26 setembro, 2006

A espiritualidade ecumênica

Por: Derrel Homer Santee

O GRANDE "PECADO" DE JESUS

Leia Lucas 4.16-30 (esclarece o texto que segue)

Este artigo trata de "espiritualidade", não de "ismos". Defino "espiritualidade" como: "nosso sistema de valores e nossas atitudes". Todos os seres humanos são espirituais e têm um sistema de crenças e relacionamentos emocionais. Por não ter uma espiritualidade igual a nossa os outros não deixam de ser espirituais. Não existem pessoas mais espirituais, menos espirituais ou sem espiritualidade. Nas minhas ponderações pretendo evitar o uso dos "ismos": liberalismo, conservantismo, ecumenismo, pentecostalismo, fundamentalismo, etc. Estas palavras têm a tendência de se tornaram apenas chavões, clichês ou rótulos usados na auto-justificação ou na condenação dos outros. Não aceito ser identificado por nenhum rótulo. A minha espiritualidade está além dos rótulos.

O meu objetivo como ser humano e como cristão é aprender com a espiritualidade de Jesus. Os Evangelhos retratam a Sua espiritualidade com centenas de ensinamentos e atos. Para mim, a essência da vida cristã está contida naquilo que Jesus viveu e ensinou. O texto acima citado é apenas uma amostra desta espiritualidade. Este texto relata duas espiritualidades: a do povo do templo e a de Jesus. São duas espiritualidades opostas com expectativas diferentes.

A espiritualidade do templo era institucional, com um sistema de doutrinas fixas, separando os que estavam dentro dos que estavam fora. Os de dentro se julgavam os bons e privilegiados de Deus, dignos de serem amados e respeitados. Os de fora eram os maus. Eram vistos como condenados por Deus e eram indignos de amor ou respeito. Eram impuros e deveriam ser evitados ao máximo. O povo do templo era obcecado pelos pecados dos outros, sem a capacidade de autocrítica, não enxergando suas próprias idolatrias institucionais e seu próprio preconceito e ódio. Usavam as escrituras para apoiar sua espiritualidade condenatória. Será que ainda existe gente que age assim hoje?

Jesus tinha uma espiritualidade diferente. Ele usava as mesmas escrituras, mas era obcecado pelas possibilidades do amor e enxergava a graça divina onde as pessoas do templo viam apenas o pecado. Ficaram escandalizadas quando Jesus citou a viúva sodomita e o pagão Naamã, o sírio, como recipientes dos cuidados de Deus. Os sodomitas e os sírios eram idólatras e adoravam outros deuses. Jesus ousou colocá-los como mais abençoados do que o próprio "povo eleito" que não era idólatra e que cultuava o "Deus Verdadeiro". O escândalo que Jesus causou foi de tal magnitude e provocou tanta ira que o povo se levantou, arrastou Jesus para fora do templo e da cidade e tentou matá-lo. Jesus cometeu o grande "pecado" de incluir todos os "pecadores" como objetos da graça divina.

Dentro do cristianismo muitos adotaram -- e ainda adotam, a espiritualidade do templo. Esta espiritualidade se manifesta na forma de uma fé sectária, com a criação dos "ismos", tão presentes no cenário das igrejas hoje. Os seguidores de Jesus são fortemente pressionados a adotarem um rótulo. Não basta ser simplesmente cristão. O rótulo se torna mais importante do que o conteúdo. As pessoas são aceitas ou rejeitadas pelo rótulo adotado por elas mesmas ou imposto por outros. Basta colocar o rótulo "católico" ou "carismático" para a pessoa ser aceita ou rejeitada, elogiada ou condenada. Nomes são usados para identificar os de dentro e os de fora. Criam os "ismos" e outras "categorias de xingamento" que usam para diferenciar os amigos dos inimigos de Deus. Usam as escrituras para se justificar e sentir que eles é que estão certos e que os outros estão errados. Apelam para o legalismo da lei mosaica e ignoram a graça que é maior do que o pecado.

A intolerância e o uso da força são outras características da espiritualidade do templo. Por não concordar com Jesus, o povo de Nazaré apelou para a violência e expulsou Jesus do templo e da cidade com a intenção de matá-lo. Não toleraram a espiritualidade de Jesus e queriam eliminá-lo. A história da igreja está cheia de conflitos internos, perseguições e jogos de poder. A violência em todas as formas faz parte desta história. Até hoje pressões psicológicas, políticas e econômicas são usadas para forçar a conformidade. Quando isso falha algumas pessoas recorrem à violência física -- expulsão é a arma usada. É assim que a força do mal age em nome do bem, o pecado veste a máscara da santidade. Limita-se amar somente os outros bons.

A espiritualidade de Jesus ignora estas categorias. Se Jesus voltasse à terra na carne humana Ele continuaria a cometer o grande "pecado" de não fazer distinções entre pessoas. Para Ele, não existiriam católicos, protestantes, ateus, religiosos, pagãos, etc. Existiriam somente seres humanos com suas carências de fé, idolatrias, preconceitos, virtudes e fraquezas, todos necessitando o amor do Pai. Mesmo nos Evangelhos o pior pecado era a pessoa ter a ilusão de não ter pecado e de se achar melhor do que as outras.

Não consigo imaginar Jesus entrando nas jogadas eclesiásticas de hoje e se identificando com este ou aquele grupo ou tendência. A "camisa" que Jesus vestiria seria a do Reino sem rótulos. As pessoas do templo ficariam escandalizadas com as suas amizades e com o círculo social que Ele freqüentaria. Sua associação com todas as categorias marginalizadas pelos seguidores da espiritualidade do templo O colocaria em perigo de ser expulso das igrejas e das cidades e mais uma vez levado ao Monte do Calvário. Entre cometer o pecado de ficar com os seguidores da espiritualidade do templo, julgando os outros pelos seus pecados reais e imaginários ou ficar com Jesus e cometer o "pecado" de não fazer distinção entre pessoas e incluir todos os pecadores como recipientes da graça divina, eu fico com Jesus.

Derrel Homer Santee
Campinas, setembro de 2006