12 outubro, 2006

SINAL FECHADO

São oito horas da manhã e estamos, eu, meu marido e filhos, indo para uma festividade pelo dia das criança, na minha Igreja. Confesso que pensava comigo mesma, sonolenta, que idéia teria sido esta, minha e dos irmãos/ãs de celebrar um culto a esta hora, em pleno feriado... a minha vontade era de estar na cama, nesta manhã nublada.

Meus filhos se amontoam no banco de trás do Fiat apertadinho, calados... isto é raro... acho que eles ainda não acordaram direito...

O carro pára em um sinal de trânsito e olho através da janela de vidros fechados, o rosto do menino, que atravessa correndo a rua e vai para o lado do motorista.

- “Moço, me dá um trocado”?

Maltrapilho, descalço e tiritante, pois a manhã está fria, apesar de não ser mais inverno, ele estende uma mão pequenina e suja na direção do meu marido, que está na direção.

Deparo-me com dois olhos negros como jabuticaba e me surpreendo com o sorriso de dentes alvos na boquinha arreganhada de orelha a orelha. O rostinho sorri, mas os olhos são tão tristes!

Meu marido, bocejando, num gesto mecânico, abre a carteira, tira uma nota de R$5,00 (não tinha menor) e a coloca na mãozinha estendida...

O sorriso se abre ainda mais, pelo valor da nota:

- “Brigado moço... Deus lhe pague... agora vô podê comprá pão prus meus irmão”.

O sinal se abre... meu marido dá partida no carro. E eu, continuo com o rosto colado no vidro da janela, olhando o vulto magro do garotinho que vai ficando cada vez mais longe.

- “Quantos anos ele tem?” – eu me pergunto – “Oito, nove?” O olhar, era de uma pessoa velha.

Penso no meu café da manhã, tomado antes de sair, na mesa bem arrumada, composto de presunto, queijo, pão quentinho, geléia, fruta, café fresquinho e leite integral. Penso no colégio pago dos meus filhos, em minha casa confortável, em minhas roupas, adequadas para o tempo.

Penso em minha família que se reuniria à hora do almoço, certamente também farto, acompanhado de suco e sobremesa... Penso nos nos muitos presentes que eles já receberam em passados dias das crianças e que só não recebem mais porque já estão crescidos...

Penso na minha infância. No Deus da bíblia, que me foi apresentado por minha mãe, católica praticante, que lia os salmos e rezava comigo ao pé de minha cama macia e quentinha... Lembro de minha avó que sempre dizia pra pedirmos ao “Anjo da Guarda” que cuidasse de todas as criancinhas.

Penso na minha fé de hoje, no convívio com os irmãos da Igreja, no meu ministério como pastora Metodista. Penso no meu compromisso com Jesus e em como Ele disse: “Deixai vir a mim as criancinhas, porque das tais é o Reino dos Céus.”

Vendo o vulto do garoto finalmente desaparecer, volto meus olhos para o alto e a vergonha por ser tão impotente me atinge como uma bofetada...

Elevo a Deus uma oração por aquele menino e por todas as crianças carentes do nosso Brasil que deveriam àquela hora da manhã, estar no aconchego de seus lares, cercadas de amor e pão.

E à noite, sei que vou sonhar com uns dentinhos claros (como podem ser tão alvos se não recebem cuidados?) brilhando num céu tão escuro e denso como os olhos do menino...

Terezinha de Lisieux
Igreja Metodista em São Gabriel
BH - MG
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Tentei escrever um texto alegre e festivo sobre o dia das crianças. Não consegui...
Porque não posso me alegrar e festejar diante do que vejo, diariamente, à minha volta. Não me posso calar diante da miséria, da fome, do desemprego, da desesperança, do desamparo, do descaso, do desamor.

Não me posso calar, em sendo cristã, diante de tantos valores deturpados, de tanta ganância, da total inversão da pregação bíblica. Não me posso calar diante do Cristo crucificado (por nós!) que me grita nos rostos de tantas crianças abandonadas, de tantos velhos desprezados, de tantos miseráveis, de tantos excluídos.

Não posso, pois, celebrar coisa alguma, quando o Cristo vivo, símbolo de vitória sobre a opressão e de esperança de vida abundante, não se faz presente na vida do meu irmão, embora faça toda a diferença no meu coração.

Não posso celebrar nada quando o meu irmão continua escravo da miséria e nós todos somos coniventes com isto... Indiferentemente, comemos o nosso pão, enquanto crianças reviram latas de lixo.

Que Cristo, pois, me perdoe... que perdoe a nós todos. E hoje, embora O saiba vivo, embora O tenha como Senhor e Rei, não celebrarei. Vou recolher-me ao meu quarto e chorar... e, tenho certeza, Ele chorará comigo.

Lisieux