“Linha de Esplendor sem Fim” tem fim melancólico
O escritor Halford E. Luccock, em livro de 1950 chamou a história da Igreja Metodista, fundada há mais de 260 anos, de “Linha de Esplendor sem Fim”. Aquela igreja, fundada por John Wesley, um presbítero da Igreja Anglicana que jamais se retirou dela, está hoje em mais de 100 países e representa uma comunidade de mais de 80 milhões de pessoas. Grandes historiadores creditam ao trabalho dos metodistas na Inglaterra, no princípio da Revolução Industrial, toda a melhoria dos padrões morais e sociais daquele país. Na América, o Movimento Metodista, tornado independente logo depois da Independência americana, cresceu muito e colaborou, com seus pregadores leigos ultrapassando as montanhas Alleghanis em sua marcha para o Oeste, para abrir igrejas e pontos de pregação, para a expansão geográfica e social dos Estados Unidos. Em pouquíssimo tempo passou a ser a mais importante denominação protestante naquele país. Presente no Brasil desde 1835, tem dado relevante contribuição à nossa pátria, além da parte religiosa propriamente dita, no estabelecimento de escolas modelo, precursoras de uma nova fase na educação brasileira. O Colégio Piracicabano que deu origem à UNIMEP, o Granbery, em Juiz de Fora, Bennett, no Rio, IPA em Porto Alegre, Isabela Hendrix, em Belo Horizonte, instituições centenárias, todos elas foram pioneiros em novas técnicas educacionais. Hoje são duas universidades, diversos centros universitários e dezenas de escolas em todo o Brasil. Na realidade, muitas vezes, antes da construção de um templo, construía-se uma escola. No Brasil e no mundo.
Na parte social, não foi menor a contribuição dos Metodistas. Na Inglaterra, no final do Século 18, o movimento lutou contra a escravatura. A última carta escrita por John, poucos dias de morrer, aos 88 anos, em 1791, foi para Daniel Wilberforce, na época um membro da Casa dos Comuns, apelando para que ele continuasse sua luta pela abolição de tão terrível mal. Menos de 20 anos depois, a escravatura foi abolida em todo o Reino Unido e o primeiro ministro que assinou a Lei foi justamente Wilberforce. O sindicalismo inglês, o pioneiro no mundo, começou dentro da Igreja Metodista. Antes dele, no entanto, os metodistas, pela ação decisiva de John Wesley, já haviam conseguido outras vitórias sociais, como redução da jornada de trabalho, que era de mais de 12 horas diárias, especialmente nas minas de carvão, em cujas bocas os pregadores metodistas faziam pregações às cinco da manhã. O sistema prisional inglês e a própria Justiça foram aperfeiçoados por influência do Povo Chamado Metodista, expressão criada por Wesley. No Brasil, sua influência não tem sido menor. Graças ao pioneiro Hugh C. Tucker, que fundou o Instituto Central do Povo, no Rio de Janeiro, e outras instituições, muitas conquistas sociais foram conseguidas. Ele introduziu o primeiro play-ground do Brasil, o primeiro centro destinado aos deficientes auditivos, o primeiro Posto de Saúde, fundou a Union Church, ajudou a fundar o Hospital dos Estrangeiros, a Associação Cristã de Moços e o Instituto Brasil Estados Unidos. Mais importante ainda, sua contribuição nas campanhas de erradicação da Febre Amarela, dirigidas por Oswaldo Cruz no governo do Prefeito Pereira Passos, foi notável. O especialista americano no combate de epidemias e endemias, que ajudou no planejamento e execução de toda a histórica campanha foi trazido por ele.
Uma outra área em que tem sido notável a atuação do Metodismo – e que é razão deste artigo – é a sua vigorosa atitude ecumênica. Nesse sentido, João Wesley, por ensaios, artigos, cartas e sermões, tem sido o precursor da atitude ecumênica. Como dizia o bispo Mack B. Stokes, em seu livro “as crenças fundamentais dos metodistas”, diz que “nós, metodistas, temos orgulho de nossa herança. E acreditamos que a melhor contribuição que podemos dar ao movimento ecumênico é levá-lo a uma profunda apreciação de nossa própria identidade. Ao mesmo tempo, desejamos, sinceramente trabalhar cooperativamente e criativamente na direção de uma maior unidade de espírito, organização e liderança entre todos os cristãos. Wesley insistia no ‘espírito católico’. Seu sermão sobre esse assunto contém algumas das melhores observações sobre a tolerância em toda a literatura cristã. O espírito ecumênico pode começar com a tolerância – no sentido total da palavra – mas vai além disso na busca da concordância e da unidade sempre que possível”.
