01 setembro, 2006

O descartável

Sou do tempo em que existiam poucas coisas descartáveis. Lembro-me das canecas plásticas desmontáveis (sanfonadas) que levávamos para a escola para bebermos água... naquele tempo não existiam os bebedouros de hoje com copos à disposição.

Também é muito clara a memória das garrafas de refrigerante... mantínhamos vários engradados com inúmeras delas na despensa. Além daquilo, o trabalho que as mães tinham com as fraudas dos bebes... os varais logo denunciavam a presença de mais um/a membro na família.

A qualidade dos bens de consumo eram outros. Não se adquiria na expectativa de substituição... tudo era avaliado pela durabilidade e o pensamento de obter sempre estava associado a alguma coisa que nos levava a um “pra sempre”.

As coisas mudaram! Em nossos dias o descartável tomou um lugar inquestionável... os valores são inversos... agora o melhor é, quase sempre, o descartável... até por uma questão de segurança e saúde, já que o fator “contaminação” nos aflige cada vez mais.

Mas é preocupante esta nova perspectiva social porque o descarte tem se alastrado para ambientes nunca imaginados! De forma notória e trágica, pessoas, vidas, amizades, pensamentos, preceitos, foram incluídos na lei do “usa e joga fora”! Assim como as seringas, os copos e as fraudas, os bens da alma e da razão têm sido igualmente banalizados!

Não só o relacionamento entre casais – namoros, noivados, casamentos – se tornou alvo de um prazo de vencimento cada vez mais curto, agora, isto atinge valores nunca concebidos. Há pouco tempo a mídia reportou o caso da condenação de uma jovem rica que, com a ajuda do namorado, tramou e executou o assassinato dos próprios pais!

É assim que a sociedade reinventa seus valores... com um absurdo padrão de frieza... dando ao “novo” toda importância e ao “usado”, uma condenação impiedosa!

Falo como o salmista... sinto abatida a minh’alma, especialmente em ver gente ser tratada como papel velho, como copo usado... valores serem trocados de hora pra outra como se nunca tivessem significado nada... e se ainda significam alguma coisa pra alguém, não importa, importa a mudança a qualquer custo, mesmo que seja pra pior!

Imagino como é complicado para os/as jovens acreditar em frases tão expressivas como: “... na alegria ou na tristeza, na riqueza ou na pobreza, na saúde ou na doença...”, porque pra mim tem sido cada vez mais difícil saber em quem acreditar, e confesso, os dedos da minha mão têm sido muitos para contabilizar os/as verdadeiros e fiéis amigos/as que tenho!

Credos, crenças, verdades, lemas, sonhos, isto agora é balela! Foram trocados por modismos, por popularidade, “ibope”! Infelizmente as pessoas se compram e se vendem numa velocidade astronômica! O descartável atingiu até mesmo a moral e a ética, que são moeda de troca para obter status, aplauso e louvor!

Espero a hora de ser descartado também... este parece ser o fim de cada um de nós... parece que nesta dinâmica a gente vai sendo condenando, pouco a pouco, se pensa por muito tempo a mesma coisa, ou se não consegue disfarçar aquilo que nos dá sentido, especialmente se isto não provoca o “frisson” popular!

Existe porém um certo acalanto... houveram outros/as que também foram descartados/as... Jesus Cristo, porque não conseguiu a maioria na votação que o condenou à morte... e por motivos diversos, Pedro, Paulo, Lutero, Wesley!

Quem dera pudéssemos voltar o tempo em que as coisas, pessoas, verdades, conceitos, sobreviviam com maior facilidade... tempo em que existia um valor maior nas palavras e atitudes, por isso, eram melhor pensadas e mais comportadas... mais respeitosas!

Um tempo onde existia lugar pra todos/as, pra toda gente de todo tempo, mesmo que seu tempo já tivesse passado... onde nos assentávamos em nossas diferenças e formas pais, mães, avós, avôs, netos e netas... passava o tempo, mas permanecia o respeito, a honra, o tributo e a admiração!

Não podemos, como cristãos/ãs admitir este novo modelo de vida... aceitar que sejamos descartáveis uns/umas para os/as outros/as... somos gente, carne e sangue, alma e espírito... somos a magnífica criação que Deus fez, por isso mesmo, dignos/as de consideração, aceitação e espaço!

Caso admitamos este processo social, correremos o risco de nos transformarmos numa sociedade excludente, que lança fora tudo o que não pareça ser padrão, ou que exija algum grau de esforço, humildade e flexibilidade!

Os assassinatos trazem dentro de si o mesmo princípio do descarte. Os assassinatos que freqüentemente vemos são nada mais que resultados radicais de uma sociedade que entende que o “que não agrada”, ou não concorda, deve ser posto fora!

Que o Deus Eterno, que não descartou nenhum de nós, a despeito de nossa pobreza, nos ajude a livrar nossa vida e sociedade desse equivoco absurdo que vivemos!

Na graça e na paz,

Rev. Nilson da Silva Júnior
Pastor Metodista em Cândido Mota - São Paulo.
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