26 setembro, 2006

Doutrina não é letra fria nem letra morta: pode abençoar ou ferir pessoas

Por: Ronan Boechat

Doutrinas podem ser fiéis ou infiéis à Palavra de Deus. Se forem infiéis à Boa Nova de vida abundante trazida pelo Salvador Jesus, elas podem ferir pessoas, complicar relacionamentos e estragar a vida.

Há doutrinas, por exemplo, que discriminam as mulheres e crianças, como até pouco tempo havia doutrinas que discriminavam os negros, os índios, os portadores de algum tipo de deficiência.

Se fingirmos, por exemplo, que Ef 5:21 não existe ou que não determina a sujeição de uns aos outros, podemos cair na tentação de enfatizar apenas a sujeição da mulher ao marido explicitada em Ef 5:22. E quase sempre na pregação a sujeição não é apenas da mulher ao seu marido, mas da mulher aos homens. Isso implica numa pregação equivocada, pois defende uma submissão unilateral da mulher e não a submissão mútua de uns aos outros, “considerando tendo cada um os outros como superiores a si mesmo” (Fp 2:3). Até porque “...somos um só corpo e Cristo e membros uns dos outros” (Rm 12:5) e os membros devem cooperar com igual cuidado, em favor uns dos outros (1Co 12:25). Se por um Paulo diminui o papel e a autoridade da mulher, chamando-a “glória do homem”, por ter sido criada “após o homem” (cf. 1Co 11:7-9), por outro, contraditoriamente, diz que Deus concedeu “muito mais honra àquilo (aos membros do corpo!) que menos tinha” (1Co 12:24) e reconhece que “aquele que se une ao Senhor é um espírito com ele” (1Co 6:17) e em Jesus não somos diferentes, porque judeus e gregos, escravos e libertos, homens e mulheres e todos nós somos um em Cristo Jesus (At 2:28) . E mais: no Senhor homem e mulher são interdependentes (1Co 11:11-12) e têm direitos iguais (1Co 7:3-5). Relação dominadora e opressiva é injustiça e os “injustos não herdarão o reino de Deus” (1Co 6:11).

Com certeza está na Bíblia a ordenança da esposa ao esposo (Ef 5:22), mas está lá também a ordenança da submissão de “uns aos outros”, incluindo com certeza a submissão do marido à esposa, das mulheres aos homens, dos homens às mulheres, de uns aos outros. A falta da submissão mútua só pode gerar a maldição da submissão unilateral, visto que a dominação do homem sobre a mulher é fruto da maldição do pecado original (Gn 3:16), e coisa que qualquer estrupício pode fazer. Mas a submissão mútua de um ao outro, é só para quem tem o Espírito Santo de Deus, só no poder de Deus... porque para quem está em Cristo as coisas antigas já passaram e se fazem novas (cf. 1Co 5:16). Diferentemente da compreensão do mundo opressivo e machista, o maior para Jesus e no Reino de Deus não é quem manda, mas o que se faz servo dos demais (Mc 10:45). A relação cristã de marido e mulher tem de ser uma relação de solidariedade e amor, e não uma coisa hierárquica, até porque há um só Senhor (1Co 8:6; Ef 4:5). E isso significa que já fomos libertados por Jesus, e devemos permanecer pois firmes e não nos submetermos a novo jugo de escravidão (Gl 5:1). Aleluia!

Pregar a dominação unilateral de um sobre o outro, além de ferir a mensagem salvadora, libertadora e includente do texto sagrado, é criar relações defeituosas, dolorosas, hierárquicas. Doutrinas desse tipo não são só idéias, mas mexem com a vida das pessoas. O que poderia ser uma relação de iguais que se prostram ao pé do Senhor Jesus passa a ser uma relação de poder onde há exaltação de um e aniquilamento de outro, onde um é amado por causa da sua genitália masculina e o outro é desprestigiado por causa da sua genitália feminina. Mas como uma exterioridade e sexualidade criada por Deus pode ser determinante num maior ou num menor amor de Deus por quem as possui? Não foi o próprio Deus que disse em 1Sm 16:7 que Deus não vê como o homem, pois o homem vê a aparência e Deus vê o coração?

Doutrina não são apenas idéias. Doutrinas forjam comportamentos, valores, visão de mundo... pode facilitar a vida enchendo-a da graça de Deus, ou pode complicar e estragar a vida enchendo-a de valores e exigências que não são de Deus.

Rona Boechat Amorim
Pastor da Igreja Metodista de Vila Isabel