11 dezembro, 2006

Intrometendo-me em um diálogo entre amigos

Caros irmãos,

Envaidecido pela lembrança dos irmãos de me enviar algo desses assuntos que vêm sendo discutidos, a respeito da decisão do Concílio Geral, felicito Reverendo José Carlos pela sabedoria de encontrar valor em algum ponto de todo o trabalho conciliar, que nos permita encontrar um ponto de partida ou um raio de luz que possa resgatar a Igreja Metodista brasileira do retrocesso à Idade das Trevas, a meio tempo entre Santo Agostinho e São Thomas de Aquino, isto é, uma posição que ainda demorará séculos para ser restaurada.

Não estive no Concílio, mas, quando li que a discussão desse ponto sobre ecumenismo consumiu um dia inteiro e entrou pela madrugada, quase sonhei com metodistas ilustres, desses que realmente fizeram algo pela construção do que temos hoje, levantar de suas tumbas em sinal de protesto, vergonha e desejo de alertar o Concílio sobre decisão totalmente equivocada, por insustentável intelectualmente no tempo e no espaço.

Fosse essa uma posição dirigida a um futuro promissor,já a teríamos identificado em países mais adiantados do que o nosso em todos os campos, harmonicamente, mas não é o que ocorreu nem o que ocorre. O exacerbamento de posições religiosas sectárias, fundamentalistas, separatistas, segregacionistas e preconceituosas, pecaminosas, portanto, é mais comum em terras onde militam religiosos mais atrasados, desses que misturam religião com estado, ou, muito pior, com a ideologia de grupos que manifestam conceitos exigentes de obediência cega, na visão mais obscura da ideologia. Infelizmente observo que a militância pentecostal não sobrevive fora desse esquema retrocedente. Já faz mais de vinte anos que tenho observado dentro de nossa Igreja o crescimento desse jeito de ser crente para o qual o irmão não engajado nesses arremedos de autoritarismo baseado em manias de pessoas ou grupos passa a ser irmão de segunda classe, sendo que eu mesmo, com 57 anos de metodismo e, mais importante, de Escola Dominical, já fui vítima desses infelizes. Por causa dessa tendência já tive de encontrar meios alternativos para manter conversa com pessoas de meu relacionamento na Igreja, o que me proporcionou grande desconforto.

A infelicidade dessa tendência, que está na raiz dos últimos acontecimentos do Concílio, reside na própria característica bélica e destrutiva, bem distante da harmonia que muitos anos de Escola Dominical nos ensinam. Vale a pensa dar uma olhada em "O Medo à Liberdade", de Erik Fromm, para que entendamos o que ocorre com os participantes dessa tendência de retrocesso. Ali, o grande autor, estudando principalmente o povo alemão, procura resposta para a tendência eventual de pessoas que, sendo livres, acabam por abraçar quistos sociais ideologicamente comprometidos numa caminhada errática e suicida em direção ao atraso. É o que observo nesse grupo de sessenta por cento que fez o Concílio Geral oficializer essa insensatez. O Evangelho é sal e luz, em liberdade, como a que Cristo garantiu para os judeus arcaicos de seu tempo, justamente os religiosos, que não se converteram. O Evangelho nada tem a ver com veneno a ser aplicado a quem pensa de forma diferente de nós nem com a espada restritiva de liberdade, mormente para utilização exatamente contra os que mais prezam e mais defendem essa liberdade, inclusive para os grupos preconceituosos, que não se vexam nem de conspurcar a identidade e a unidade da Igreja que os abriga.

Quanto aos detalhes (e provavelmente muita coisa inútil) que foram discutidos no Concílio e que redundaram nesse arremedo de cartilha de John Smith ou do Califa Omar, não podemos perder nosso tempo a examiná-los. O tempo que passa e a cultura secular que chega certamente farão com que tudo caia no esquecimento e seja reduzido a pó. Alguns anos de Escola Dominical poderiam fazer bem a essa militância feroz dos sessenta por cento. Se são maioria num Concílio Geral da Igreja Metodista, o que podemos fazer além de recomendar visão de abrangência para examinar o que ocorreu em outros lugares, ao mesmo tempo que enfatizar o estudo da nossa literatura, reconhecidamente de alta qualidade? Se nossos irmãos estão, além disto, falhando exatamente no item "amor ao próximo", precisamos mesmo, como bem lembrou Reverendo José Carlos, encontrar um ponto de partida e reiniciar o processo de educação religiosa, social e secular de nosso povo.

Do meu ponto de vista pessoal, na minha prática de leigo, continuo da mesma forma. Amanhã trabalharei com vários católicos e não preciso ser hipócrita. Eu me divertiria muito ouvindo uma conversa entre um dos "sessenta por cento" e alguns dos meus amigos católicos. Só que, espertamente, jamais direi a eles o que foi decidido em nosso Concílio, pois é algo que me deixa envergonhado. Como católicos práticos, não dariam nenhum valor a isto. Tenho uma filha e uma sobrinha. Minha sobrinha casou numa cerimônia ecumênica este ano, em Juiz de Fora, Minas Gerais. Minha filha está noiva de um católico. Se ele não quiser casar na Igreja Metodista, minha decisão está tomada: o casamento será realizado na Igreja Católica, sem problema algum. Afinal, no Brasil, o Estado é separado da Igreja e o que vale mesmo é o casamento civil. E vamos em frente pois o "show" tem de continuar.

Um abraço a todos!

Isaias Laval
Metodista em Água Fria - São Paulo - SP