Os metodistas estiveram sempre na frente de movimentos ecumênicos. O moderno ecumenismo começou com a Conferência de Edimburgo em 1910 e teve maior ênfase na Fundação do Conselho Mundial de Igrejas, idéia e sonho de um leigo metodista, J. R. Mott, ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 1946. Depois do Concílio Vaticano II, uma idéia do Papa João XXIII, tiveram início em 1966 os diálogos católicos-metodistas, do nosso lado pelo Concílio Mundial do Metodismo e, do lado católico, pela Secretaria para a Promoção da Unidade Cristã. Essas conversações têm sido mantidas ano após ano. O Concílio Mundial Metodista tem se reunido pessoalmente com todos os papas que vieram depois.
Toda essa preocupação metodista foi agora rompida pelo plenário do 18º Concílio Geral da Igreja Metodista, sua entidade máxima deliberativa, reunido em Aracruz, ES. Na madrugada de 14 para 15 de julho, foi aprovada, por 79 votos a favor, 50 contra e 4 abstenções, proposta para que a Igreja Metodista se retire de “órgãos ecumênicos com a presença da Igreja Católica e grupos não cristãos”. A proposta também prevê uma revisão da Pastoral sobre Ecumenismo publicada pelo Colégio Episcopal.
Como informou o site da Igreja, http://www.metodista.org.br/, ao final da votação o Bispo Emérito Nelson Luiz Campos Leite fez uso da palavra para lembrar, ao povo metodista ali representado, que Cristo é maior do que doutrinas, dogmas e instituições. “Na época de Jesus não havia instituição. Instituição é transitório”. Ele lembrou também que, "atualmente, existe um ‘paganismo evangélico’ muito mais pagão do que qualquer um que existe por aí e ninguém fala nada”.
Já de há muitos anos na Igreja Metodista de todo Brasil, especialmente no Rio de Janeiro, onde ela congrega cerca de 30% do total de membros, tem se feito notar a influência das chamadas igrejas neo-pentecostais (Universal, Internacional da Graça, Renascer, etc.) junto a alguns pastores e leigos, que já estavam introduzindo certas práticas que não fazem parte da tradição metodista mundial, baseada na visão bíblica de John Wesley e em suas ênfases na doutrina da Graça e da Santificação, que são mais parecidas com a visão católico romana do que mesmo às de outros grupos protestantes. As ênfases das igrejas neo-pentecostais estão muito mais para a chamada teologia da prosperidade, que espoliam os seus seguidores em favor de sua própria prosperidade, e de milagres que são muito prometidos e quase nunca realizados.
Com essa infeliz decisão, na qual a Igreja Metodista, abre mão de uma caminho que vem sendo sedimentado há mais de 250 anos para juntar-se a igrejas sem representatividade internacional, sem formação teológica adequada de seus pastores e que, muitas vezes, têm sido mais mencionadas no jornalismo policial (veja o caso do Mensalão onde muitos pastores e bispos neo-pentecostais estavam envolvidos, e nas compras de estações de rádio e de televisão) e nos noticiários políticos, onde candidatos estão tentando atrair, baseados nas informações que têm que, nesses rebanhos muito mal informados e formados, os pastores realmente determinam em quem votar, o que é, às vezes, uma triste realidade.
Resta aos metodistas apelar à Comissão Geral de Constituição e Justiça da Igreja para decretar a inconstitucionalidade da decisão aprovada, baseados na Constituição, cujo texto tem um quorum altíssimo para se alterar, além de um ritual que exige a participação e concordância das oito Regiões Eclesiásticas. Infelizmente, essa Comissão, o maior tribunal da Igreja Metodista no Brasil também foi eleita pelo plenário do mesmo Concílio Geral. É bem possível, no entanto, que, para prevenir, essa Comissão tenha sido eleita no mesmo sistema de aliciamento de delegados que aprovou a mudança sobre ecumenismo, elegeu dois bispos de tendências teológicas não ortodoxas, em lugar de dois bispos fiéis às doutrinas e práticas históricas, caso em que seria infrutífera a busca de uma solução no campo jurídico.
A outra solução, é claro – e os cristãos não podem deixar de confiar nela – é orar muito, confiados na promessa de Jesus Cristo que “as portas do mal não se prevalecerão sobre a Igreja”. A Justiça de Deus nunca falha mas, às vezes, demora muito já que Ele é o Senhor do tempo e não nós. É por isto que se pode dizer, em português bem claro, que a “Linha de Esplendor sem Fim”, pelo menos no Brasil, já era!
João Wesley Dornellas - O autor, ex-delegado a 4 Concílios Gerais da Igreja Metodista e a dois Concílios Mundiais, já foi presidente da Comissão Geral de Constituição e Justiça. Ele é membro da “Ordem do Mérito Metodista”, por decisão do Colégio Episcopal da Igreja Metodista, na categoria de “Metodistas Eméritos do Século XX”. Autor do livro “Pequena História do Povo Chamado Metodista”.
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