O labirinto de Ratzinger
Por: Nancy Cardoso Pereira
A história de Borges sobre 2 reis e 2 labirintos é assustadora (leia abaixo)!!
O rei de Babiônia convida um rei árabe para conhecer seu palácio. O convite é uma armadilha!! O que o rei Babilônico quer mesmo é colocar o Outro numa posição dificil.
Apresenta-lhe seu labirinto! Um primor de construção, um orgulho aos olhos do rei: calculado para induzir ao erro, planejado para a imobilidade do outro, impossivel de ser percorrido sem o mapa prévio que orientou a construção. Cantos, degraus, voltas sobre si mesmo, colunas, acessos, portais, curvas e retas, altos e baixos.
Obra maravilhosa, o labirinto do rei de Babilônia é uma excelencia de arquitetura, engenharia e estratégia. Planejado para não ser superado, traçado para deixar perdido qualquer vivente que se arrisque a conhece-lo o labirinto engole o rei árabe. Massacrado pelas paredes, corredores, pela lógica pertubadora do rei de Babilônia, o Outro árabe ora para Alá (seja sempre louvado!) e uma porta impossível se abre.
Atonito e violentado o rei árabe volta para casa sem reclamar mas pontuando que em sua terra havia um labirinto melhor. Reúne suas tropas e cai sobre a Babilônia com fúria destruidora.
Cuida que o rei babilônico seja feito prisioneiro.
Leva-o numa viagem sem explicação até o meio incerto de um deserto incerto. Larga o rei Outro num monte de areia aleatório: nem paredes, nem corredores. Só um espaço aberto.
O rei árabe vai embora abandonando o Outro com o desafio: eis meu labirinto! nem paredes nem muros. Entenda-o! Vença-o! E é o fim.
Lembrei desta historia de Jorge Luis Borges quando acompanhava as noticias da aula do Papa Bento XVI na Alemanha e seus comentarios sobre antigos textos, racionalidades modernas e religiões violentas. O prof. Ratzinger tem orgulho de seu labirinto!
Conhece sua estrutura lógica e se maravilha com a exatidão da obra: feita ao longo dos séculos a obra civilizatória ocidental e crista é um perfeito labirinto que humilha e confunde os de fora!
Esta simultaneidade entre o modelo racional ocidental e a cristandade se expande para a racionalidade do modelo econômico hegemônico - o capitalismo - e para um modelo político particular: a democracia representativa formal. Fora desse labirinto não há racionalidade.
O papa Ratzinger expressa bem o sentimento e a auto-imagem de uma Europa centrifugada pelo império do capital e amedrontada pela chegada massiva de novos "bárbaros" em suas portas. A Europa se move a procura de um centro e a cristandade se apressa a oferecer o labirinto originário como identidade e pretensão de superioridade. O Um e o Primeiro.
Confundidos e humilhados os Outros descobrem na prece e na religião a saída. Saem fortalecidos e resolvidos: também têm um labirinto para apresentar... mas para que seja conhecido sera preciso mover o centro e arrastar - mesmo pela força! - para uma outra lógica, um outro constructo civilizatório. O Um e o Primeiro do Outro: a racionalidade do deserto! A justaposição de labirintos nos leva para a guerra. Olho por olho deixa o mundo cego!
Enquanto os senhores de labirintos se afirmam, quem não tem medo de viver sem ser único e primeiro acolhe o desafio cada dia mais necessário e urgente de ser ecumênico. O ecumenismo não será a ante-sala dos labirintos e seus medos, mas o exercicio pleno de que toda "confusão e maravilha" pertencem a Deus: não aos homens! é tarefa ecumênica não deixar que nenhum rei coloque a experiência de vida comum num labirinto de escolhas ruins e desejos de dominação.
Para os-as cristãos e cristãs ecumênicos fica a tarefa de não deixar que a memória libertadora de Jesus participe - de novo! - de qualquer tentativa de consolidação de um projeto "global" civilizatório arrogante e opressor.
