25 agosto, 2006

Porque sou um Herege

Heresia: Doutrina que se opõe aos dogmas da Igreja. 2. Fam. Absurdo, contra-senso, disparate. 3. Ato ou palavra ofensiva à religião.

Estes são os significados apresentados pelo dicionário Michaelis para a palavra “heresia”. Devo fazer uma confissão, portanto: sou um herege. Muitos já me consideram como tal. No início ficava aborrecido. Não entendia muito bem o queriam dizer ao me classificarem como um “herege”. Mas com o passar do tempo, (dizem que o tempo é ótimo conselheiro e realmente o é!) fui compreendendo o porquê de tal título conferido a minha pessoa. Devo concordar: Sou um herege! E mais: me orgulho disso! Ter orgulho é um sentimento herético, segundo os “santos dogmáticos”, portanto mais uma prova de minha veia herética. Não os culpo de me classificarem dessa forma, tenho uma maneira de pensar e agir que não condiz com a realidade evangélica atual, reconheço que estou fora do perfil do evangélico brasileiro. Talvez faça parte de uma minoria que tenta, de uma forma ou de outra, ter voz em meio à multidão de evangélicos que está tomando conta do país.O teólogo e escritor Rubem Alves define a heresia da seguinte forma: “Heresia é a verdade do mais fraco”. Então, quero mesmo de maneira fraca, fazer ouvir minha voz e tentar explicar porque sou um herege.

Sou herege porque não suporto mais a crença de que o Brasil vai melhorar quando pela rampa do Planalto Central, subir um presidente evangélico. Não acredito nisto, porque tenho aprendido que religião não é sinal de caráter e compromisso com o povo. Há muito tempo nossas igrejas se calaram diante das injustiças e se voltaram para si mesmas preocupadas mais com o novo equipamento de som do que com a escalada do tráfico e da violência, mais interessadas em trazer pseudo-missionários que têm como único objetivo a auto-promoção, do que levar para o convívio da comunidade o sr. José e a d. Maria, moradores da favela, que não podem entregar dízimos regularmente. Podemos até mesmo ter um presidente evangélico, mas antes prefiro, um presidente com verdadeiro compromisso com os valores do Reino de Deus e com a vida humana, sendo este ou esta evangélico ou não.

Sou herege porque cansei de viver em um legalismo hipócrita. Classificam tantas coisas de “mundana”, mas vivem de maneira “mundana”. Esse é um termo que, aliás, abomino. Andam apregoando pelos púlpitos: “Não faça isso ou aquilo”, porém “desprezam a justiça e o amor de Deus” (Lc 11.42). A religião é usada como instrumento controlador de vidas e não promovedora da vida. Dizem que isto ou aquilo é do “diabo”, mas o coração é carregado por coisas realmente diabólicas, como inveja, falso juízo, soberba e outros mais.

Sou herege porque quero ser eu mesmo. Não quero fingir o que não sinto. Quero demonstrar tristeza quando estiver triste, quero chorar quando tiver vontade, não quero mostrar que tenho respostas para tudo, ter o direito à dúvida, ou posso resumir assim: quero ser humano. Posso abrir mão de muitas coisas, mas a partir do momento que abrir mão de minha humanidade, nada mais me resta. Os “perfeitos e certinhos” me cansam! Compartilho das palavras do poeta português Fernando Pessoa quando diz:

“Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?”

(Fernando Pessoa - Poema em Linha Reta)

Sou herege porque encontro mais consolo nos poemas de Cecília Meireles, Fernando Pessoa, na música de Chopin e Bach, do que nos livros evangélicos do tipo: “Como alcançar a salvação em dez passos”, “Como ser eternamente feliz e nunca ficar triste” ou em “louvores” do tipo “faz chover”, “resgate da noiva”, “estou apaixonado”, coisas estranhas e sem sentido. Minha heresia está em encontrar a poesia onde outros vêm abominação, encontrar Deus em meio a beleza e fragilidade humana ao invés dos êxtases e barulhos, na espera sempre de uma manifestação sobrenatural. Sou herege por acreditar que a Vida é mais valiosa para Deus do que dogmas, doutrinas e instituição. Sou herege porque acredito que Jesus, mais do que o caminho e a verdade é a manifestação do Amor Infinito.

Não sou dono da verdade, tenho a liberdade para não ser. Mas tenho encontrado Deus de uma forma que jamais imaginaria: na vida cotidiana, nas minhas “heresias”. Não reclamo, nem lamento... apenas vivo aquilo que acredito. Como já disse não sei se estou certo ou errado, mas de uma coisa tenho certeza: Levo minhas heresias a sério!

Antonio Carlos Soares dos Santos.
Pastor na Igreja Metodista de Vargem Alta e Valão do Barro, RJ.