30 agosto, 2006

GRAÇA PERTURBADORA

Por Derrel Santee

Deus viu o que eles fizeram e como abandonaram os seus maus caminhos. Então mudou de idéia e não castigou a cidade como tinha dito que faria. Por causa disso Jonas, ficou com raiva e muito aborrecido. Então orou assim: -Ó Deus Eterno, eu não disse, antes de deixar a minha terra, que era isso mesmo que ias fazer? Foi por isso que fiz tudo para fugir para a Espanha! Eu sabia que és Deus que tem compaixão e misericórdia. Sabia que és sempre paciente e bondoso e que estás sempre pronto a mudar de idéia e não castigar. Agora, ó Deus Eterno, acaba com a minha vida porque para mim é melhor morrer do que viver.(Jonas 3.10-4.3) Bíblia na Linguagem de Hoje.

Jonas avisou o povo de Nínive que Deus ia destruir a cidade dentro de quarenta dias por causa de seus pecados. Ele ficou na expectativa de ver o espetáculo de uma grande destruição. Para a grande decepção de Jonas, o povo se arrependeu e a cidade foi poupada. Jonas ficou com raiva e se sentiu traído por Deus.

No seu íntimo, Jonas odiava os Ninivitas e queria ver a sua destruição. A salvação da cidade lhe deu grande desgosto. Seu ódio e raiva eram tantos que queria morrer. Morrer seria melhor do que ver os inimigos poupados. Para ele, a graça divina era perturbadora.

Rimos de Jonas por causa de sua reação infantil. Pode ser que os nossos risos sirvam para disfarçar atitudes semelhantes que existem dentro de nós. Somos herdeiros de Jonas em muitos aspectos. Semelhantes a Jonas, os cristãos, judeus e muçulmanos acham que o Deus único e verdadeiro está exclusivamente ao seu lado e contra os demais. Têm dificuldade em admitir a atuação da graça divina em outras expressões da fé. Até brigam entre si em nome de Deus, Javé ou Alá. O discurso pode ser de compaixão e misericórdia, mas o sentimento é de ódio e intolerância.

Formamos as nossas comunidades exclusivistas e separadas. Os templos, sinagogas e mesquitas são redutos de grupos separados, cada um reivindicando ser seguidor do único Deus verdadeiro.

Em meados do século passado foi declarado a morte de Deus. Diante da força de ideologias políticas/econômicas e dos avanços tecnológicos, muitos acharam que a religião não teria mais lugar na história. Na virada deste século as ideologias perderam sua força e a tecnologia é tanto ameaça como esperança. Agora, ironicamente, os grandes conflitos são em nome de religião.

Deus está de volta, não para perdoar, mas para destruir. Preconceito e violência se transformaram em forma de santidade, morrer e matar, em ato de fé...

O pano de fundo da perturbação global é o egoísmo humano em relação ao espaço e distribuição de recursos disponíveis. A atitude de Jonas agrava mais a situação. O fundamentalismo religioso reforça a atitude de Jonas. O inimigo deve ser ou vencido ou destruído, não pode ser abençoado. A disputa toma o lugar de cooperação e esforço em comum para encontrar soluções.

Como Jonas, muitos cristãos têm dificuldade em reconhecer o outro como amado e aceito por Deus. Ele seria aceito somente se convertendo e se igualando a nós. Queremos “destruí-lo” pela “conversão”. Condicionamos a nossa aceitação.

A graça divina é incondicional! Por isso, é perturbadora! A atitude de Jonas cria barreiras. Não foi possível Jonas dançar com o povo no seu “carnaval de salvação”. Enquanto o povo celebrava, Jonas estava de “birra”, brigando com Deus. A alegria do povo foi para Jonas, tristeza.

Uma vez que a graça não seja para nós perturbadora, poderemos nos aproximar daqueles que, também, precisam da graça.

Eis o desafio do espírito ecumênico.

Derrel Homer Santee - Campinas, 30 de agosto de 2006