18 abril, 2007

Se o Grão não Morrer

Por Josué Adam Lazier*

Pensando na dimensão escatológica do povo de Deus

A mensagem da Páscoa que celebramos recentemente desperta em nós o canto da fé e da ressurreição e o encanto da vida. É que a morte, na perspectiva da Bíblia, faz nascer o novo. Assim é com o grão de trigo que para gerar vida precisa morrer: “se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, produz muito fruto” (João 12.24).

Os evangelistas viram estas duas realidades na paixão de Cristo: o morrer e o viver. No morrer de Cristo Mateus viu o véu do Templo se rasgar e percebeu terremotos (Mt 27.45-56); Marcos viu trevas e ouviu os brados de Jesus na cruz (Mc 15.33-41) e Lucas viu as trevas, o véu se rasgar e ouviu a confissão atemorizada do centurião romano (Lc 23.44-49). No viver de Cristo Mateus viu relâmpagos anunciando a ressurreição (Mt 28.1-8); Marcos observou o espanto das mulheres ante o túmulo vazio (Mc 16.1-8) e Lucas lembrou que a ressurreição de Cristo não deveria causar tanta surpresa, pois fora anunciada aos discípulos (Lc 24.1-11). Mas a vida é assim mesmo: marcada pela tensão entre a fragilidade e evidência da precariedade da vida humana (morrer) e a força gerada pela fé e pela coragem inerente na vida humana (viver). Nas palavras do salmista o choro é passageiro, pois a alegria vem pela manhã (Sl 30). Para o poeta Thiago de Mello:

Faz escuro (já nem tanto),
Vale a pena trabalhar.
Faz escuro, mas eu canto
Porque a manhã vai chegar.

Esta mensagem nos remete ao sentido escatológico do povo de Deus. Escatológico porque vivemos a tensão do morrer e do viver, do agora e do ainda não, dos finais dos tempos, mas do ainda há muito tempo, do cronos (relógio) e do kairós (tempo de Deus). É a tensão da vida que marca o povo de Deus.

É certo e reconhecido por muitos que vivemos uma exacerbação do agora, do presente, do já, do possuir, do fazer, do conquistar, enfim do cronos, do relógio que marca a hora e o dia. Isto é inegável nos dias em nossos dias, até como resultado do fenômeno religioso que temos experimentado nos últimos anos. Muitos afirmam que “agora a igreja vai crescer”, “agora os problemas estão resolvidos”, “agora estamos unidos”, “agora vamos orar juntos”, “agora as coisas mudaram”, “agora...”, “agora...”. Mas é preciso que se diga: “já, mas ainda não”, “ainda não...”, “ainda... não”, na percepção de que não vivemos o sentido escatológico como povo de Deus, ou seja, não temos vivido integralmente como povo de Deus dos últimos tempos, como se fôssemos a última geração a ser sal da terra e luz do mundo, embora não posssamos considerar isto como algo absoluto. É o agora, mas ainda não, pois é o tempo oportuno (kairós) que Deus nos oferece. É o tempo de viver a espera, é o tempo de ter esperança.

Viver a dimensão escatológica do povo de Deus é viver a integralidade de ser povo de Deus, ou seja, viver o Evangelho integral, desenvolver a santidade bíblica na sua amplitude, conformar-se com as exigências da justiça do Reino de Deus, desenvolver a espiritualidade do amor e da ternura, aceitar as renúncias que a nova vida exige. Se o grão de trigo não morrer não haverá pão e não haverá a integralidade da vida.

Assim sendo, a intolerância que marca muitos dos nossos relacionamentos não nos confere a integralidade como povo de Deus. Da mesma forma a discriminação, seja por questões raciais, morais, étnicas, ideológicas, teológicas, doutrinárias, geográficas, também ferem a integralidade do povo de Deus. Questões que passam pelas disputas de poder, que marcam os diálogos que criam estigmas ou que caracterizam comportamentos e estereótipos, são agressões cometidas contra a integralidade do povo de Deus. As práticas triunfalistas, messiânicas, que não têm em si as marcas do grão de trigo que deve morrer para viver, negam a integralidade do povo de Deus. A violência praticada pelo silêncio, pelas palavras mal ditas, pela omissão, pelo comportamento ofensivo e dissimulado, pelas palavras abusivas, pelas evasivas, pelas atitudes arrogância, pela violência verbal e física, nos impedem de vivermos a integralidade do ser povo de Deus. Quando práticas antiéticas, imorais e antievangélicas se alojam em nosso meio, negamos o que professamos e deixamos de ser sal e luz

Talvez seja um sonho desejar viver a integralidade do ser povo de Deus. Talvez eu seja um sonhador ao quere ver o povo de Deus vivendo a dimensão escatológica da fé e da missão. Mas eu quero sonhar e enquanto isto ouvir os sussurros de Deus e desejar...

Desejos

Ricardo Gondim

Desejo conquistar a mim mesmo para não sonhar os sonhos do enlouquecido

Desejo aceitar as feridas de quem ama para quebrar o feitiço do adulador.

Desejo a quietude do sábio para desprezar a festa do farsesco.

Desejo sentar com o humilde para desdenhar a sedução do rei.Desejo ser filho amado de Deus para não tentar ser dono do sobrenatural.

Desejo viver contente para não me enamorar da riqueza.

Desejo vestir-me de bondade para nunca valer-me da vingança. Desejo a sombra dos simples para não me conduzir pelo sol do soberbo.

Desejo esquecer sonhos infantis para viver com a grandeza da criança. A vida é bonita e os anos tão ariscos.

Tenho tantos desejos e tão pouco tempo para cumpri-los. Como nunca deixarei de almejar, quero só desejar certo.

Que sejamos despertados para o sonho, para o canto, para o encanto da vida e para o “já, mas ainda não”.

É isto o que eu desejo e em cuja perspectiva tenho esperança de estar cumprindo com o meu ministério.
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* Bispo Josué Adam Lazier é Bispo Emérito da Igreja Metodista no Brasil