15 novembro, 2006

O Altar é de Pedra (Gênesis 12.8)

Introdução

Encerrado o conclave máximo de nossa Igreja, inicia-se um novo período eclesiástico, onde os desafios missionários e proféticos são ainda mais intensos. Enquanto membros da Igreja temos a responsabilidade de atendê-los sem, no entanto, perder nossa identidade, nossa confessionalidade, nossa eclesiologia, nossas convicções wesleyanas, nossa condição de servos e nosso jeito de ser povo de Deus com o coração aquecido. Neste sentido, as figuras da tenda e do altar, usadas na tradição bíblica, são motivadoras.

Há alguns anos, li um texto em que o autor comentava a vida de Abraão e destacava a figura da tenda e do altar. (MACKINTOSH, C.H. Estudos sobre o livro de Gênesis. Lisboa, Depósito de Literatura Cristã, 1977). Estas imagens têm voltado ao meu pensamento nestes últimos tempos, levando-me a refletir sobre o tema. Assim, na presente reflexão abordaremos o tema da tenda que se repete em outros textos da Bíblia, bem como o do altar, que deve estar sempre presente na vida do cristão.

A casa de Abraão (Gn 12.8)

Em Gênesis 12 está o relato da vocação de Abraão. Ao sair da sua terra e parentela, foi até Betel e lá armou a sua tenda (Gn 12.8), bem como edificou um altar ao Senhor (Gn 12.8). Anos mais tarde, após o episódio da mentira que contou a Faraó (Gn 13.3-4), ele voltou ao mesmo lugar que edificara um altar. Após separar-se de Ló, Abraão foi até Manre e lá armou a sua tenda e construiu outro altar. O que estas duas figuras nos ensinam? Ensinam que a casa de Abraão era temporária e estava sempre disponível para ir e vir, segundo a orientação divina. Já o altar que testemunhava a revelação de Deus era permanente. Abraão estava sempre de passagem, mas o altar permanecia como testemunho eterno do Deus de Abraão.

É importante destacar a figura da casa de lona. Esta casa de lona ou tenda foi a habitação dos povos nômades e semi-nômades, entre eles o povo hebreu durante o período dos patriarcas (Gn 12.8; 13.3; 25.26). Durante as peregrinações pelo deserto, o povo de Israel também usou tendas (Nm 19.14). Quando o povo já vivia de forma sedentária na Terra Prometida, a tenda continuou a ser usada pelos pastores (Is 38.12) e pelos exércitos (II Rs 7.7-8; Jr 37.10). A tenda era “uma estrutura desmontável feita de pano ou peles, sustentada por varas e freqüentemente firmada por cordas esticadas das varas para estacas fixadas no chão ao redor”. (DOUGLASS, J.D. (org.). O Novo Dicionário da Bíblia. São Paulo, Vida Nova, v. III, 1981, p. 1579). Era um instrumento extremamente necessário ao povo que peregrinava de um lugar para outro. Embora apresentasse certo conforto, dependendo da condição social e política da pessoa ou clã, era um instrumento frágil e de certa durabilidade.

Para o povo israelita, este período das casas de lona foi tão marcante que anualmente se realizava a Festa dos Tabernáculos (Ne 8.14-17), em cuja ocasião o povo habitava em tendas durante sete dias, com o intuito de relembrar a peregrinação do Egito para Canaã. As tendas usadas pelo povo de Deus durante a peregrinação pelos desertos, montes e vales, eram abrigos rudes e temporários, feito de ramos trançados. Assim, as tribos de Israel estavam sempre disponíveis para armar e desarmar a tenda.

Mas o altar era de pedra. O testemunho do povo de Deus era permanente. A revelação de Deus era eterna. O altar era um símbolo edificado com pedra para ficar como sinal da benção de Deus para toda a posteridade.

A tenda dos discípulos (Mt 17.1-8)

Às vezes o povo de Deus é tentado a valorizar a casa de lona em detrimento do altar de pedra, em outras palavras, construir a casa de pedra e o altar de lona. Tentação semelhante enfrentaram os discípulos Pedro, Tiago e João, por ocasião da transfiguração de Jesus (Mt 17.1-8). A transfiguração é um sinal da messianidade de Jesus que cumpre com o Plano de Deus e um momento de conforto que o pai dá ao filho que vai morrer. É uma ocasião repleta de significados.

Os discípulos querem construir uma casa de lona, quando era o momento de construir um altar, pois Deus estava revelando sua glória e seu desígnio. Pedro, que propõe construir as tendas, quer na verdade garantir que Jesus vai cumprir sua missão seguindo a linha do poder e da força, segundo as categorias humanas. Ele queria perpetuar a presença de Deus naquele lugar, sendo que a revelação divina deveria descer do monte para chegar a todos os lugares.

A tentação de valorizar a casa em detrimento do altar ocorre quando o cristão perde a perspectiva da sua transitoriedade, fragilidade e precariedade humana, ao invés de buscar sempre a graça e suficiência de Deus.