Nancy Cardoso Pereira
Coordenação Nacional Comissão Pastoral da Terra
051 9865 6055
A história de Borges sobre 2 reis e 2 labirintos é assustadora (leia abaixo)!!
O rei de Babiônia convida um rei árabe para conhecer seu palácio. O convite é uma armadilha!! O que o rei Babilônico quer mesmo é colocar o Outro numa posição dificil.
Apresenta-lhe seu labirinto! Um primor de construção, um orgulho aos olhos do rei: calculado para induzir ao erro, planejado para a imobilidade do outro, impossivel de ser percorrido sem o mapa prévio que orientou a construção. Cantos, degraus, voltas sobre si mesmo, colunas, acessos, portais, curvas e retas, altos e baixos.
Obra maravilhosa, o labirinto do rei de Babilônia é uma excelencia de arquitetura, engenharia e estratégia. Planejado para não ser superado, traçado para deixar perdido qualquer vivente que se arrisque a conhece-lo o labirinto engole o rei árabe. Massacrado pelas paredes, corredores, pela lógica pertubadora do rei de Babilônia, o Outro árabe ora para Alá (seja sempre louvado!) e uma porta impossível se abre.
Atonito e violentado o rei árabe volta para casa sem reclamar mas pontuando que em sua terra havia um labirinto melhor. Reúne suas tropas e cai sobre a Babilônia com fúria destruidora.
Cuida que o rei babilônico seja feito prisioneiro.
Leva-o numa viagem sem explicação até o meio incerto de um deserto incerto. Larga o rei Outro num monte de areia aleatório: nem paredes, nem corredores. Só um espaço aberto.
O rei árabe vai embora abandonando o Outro com o desafio: eis meu labirinto! nem paredes nem muros. Entenda-o! Vença-o! E é o fim.
Lembrei desta historia de Jorge Luis Borges quando acompanhava as noticias da aula do Papa Bento XVI na Alemanha e seus comentarios sobre antigos textos, racionalidades modernas e religiões violentas. O prof. Ratzinger tem orgulho de seu labirinto!
Conhece sua estrutura lógica e se maravilha com a exatidão da obra: feita ao longo dos séculos a obra civilizatória ocidental e crista é um perfeito labirinto que humilha e confunde os de fora!
Esta simultaneidade entre o modelo racional ocidental e a cristandade se expande para a racionalidade do modelo econômico hegemônico - o capitalismo - e para um modelo político particular: a democracia representativa formal. Fora desse labirinto não há racionalidade.
O papa Ratzinger expressa bem o sentimento e a auto-imagem de uma Europa centrifugada pelo império do capital e amedrontada pela chegada massiva de novos "bárbaros" em suas portas. A Europa se move a procura de um centro e a cristandade se apressa a oferecer o labirinto originário como identidade e pretensão de superioridade. O Um e o Primeiro.
Confundidos e humilhados os Outros descobrem na prece e na religião a saída. Saem fortalecidos e resolvidos: também têm um labirinto para apresentar... mas para que seja conhecido sera preciso mover o centro e arrastar - mesmo pela força! - para uma outra lógica, um outro constructo civilizatório. O Um e o Primeiro do Outro: a racionalidade do deserto! A justaposição de labirintos nos leva para a guerra. Olho por olho deixa o mundo cego!
Enquanto os senhores de labirintos se afirmam, quem não tem medo de viver sem ser único e primeiro acolhe o desafio cada dia mais necessário e urgente de ser ecumênico. O ecumenismo não será a ante-sala dos labirintos e seus medos, mas o exercicio pleno de que toda "confusão e maravilha" pertencem a Deus: não aos homens! é tarefa ecumênica não deixar que nenhum rei coloque a experiência de vida comum num labirinto de escolhas ruins e desejos de dominação.
