Igreja Metodista: para onde iremos?
Por: Anivaldo Padilha (*)
Diante da decisão do Concílio Geral da Igreja Metodista, e respondendo a todos e todas que me escreveram, decidi colocar no papel algumas preocupações e compartilhá-las com a Igreja em geral. Espero que este texto seja recebido como um convite ao diálogo amplo, não somente entre eu e os possíveis leitores, mas entre todos e todas metodistas de boa vontade. Por isso estou aberto a possíveis críticas e espero que meus irmãs e irmãos acrescentem sua preocupações e suas opiniões.
Foi com muita tristeza que tomei conhecimento da decisão do Concílio Geral de retirar a nossa igreja de todas as instituições das quais a Igreja Católica Romana participa oficialmente. Essa decisão, para mim, levanta alguns pontos importantes que quero compartilhar com todos e todas metodistas.
A decisão mostra que há uma grande confusão teológica sobre a natureza da Igreja de Cristo. Muitos pastores e algumas lideranças leigas não percebem que a Igreja ou é ecumênica ou deixa de ser igreja. A unidade do Corpo de Cristo é um dom do Espírito e a busca da unidade visível da Igreja é um sinal de fidelidade à vontade de Jesus claramente expressa em sua oração sacerdotal (Jo. 17). Isso é indiscutível. O que podemos e devemos sempre discutir é qual deve ser a política ecumênica da nossa igreja. E essa discussão não tem ocorrido de forma consistente, transparente, e em função da Missão. Nem mesmo a Carta Pastoral sobre Ecumenismo, do Colégio Episcopal, foi discutida nas regiões e igrejas locais. As exceções simplesmente confirmam a regra.
A eclesiologia Protestante, a qual o metodismo subscreve, afirma que a Igreja Corpo de Cristo não se esgota em nenhuma instituição-igreja, ou seja, nenhuma delas pode se considerar a única e verdadeira Igreja. Tampouco pode afirmar que as outras ou outra não é uma igreja de verdade porque diverge em alguns princípios teológicos. Essa é uma das grandes divergências que temos com a Igreja Católica Romana. No entanto, apesar de todas as áreas em que divergimos, e são muitas, o diálogo e colaboração entre católicos e protestantes têm sido importantes para a superação de preconceitos mútuos, para desenvolvermos a capacidade de separar contingências históricas, identificar claramente nossos pontos em comum e também nossas divergências. É verdade que isso tem acontecido somente de forma pontual e ainda não permeia a agenda ecumênica da forma que muitos de nós gostaríamos.
Dialogar e manter relações fraternas não significa suprimir nossos princípios. Esta tem sido a experiência de muitos metodistas que participam do movimento ecumênico e também a minha experiência pessoal. Participo do movimento ecumênico há quase cinqüenta anos e em nenhum momento abdiquei da minha herança protestante, muito menos da minha identidade metodista. Ao contrário, quanto mais me envolvi no movimento ecumênico, mais me vi forçado a ter mais clareza da minha fé e da minha identidade metodista. Ao mesmo tempo, a colaboração entre igrejas evangélicas e a igreja católica no Brasil, especialmente no CONIC e na CESE, tem contribuído para o exercício conjunto da ação profética e de serviço (diaconia) ao povo, incluindo a defesa dos Direitos dos pobres e na construção de uma sociedade democrática em nosso país.
Creio que se os conciliares tivessem esta compreensão sobre o ecumenismo, a decisão do concílio teria sido outra. Então, temos que perguntar sobre o porquê da confusão.
Quero levantar algumas hipóteses.
1. A decisão indica que há certa precariedade na formação ecumênica de muitos dos nossos pastores e pastoras. Isso não se deve à falta de excelência acadêmica da Faculdade de Teologia. Na minha opinião, isso deve ser debitado ao contexto geral da sociedade brasileira e do campo evangélico em particular, que fomenta a intolerância e prioriza a conquista de espaço no mercado religioso em detrimento da formação de comunidades de fé.
2. A formação ecumênica inadequada de pastores e pastoras tem seus reflexos na formação dos leigos. Se pastores e pastoras não têm formação adequada, como podem formar lideranças leigas realmente preparadas para viver, conviver e dar testemunho numa sociedade que é plural em todos os sentidos? Uma das conseqüências dessa falta de preparação é que, como não estão preparadas para viver e entender o presente, sentem medo do futuro e se agarram ao passado em busca de segurança. Um exemplo é a busca e a prática de uma espiritualidade desencarnada que indica o caminho da fuga e não o caminho da Cruz. Espiritualidade esta que está longe da tradição metodista da prática de atos de piedade e de atos de misericórdia, ou seja, uma espiritualidade que nos fortalece comunitariamente na nossa relação com Deus e nos impele a participar das dores cotidianas do nosso próximo por meio do amor, do respeito e do serviço.