A tenda dos apóstolos (II Co 5.1-5)

O apóstolo Paulo menciona a casa terrestre ao referir-se ao tabernáculo, ou seja, a casa de lona (5.1). A palavra traduzida por tabernáculo tem o sentido de tenda, barraca. Paulo usa uma figura comum e passageira para se referir à vida dos cristãos. A tenda não tinha tanta durabilidade e precisava ser substituída seguidamente. Quer mostrar que a glória não está na “tenda” mas no altar de Deus, ou naquilo que Deus pode fazer com uma “casa de lona”.

Com esta figura, o apóstolo quer dizer que o cristão deve estar sempre disposto e preparado para atender ao chamado de Deus e ao envio missionário. Nada há que prenda esta “casa de lona” de servir ao Senhor. O único revestimento permanente na vida do cristão é o fruto do Espírito Santo. O apóstolo Paulo aprendeu e ensinou a Igreja que sendo o cristão passageiro e frágil, tem o penhor do Espírito de Deus (II Co 5.5).

As tribulações que Paulo enfrentou (II Co 4.7-11, 11.24-30, 6.4-5 e 12.7-10; Rm 8.35, I Co 4.9-13) são evidências desta fragilidade e do poder de Deus que se aperfeiçoa na fraqueza do instrumento usado (II Co 12.9). As tribulações servem para ensinar ao servo de Deus a sua fragilidade e a necessidade de confiar em Deus. Os apóstolos aprenderam a mesma lição: a casa é de lona, mas o altar é de pedra. O apóstolo Paulo diz o seguinte sobre a perspectiva de ser como uma tenda: “de boa vontade, pois, me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de Cristo” (II Co 12.9).

Os forasteiros (I Pe 1.1-2)

A palavra grega usada para forasteiros é paraikos e significa os sem-casa. “São pessoas que não se acham em sua própria casa ou que não possuem raízes nacionais, não comungando com a língua, costumes, cultura ou filiação política, social ou religiosa do povo em cujo meio habitam”. (ELLIOTT, John H. Um Lar para quem não tem casa. São Paulo, Paulinas, 1985, p. 28).

Estes forasteiros são os cristãos que se espalharam por causa das perseguições e viviam em terras estranhas como eleitos de Deus e santificados no Espírito Santo (1.2). Como estrangeiros, não tinham direitos de adquirir casa ou cidadania, no entanto eram “edificados como casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo” (I Pe 2.5). Eram verdadeiros sem-casa de lona, mas “raça eleita, sacerdócio real, nação santa...” (I Pe 2.9).

Estes forasteiros em I Pedro aprenderam o valor do que Deus pode fazer com e através daqueles que são casas de lona. Aprenderam a ser despojados (I Pe 2.1). Estes eram sem-casa, mas o altar era de pedra. Não tinham casas, mas sim altares de pedras.

Igreja casa de lona

Os textos bíblicos neste estudo nos desafiam a refletir sobre nossa igreja e nossos projetos eclesiais, pois uma Igreja que professa ser missionária e ministerial é como uma casa de lona. Esta igreja está sempre disponível para ir onde Deus enviar. Faz isto de forma despojada, construindo altares de pedras para ser o testemunho de que Deus está presente e abundante com sua graça.

Uma Igreja que professa ser missionária e ministerial tem o desafio de preparar sua membresia para ser serviçal e ter esta perspectiva da fragilidade e transitoriedade de um instrumento que é perecível e sem glória alguma, mas que está sempre pronto para servir ao Senhor no tempo e no lugar que Ele quer.

Uma Igreja missionária resiste à tentação de construir casas de pedras ao invés de altares de pedras, valorizando mais o testemunho, o serviço, a humildade, a dependência de Deus, a obediência e comprometimento com o Evangelho de Jesus Cristo, abrindo mão de direitos ou interesses pessoais e de grupos, para que impere o cumprimento da missão.

Uma Igreja missionária vive a plenitude da presença do Espírito Santo e não entra nos julgamentos precipitados, condicionados e estereotipados de quem tem mais ou menos quantidade do Espírito Santo, pois Deus habita integralmente a vida do cristão. Não podemos julgar quem tem mais ou menos Espírito Santo, podemos sim ver os frutos, sobretudo os frutos do arrependimento, pois somos todos pecadores, os frutos da santificação e o fruto do Espírito Santo, que é o amor, pois todos somos transformados em templos onde Deus habita.

Além disto, a mensagem bíblica do altar de pedra nos leva a refletir sobre nossas posturas enquanto membros da igreja. Há alguns que pensam que a igreja é a “casa” deles, onde deve imperar suas vontades. Outros pensam que são os únicos que contam com a benção de Deus e se acham no direito de julgar aqueles que, assumidamente, são como os apóstolos, casas de lona. Há outros que tentam construir casas de pedras, verdadeiras catedrais, mas não observam que o altar está revelando precariedade na vida cristã e no testemunho.

Abraão “armou a sua tenda” e “edificou um altar de pedra” (Gn 12.8). Esta mensagem nos convida à humildade, ao quebrantamento, à vigilância e nos questiona: a nossa casa é de lona? O nosso altar é de pedra? Que os frutos nos ajudem a responder estas indagações.

Bispo Josué Adam Lazier