Para os-as cristãos e cristãs ecumênicos fica a tarefa de não deixar que a memória libertadora de Jesus participe - de novo! - de qualquer tentativa de consolidação de um projeto "global" civilizatório arrogante e opressor.
Nancy Cardoso Pereira
Coordenação Nacional Comissão Pastoral da Terra
051 9865 6055
OS DOIS REIS E OS DOIS LABIRINTOS
Jorge Luís Borges (1899-1986)
Contam os homens dignos de fé (porém Alá sabe mais) que nos primeiros dias houve um rei das ilhas da Babilónia que reuniu os seus arquitectos e magos e lhes mandou construir um labirinto tão complexo e subtil que os varões mais prudentes não se aventuravam a entrar nele, e os que nele entravam se perdiam. Essa obra era um escândalo, pois a confusão e a maravilha são atitudes próprias de Deus e não dos homens. Com o correr do tempo, chegou à corte um rei dos Árabes, e o rei da Babilónia (para zombar da simplicidade do seu hóspede) fez com que ele penetrasse no labirinto, onde vagueou humilhado e confuso até ao fim da tarde. Implorou então o socorro divino e encontrou a saída. Os seus lábios não pronunciaram queixa alguma, mas disse ao rei da Babilónia que tinha na Arábia um labirinto melhor e que, se Deus quisesse, lho daria a conhecer algum dia. Depois regressou à Arábia, juntou os seus capitães e alcaides e arrasou os reinos da Babilónia com tão venturosa fortuna que derrubou os seus castelos, dizimou os seus homens e fez cativo o próprio rei. Amarrou-o sobre um camelo veloz e levou-o para o deserto. Cavalgaram três dias, e disse-lhe: «Oh, rei do tempo e substância e símbolo do século, na Babilónia quiseste-me perder num labirinto de bronze com muitas escadas, portas e muros; agora o Poderoso achou por bem que eu te mostre o meu, onde não há escadas a subir, nem portas a forçar, nem cansativas galerias a percorrer, nem muros que te impeçam os passos.»Depois, desatou-lhe as cordas e abandonou-o no meio do deserto, onde morreu de fome e de sede. A glória esteja com Aquele que não morre.
Contam os homens dignos de fé (porém Alá sabe mais) que nos primeiros dias houve um rei das ilhas da Babilónia que reuniu os seus arquitectos e magos e lhes mandou construir um labirinto tão complexo e subtil que os varões mais prudentes não se aventuravam a entrar nele, e os que nele entravam se perdiam. Essa obra era um escândalo, pois a confusão e a maravilha são atitudes próprias de Deus e não dos homens. Com o correr do tempo, chegou à corte um rei dos Árabes, e o rei da Babilónia (para zombar da simplicidade do seu hóspede) fez com que ele penetrasse no labirinto, onde vagueou humilhado e confuso até ao fim da tarde. Implorou então o socorro divino e encontrou a saída. Os seus lábios não pronunciaram queixa alguma, mas disse ao rei da Babilónia que tinha na Arábia um labirinto melhor e que, se Deus quisesse, lho daria a conhecer algum dia. Depois regressou à Arábia, juntou os seus capitães e alcaides e arrasou os reinos da Babilónia com tão venturosa fortuna que derrubou os seus castelos, dizimou os seus homens e fez cativo o próprio rei. Amarrou-o sobre um camelo veloz e levou-o para o deserto. Cavalgaram três dias, e disse-lhe: «Oh, rei do tempo e substância e símbolo do século, na Babilónia quiseste-me perder num labirinto de bronze com muitas escadas, portas e muros; agora o Poderoso achou por bem que eu te mostre o meu, onde não há escadas a subir, nem portas a forçar, nem cansativas galerias a percorrer, nem muros que te impeçam os passos.»Depois, desatou-lhe as cordas e abandonou-o no meio do deserto, onde morreu de fome e de sede. A glória esteja com Aquele que não morre.
Fonte: A poesia dos calendários
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