitzenrater, em nossos dias um dos mais importantes teólogos historiadores do metodismo, a produzir a excelente obra "The elusive Mr. Wesley" em que ele procura esclarecer essas aparentes inconsistências de nosso pai espiritual João Wesley a partir dos diferentes momentos do avivamento metodista na Inglaterra. Portanto, o uso do material de Wesley fora do seu contexto, na minha opinião, não dá mais - é injusto para com ele e é injusto com a gente.
Essa discussão do modo como se está dando (segundo você, como se fora uma partida de futebol) não me agrada em nada porque citando Wesley fora do seu contexto missionário e pastoral me parece que se acaba por dizer somente meias-verdades. Isto me incomoda demais. Pra mim não dá mais para citar Wesley sem fazer menção ao contexto histórico e às conseqüentes razões porque que ele falou isso ou aquilo sobre tal ou qual assunto. Wesley, como um teólogo prático (no sentido de teólogo da praxis) que sempre foi, sua teologia foi sempre profundamente determinada pelas questões, necessidades e desafios enfrentados em sua prática missionária e pastoral.
Não quero parecer snob e nem que estou esnobando a discussão sobre ecumenismo que vascaínos e flamenguistas estão tendo no seu site (aproveitando a metáfora da partida de futebol que você usou), mas honestamente acho que está havendo bastante exagero e acho que seria bom alguém dar pelo menos alguns cartões amarelos nessa discussão.
Tenho de parar porque estou ainda afundado no meio de meus quatros exames de qualificação sobre o metodismo. Espero dentro de algum tempo poder escrever algo sobre os metodistas e o ecumenismo.
Finalmente, permita-me dizer que tenho certos e não poucos problemas teóricos e práticos com a Igreja de Roma e com o papado, especialmente com os ensinos teológicos do falecido papa e com os do recem-eleito, talvez, permita-me sem falsa modéstia, até mais complicados do que esses colocados na discussão do seu site, e nem por isso esmoreço no meu compromisso ecumênico. Exatamente porque sou um metodista de quatro costados e por isso não gostar de muita coisa na Igreja de Roma, como não gosto de certas coisas na nossa Igreja Metodista, e também nas outras Igrejas Cristãs, por isso mesmo é que cada vez sou mais ecumênico.
Um forte abraço.
Em Cristo, o irmão e amigo,
Paulo Ayres
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