Conversando mais sobre ecumenismo – a propósito da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos
Por Magali do Nascimento Cunha
Em abril de 2005, o site Metodismo On Line, editado pelo pastor Odilon Massolar Chaves, realizou uma pesquisa com base na pergunta “Você é a favor do Ecumenismo?”. Havia cinco alternativas para o público: “sim, só com evangélicos; sim, com católicos e evangélicos; sim, só com católicos; não, a igreja deve evitar contatos com outras denominações e religiões; não, porque a Igreja pode perder a sua identidade”.
Em abril de 2005, o site Metodismo On Line, editado pelo pastor Odilon Massolar Chaves, realizou uma pesquisa com base na pergunta “Você é a favor do Ecumenismo?”. Havia cinco alternativas para o público: “sim, só com evangélicos; sim, com católicos e evangélicos; sim, só com católicos; não, a igreja deve evitar contatos com outras denominações e religiões; não, porque a Igreja pode perder a sua identidade”.
Como professora da disciplina Ecumenismo na Faculdade de Teologia da Igreja Metodista em São Bernardo, interessei-me por acompanhar a pesquisa e os comentários de alguns dos participantes, e mergulhei num processo de reflexão que me levantou uma série de questões e de desafios.
Foram 595 registros de participação na pesquisa. 94% disseram que são a favor do ecumenismo. No entanto, a forma como as alternativas foram apresentadas limitaram o ecumenismo à contraposição católicos x evangélicos. Assim sendo, a expressão “só com” foi aquela que deu o tom da pesquisa. As outras alternativas poderiam ser esquecidas. O resultado final foi 57% para o “só com evangélicos” contra 37% para o “com evangélicos e católicos”. Para mim, o que mais interessa não é o resultado numérico pois hoje em dia são muitos os estudos que analisam a forma como pesquisas são feitas, desde a formulação das perguntas até mesmo as formas de acesso. O que me importa são os dois aspectos que mencionei acima: a limitação da compreensão de ecumenismo à contraposição e a expressão “só com”. Vejamos.
1. A (in)compreensão de ecumenismo em curso. Muitos são os debates sobre ecumenismo – válido ou não, incentivável ou não... – especialmente em tempos de decisões conciliares e visitas papais. Desses debates, uma coisa se pode concluir: muitas pessoas desconhecem o que é ecumenismo, da origem da palavra à sua teologia e prática. Interessante, porque literatura esclarecedora não falta, da mesma forma disciplinas nos cursos de teologia pelos quais passam as lideranças, oportunidades para encontros e reuniões, e, sobretudo, documentos oficiais das igrejas, como é o caso da Metodista. Por que, então o desconhecimento que leva à incompreensão e a equívocos? Será mesmo um desconhecimento?
Não arrisco resposta, poderia cometer injustiças. Devo, porém, dizer que este suposto desconhecimento não é novidade. É coisa antiga. Quando da fundação do Conselho Mundial de Igrejas (CMI) em 1948 (ou seja, há 55 anos), este organismo que se tornou a expressão mais significativa do movimento por unidade entre os/as cristãos/ãs, surgiram acusações como as de que o CMI seria uma estratégia para a criação de uma super-igreja e eliminar as denominações, ou ainda um recurso da Igreja Católica Romana para levar todos os evangélicos de volta ao seu meio, e mesmo uma manobra comunista de cooptação das igrejas (isto por conta da adesão das igrejas do Leste Europeu, então regido por governos socialistas). Essas acusações já revelavam um desconhecimento (ou preconceito) da história da formação do CMI, iniciada com a experiência missionária do século XIX, bem como com a visão bíblica que o fundamentava. Equívocos que até hoje (com exceção da última acusação mencionada) são cometidos.
Para mim, o maior desses equívocos na compreensão do que é ecumenismo vem justamente daquilo que a pesquisa do Metodista On Line apresentou e se refletiu no último Concílio Geral da Igreja Metodista (2006) que levou à decisão de desvinculação da Igreja ao Conselho Nacional de Igrejas Cristãs: limitar a compreensão de ecumenismo à antiga disputa católicos x evangélicos.
