21 novembro, 2006

Deus na linguagem dos urubus

Extrato do sugestivo texto de Rubem Alves:
"Os passaros e os urubus - uma parábola ecumênica"

"(...) Aconteceu, entretanto, que uma raposa trocista, ao passear pela mata, viu um pássaro negro assentado sobre um galho e resolveu provocar a sua vaidade.

- Bom dia senhor Urubu. Que lindas são as suas penas, tão negras! Confesso não haver visto outro pássaro que pudesse se comparar ao senhor em beleza. Se a beleza do seu canto se compara à beleza de suas penas o senhor é a Fênix dessas florestas, a revelação plena da beleza divina. Imagino que Deus diz aos seus ouvidos coisas que ele não diz aos ouvidos dos outros pássaros! Se Deus desejar falar aos mortais em linguagem de pássaro, estou certo de que o senhor será o seu porta-voz!

O Urubu ficou encantado ao ouvir as palavras da raposa. E acreditou. Os vaidosos sempre acreditam nas palavras dos aduladores.

- É isso mesmo, o Urubu falou consigo mesmo. Cada pássaro tem um pedacinho de Deus. Só um pedacinho. Mas eu, Urubu, tenho a plenitude da beleza divina. Assim sendo, por que perder o meu tempo ouvindo o canto do sabiá, o canto do pintassilgo, o canto do canário?... O canto deles é uma nota solta. O meu canto é a sinfonia inteira! E é até perigoso que eles fiquem por aí, cantando livres pelas matas e jardins. Porque pode ser que um ouvinte tolo fique gostando do seu canto e assim, por amor à beleza pequena de uma nota, perca a beleza plena da sinfonia. É preciso que se saiba que o canto de todos os pássaros conduz ao meu canto! Para a glória de Deus!

E foi assim que os Urubus começaram uma operação de guerra contra os outros pássaros, sob a alegação de que o seu canto desviava os demais bichos do pleno conhecimento da beleza divina. Espalhou-se pela floresta a palavra de ordem: Todos os pássaros devem cessar o seu canto. Todos os pássaros devem cantar como os urubus. Fora do canto dos Urubus não há salvação!
A passarinhada morreu de rir. Sabiás, pintassilgos e canários comentavam: Os Urubus devem ter enlouquecido... E nem ligaram. Continuaram a cantar como Deus havia ordenado que cantassem.

Os Urubus, enfurecidos com a arrogância e presunção dos pássaros que não reconheciam a sua superioridade, reuniram-se em concílio e tomaram uma decisão: Se não cantam como nós, porta-vozes Deus, cantam contra nós, cantam contra Deus. E quem canta contra Deus não tem o direito de cantar.

Mas que passarinho pode parar de cantar o seu canto? O pedacinho de Deus que mora em cada um não descansa. Quer cantar! E eles continuaram a cantar.

Os Urubus se puseram a campo em defesa da beleza divina e de sua própria beleza. Começaram a perseguir os pássaros que se atreviam a cantar o canto que Deus lhes ensinara. Era a única forma de faze-los calar. Alguns pássaros se calaram por medo de serem expulsos da floresta a bicadas. Foram então colocados num regime chamado de silêncio obsequioso pelos urubus. Ninguém entendeu o que silencio obsequioso queria dizer. Mas ninguém discutiu. Com Urubu não se discute. Silêncio, os pássaros sabiam o que era. Mas “obsequioso” eles não entendiam. Segundo o dicionário obséquio quer dizer benefício, benevolência. Que benefício ou benevolência existe em obrigar um pássaro a cessar o canto que Deus lhe deu? Ou será que o tal obsequioso vem de obséquias, que quer dizer funeral? É possível. O fato é que muitos dos que insistiram em cantar o seu próprio canto foram entregues à raposa que, como se sabe, adora a carne tenra das aves...

O resultado foi que os pássaros de muitas cores e de muitos cantos fugiram daquela floresta sinistra. Foram em busca de outras florestas onde não houvesse Urubus e onde pudessem cantar todos os seus cantos, ao mesmo tempo, e diferentes, para que assim se ouvisse a Grande Sinfonia.

Quanto aos Urubus, ficaram sozinhos na sua floresta. Os bichos que moravam lá se mudaram, porque não agüentavam mais ouvir todo dia o mesmo canto monótono, sempre igual. sem variações, sem contraponto, sem improvisações. Quanto a Deus não é preciso dizer que floresta Ele ou Ela passou a freqüentar..."

Enviado por:
Derval Dasílio - Pastor da IPU
derwal@intervip.com.br

1 Comments:

At novembro 22, 2006, Blogger marianewnum said...

Qualquer semelhança com as igrejas será mera concidência?

 

Postar um comentário

<< Home