3. Essa formação inadequada também levou alguns metodistas a participar do movimento ecumênico de forma a-crítica e a se envolverem em práticas discutíveis como, por exemplo, celebrações litúrgicas de apropriação indébita de símbolos de religiões indígenas ou afro-brasileiras, chamando isso de macro-ecumenismo. Outros reduzem o ecumenismo aos aspectos institucionais e celebrativos. Para outros, basta participar de um culto ecumênico ou ser amigo de um padre ou bispo católicos para se considerarem ecumênicos. Outros, ainda, reduziram o ecumenismo ao ativismo social. Poucos procuraram entender o ecumenismo como um movimento do Espírito que promove em nós a conversão e a renovação e que abre nossas mentes e corações para ver e sentir não só a nossa condição de pecadores, mas, também, o pecado e limitações que existem nas igrejas-instituição que criamos.
Em muitos casos, a prática ecumênca serviu somente para afirmar os pontos de concordância (geralmente frente aos problemas sociais) e em geral negligenciar a reflexão e o diálogo em torno de questões conflitivas. Nesse sentido, a Igreja Romana tem sido mais coerente ao, periodicamente, reafirmar suas posições do que as igrejas protestantes. Os documentos papais “Dominus Yesus” e “Ecclesia de Eucaristia” são bons exemplos dessa postura. Creio que algumas dessas práticas projetaram imagens fragmentadas do ecumenismo. Imagens que, ao penetrarem em olhos cuja visão do ecumenismo é também fragmentada, imediatamente se tornaram distorcidas e reforçadas pelo pré-conceito.
4. Esses problemas não seriam tão difíceis de serem superados caso houvesse vontade genuína de se refletir e dialogar sobre eles. Tenho certeza de que se o problema principal fosse "apenas" a questão ecumênica, os grupos divergentes poderiam se reunir em torno da Bíblia e, em oração e comunhão com Deus e uns com os outros, chegariam a conclusões provavelmente não antagônicas e que contribuiriam para reconhecer a relatividade de suas verdades diante da Verdade, afirmar a diversidade como um don de Deus e fortalecer a unidade da nossa igreja.
Entretanto, reconheço com tristeza que, na conjuntura atual da nossa igreja, o problema principal não é o ecumenismo. O tema "ecumenismo" foi e provavelmente continuará a ser usado como arma na luta pelo poder. As discussões sobre ecumenismo em nossa igreja nos últimos tempos têm demonstrado isso e as discussões no concílio e decisão final foram mais um passo nesse processo.
5. Creio que o mais significativo da decisão do concilio não foi a aprovação da proposta, mas os números da votação: 60% X 40%. Em situações normais de exercício democrático, esses números não teriam maiores conseqüências. Entretanto, o contexto que antecedeu ao Concílio e o espírito que caracterizou as discussões são indícios fortes de polarização irracional e de esgarçamento dos laços de fraternidade que devem caracterizar as relações entre irmãs e irmãos em Cristo. Esses números mostram uma igreja profundamente dividida.
É uma contradição. O ecumenismo, que tem como um de seus princípios a busca da unidade visível da Igreja, torna-se fator de conflito e de divisão. Divisão esta que se aprofundará caso o novo Colégio Episcopal não compreenda o momento que vivemos. Ao Colégio Episcopal caberá a responsabilidade de dar o testemunho de que é possível e saudável divergir desde que as diferenças sejam tratadas com transparência, respeito, ética, lealdade, amor e integridade. Creio que só assim os bispos poderão, com autoridade, ajudar a igreja a refletir criticamente sobre suas práticas docente, pastoral e missionária.
A grande pergunta que fica é: será possível entrarmos num período de contrição, de arrependimento e de perdão, sarar as feridas e promover a reconciliação?
Tenho esperança e minhas orações são nessa direção. No entanto, para que isso aconteça é necessário que todos se engajem num diálogo que possa superar a soberba, a prepotência, o orgulho ferido e outras debilidades humanas, e se deixem levar pelo Espírito.
Anivaldo Padilha
Leigo, 3ª Região Eclesiástica
apadilha@distopia.com
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