29 agosto, 2006

Alfabetização para o convívio humano

Humanidade precisa de uma segunda alfabetização para a convivência com o outro.

SÃO LEOPOLDO, 28 de agosto (ALC) – A humanidade enfrenta nesse início de milênio a quarta Guerra Mundial, de natureza bio-política, promovida pelo poder imperial, que quer controlar a vida das pessoas em todas as suas dimensões, disse o diretor do Instituto Humanitas da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), padre Inácio Neutzling, no seminário Comunicação e Cultura da Paz.

Os sistemas contemporâneos de comunicação, agregou, estão a serviço desse império desterritorializado, que recorre ao pânico para assegurar o seu poder. Outro painelista do encontro, o colombiano Luiz Inácio Sierra Gutiérrez, estudante da Pós-Graduação em Comunicação na UNISINOS, entende que a humanidade precisa ingressar numa segunda alfabetização para aprender a conviver com seus semelhantes.

Imagens de crianças mutiladas, feridas, rotas e alquebradas, de todas as raças e em diferentes cenários de guerra, mostradas sem qualquer legenda numa seqüência silenciosa, que tomou cinco minutos do evento, emocionou os participantes do encontro.

Em 1924, lembrou a professora Christa Berger, da UNISINOS, foi lançado na Alemanha o álbum “Guerra à guerra”, contendo 180 fotos do primeiro grande conflito mundial (1914-1918), que a imprensa européia não ousara publicar. O álbum começa com fotos de brinquedos, como soldadinhos de chumbo, e termina num cemitério militar.

Intelectuais da época achavam que o álbum, com aquelas fotos indescritíveis, continha um potencial de mobilização e conscientização contra a guerra. Na guerra civil espanhola, a fotografia mais uma vez serviu de suporte para clamar pela paz. Nos anos 70 do século passado, a televisão exerceu papel fundamental no combate à guerra no Vietnã.

“A humanidade tem um estoque de imagens do sofrimento humano”, disse a professora Christa Berger, que apresentou a seqüência de fotos das crianças mutiladas. “Temos uma teleintimidade com destruição e morte”, admitiu.

O holocausto, na Segunda Guerra Mundial, é o paradigma do sofrimento e inaugura a cultura da memória, ilustrou a professora. Mas mesmo com todo esse volume de imagens mostrando a dor do outro, e mesmo que o excesso da dor do outro possa ser comovente, o álbum de 1924, e todos os álbuns subseqüentes, não conseguiu acabar com a guerra.

Para tanto seria preciso construir uma outra narrativa, diferente da que deu origem à modernidade e voltada para a guerra, apontou o diretor do Instituto Humanitas. O judaísmo-cristianismo têm uma forte raiz guerreira, o Deus Onipotente, o Deus dos Exércitos, que inspirou a modernidade no seu mito fundante, frisou.

É preciso desconstruir o Deus Onipotente e “apostar todas as fichas na encarnação, no Deus que se esvaziou e se tornou frágil”, destacou padre Neutzling. A novidade do cristianismo, disse, está na mensagem do Deus amoroso, debilitado, que morre numa cruz. A paz para Jesus, emendou, é a expulsão do medo e do pânico.

Daí que a construção de uma cultura da paz passa pelo não ter medo. “Jesus reúne o que está disperso”, agregou Neutzling, destacando que Deus refaz as relações. “Uma religião amigável aceita a alteridade”, destacou.

A pergunta de Deus a Caim – onde está o teu irmão? – é a indagação dirigida às igrejas nos dias de hoje, arrolou Gutiérrez, para quem a última palavra sobre a paz reside no coração humano. As ações violentas da guerra só podem ser enfrentadas por ações conjuntas pela paz, um compromisso que igrejas e religiões devem assumir.

Terminada a seqüência de fotos das crianças mutiladas pela guerra, a professora Christa Berger perguntou à platéia, silenciada pelo baque daquelas reproduções, por que a informação e a imagem de atrocidades não se transformam em ações contra a guerra, desejando que a comunicação não se canse jamais de lutar pela paz.

As quatro guerras mundiais que a humanidade vivenciou no século passado, na avaliação de analistas, são a Primeira Grande Guerra, de 1914 a 1918, a Segunda Grande Guerra, de 1939 a 1945, a Guerra Fria, de 1945 a 1972, e agora a quarta guerra mundial, segundo o Comandante Marcos, do movimento zapatista, lembrado pelo diretor do Humanitas.

Hoje, disse padre Neutzling, “só encontramos a paz na guerra”. Ainda assim, ele mostra uma ponta de otimismo. Os movimentos sociais, disse no painel que tratou da Comunicação e da Cultura da Paz, trazem em seu bojo a resistência ao princípio ontológico da guerra.

O VIII Seminário Estadual de Comunicação reuniu, de 24 a 26 de agosto, no campus da UNISINOS, em São Leopoldo, 112 comunicadores, estudantes de Teologia e agentes de pastorais das 17 Dioceses gaúchas integradas na regional Sul III da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), promotora do evento.

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Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC)

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