15 março, 2007

O que está por trás da condenação de Jon Sobrino?

Por Jung Mo Sung *

Nos últimos dias circularam em alguns jornais e pela internet a informação, depois confirmada por diversas autoridades eclesiásticas, de que o teólogo Jon Sobrino tinha sido "suspenso" - isto é, proibido de dar aulas nos seminários, dar palestras, publicar textos, etc. - por causa de algumas posições teológicas apresentadas nos seus últimos livros de cristologia. Esta notícia pegou muita gente de surpresa, pois estamos quase à véspera da V Conferência do Celam e poucos esperavam que o Vaticano tomasse, neste momento, uma atitude dessa contra um dos principais e influentes teólogos da América Latina. (Isto pode ser um sinal de como poderá ser o desenrolar da V Celam).

A Congregação para a Doutrina da Fé publicou hoje, 14 de março de 2007, a "Notificação sobre a obra do Pe. Jon Sobrino" com a intenção de "chamar a atenção para certas proposições que não são conforme à doutrina da Igreja". O que me chamou atenção, à primeira vista, neste documento foi a recorrência de expressões do tipo: "apesar de o Autor afirmar que.... nem sempre se presta a devida atenção...", "o Autor evidentemente não a nega, mas não a afirma com a devida clareza..."; "É verdade que o Autor afirma .... [mas] não se explica corretamente...".
Isto revela que, se há problemas doutrinários nos textos de Sobrino, estes não são tão graves a ponto de justificar esta sanção. Se fossem, outros teólogos de todos os continentes também deveriam estar nesta lista, pois nenhuma obra teológica consegue ser tão completa e tão "ortodoxa" que não lhe possa ser imputada a crítica que "falta explicitar mais claramente..." ou "não afirma com devida clareza e força...". A única forma de não cair neste problema seria reproduzir simplesmente as conclusões dos grandes concílios, e também dos menores (para evitar qualquer problema) e os documentos da Igreja que tratam das questões dogmáticas e o próprio Catecismo da Igreja Católica (que foi citado na Notificação como um argumento de autoridade para criticar Sobrino). Isto é, não produzir teologia para não correr estes riscos.

Este raciocínio, se levado ao extremo, conduz a uma conclusão meio absurda de proibir ou evitar a publicação de qualquer obra de teologia. O que mostra que a questão central não é esta. Eu penso que a verdadeira razão aparece na Nota Explicativa à Notificação, que foi publicada junto com a Notificação. A Nota diz, no início, que: "A preocupação com os mais simples e mais pobres foi, desde o início, um dos traços característicos da missão da Igreja". Assim afirma que não há diferença fundamental entre a posição da Congregação para a Doutrina da Fé e a de Sobrino e dos setores da Igreja Católica que defendem a opção pelos pobres. Mas, o problema estaria na compreensão do que significa esta "preocupação com os mais pobres". Para a Congregação, "a primeira pobreza dos pobres é não conhecer Cristo" e, por isso, a primeira e a principal missão da Igreja em relação aos pobres é lhes apresentar o verdadeiro Cristo, aquele que foi a figura principal no "no plano divino de salvação pela entrega à morte do "Servo, o Justo’ (Notificação, n. 10).

Para a Congregação, o problema primeiro do pobre não é a fome e todas outras condições infra-humanas que decorrem da pobreza em uma sociedade capitalista, mas é o não conhecer a Cristo e de não saber que ele foi enviado pelo Deus para sofrer e morrer na cruz para nos salvar da condenação que o próprio Deus nos daria. Com isto, não haveria diferença fundamental entre o pobre e o rico que não conhecem o verdadeiro Cristo apresentado pela Igreja Católica. É por isso que a Nota Explicativa afirma que não se pode expressar a opção pelos pobres em termos sociológicos.

O verdadeiro problema que a obra de Sobrino suscita não é o fato de ele não ter explicitado com devida ênfase a divindade de Cristo, mas ter assumido que o problema primeiro e primário do pobre é a fome, a morte antes do tempo. O que parece ser muito óbvio para quase toda a sociedade, afinal a pobreza é uma questão econômica e social.

Mas, porque a Congregação da Doutrina da Fé e o próprio Vaticano têm tanta dificuldade em ver que o sentido da palavra pobre é aquele que passa fome e não aquele que ainda não conheceu Cristo?
Eu quero levantar uma hipótese. Se assumimos a visão de que a pobreza é uma questão de vida e morte no campo econômico e social, a Igreja Católica, a partir da sua fé, se torna uma entre outras instituições religiosas ou não que estão preocupadas com esta questão; por outro lado, se assumimos que o grande problema do pobre é que não conhece o verdadeiro Cristo, que só a Igreja Católica conhece mais plenamente, a Igreja se torna a principal instituição na grande tarefa de lutar contra a pobreza.

O que está por detrás da punição de Jon Sobrino e também de uma boa parte das disputas que ocorrerá na V Celam é a compreensão do papel da Igreja Católica no mundo e da sua relação com o Reino de Deus. Se os pobres a quem devemos estar a serviço são pobres no sentido de "tive fome e me deste de comer" (Mt 25), a Igreja deve se ver como um instrumento para anunciar e revelar a presença de Deus no mundo e do seu Reino, lutando pela superação das injustiças e opressões para construirmos uma sociedade mais humana, digna de ser chamada de humana-divina. Se a Igreja pretende criar um novo sentido à palavra pobre para se ver como a instituição mais importante no mundo, poderá escrever documentos e notificações, mas o mundo não lhe ouvirá, pois nem conseguirá entender o que ela quer dizer.
_______________

* Católico - Professor de pós-grad. em Ciências da Religião da Univ. Metodista de S. Paulo e autor de Sementes de esperança: a fé em um mundo em crise. Fonte: Adital