Ecumenismo vai muito além disso porque implica um princípio bíblico – e isto não vem da razão, precisa vir do coração – de que Deus é amor e misericórdia e, por isso, ele possui um projeto de redenção toda a terra habitada (oikoumene). No propósito de Deus não tem “homem ou mulher, grego ou judeu, escravo ou livre”, mas sim a sua criação, que ele viu que era boa no seu gesto criador, e por isso ele trabalha para que continue boa – íntegra e digna, com justiça e comunhão – tanto os seres humanos, como os outros seres animados e inanimados. Isso quer dizer que quem responde à vontade de Deus, precisa se revestir de amor e misericórdia – daí o coração e não a razão – como fez Jesus Cristo. Ele se uniu ao Pai no seu propósito redentor, convidou que outros se unissem a ele nessa ação redentora, e orou para que aqueles que ingressassem na causa de redenção da criação de Deus, o fizessem unidos, pois só assim o mundo creria nesta ação do Pai (João 17).
Por isso quem diz “sim” ao ecumenismo – ao princípio da unidade, em amor e misericórdia, daqueles que ingressam na causa de Deus para redenção da criação – não pode dizer “só com”. O “só com” não cabe porque o amor de Deus não é excludente. Pelo contrário, basta repetirmos as palavras daquele que foi todo amor e misericórdia: “quem não é contra nós é por nós”; “na casa de meu Pai há muitas moradas”; “tenho outras ovelhas que não são deste aprisco”; “quando o fizestes a um destes meus pequeninos a mim o fizestes”... Colocar alternativas a este princípio, enquadrá-lo em bases que dizem respeito tão-somente à mesquinhez e à arrogância humana, é matá-lo. Isto também não é novidade, já que entre os primeiros cristãos o exclusivismo era um perigo que rondava o propósito redentor de Deus: ‘Cristo, só para os judeus’; ‘Fé, só do jeito judeu’; sem esquecer da resposta de Pedro: “Jamais comi coisa alguma comum e imunda!” (Atos 10).
Compreender o sentido bíblico do ecumenismo, além dos aspectos teológico e histórico, é urgente se quisermos nos manter fiéis ao plano redentor de Deus! Além disso, para nós, metodistas, em meio a tantas incoerências e contradições sempre presentes em palavras, ações e decisões, é sempre bom lembrar que a contextualização da herança contida nas Obras de Wesley e os documentos produzidos no Brasil por Concílios e lideranças, são excelente fonte para aquisição desse conhecimento e discernimento.Vale um alerta neste ponto: cuidar com o uso correto da expressão wesleyana “Pensar e deixar pensar”. Esta expressão está contida no documento “O caráter de um metodista” – um tratado de orientação quanto ao que distingue metodistas dos demais grupos cristãos (Obras de Wesley [em espanhol, Tomo V, p. 5], [no inglês, Volume 8, p. 339]) . A expressão está dentro do contexto em que Wesley justamente diz que “as marcas distintivas de um metodista não são suas opiniões sobre qualquer assunto (...). Quem quer que imagine que um metodista é um homem de tal ou qual opinião, revela grande ignorância sobre toda a questão e fere totalmente a verdade”. Wesley segue dizendo que opiniões muitos têm, por isso, os metodistas “pensam e deixam pensar desde que não firam as raízes do cristianismo”.
Tudo que passar deste sentido, é manipulação, desrespeito à nossa herança doutrinária. Podemos pensar e deixar pensar em termos de opiniões sobre um tema ou outro que não sejam essenciais mas nunca em relação a princípios básicos da fé cristã e daquilo que é o caráter do metodismo. Nesse sentido, não se pode ser a favor ou contra o ecumenismo, pois, como atestam as Escrituras, e muito ensinou a tradição metodista e outras tradições cristãs, a busca da unidade e tolerância com amor e misericórdia é um princípio essencial à fé cristã. E isto ainda muitos anos antes de o movimento ecumênico existir como tal e o termo ecumenismo ter sido atribuído a essas ações de busca de unidade.
2. Amor e misericórdia são demandas de Deus!
Por último, não posso deixar de mencionar minha preocupação com os comentários que registrados nos vários espaços do site Metodismo On Line à época com relação à pesquisa e ao tema “ecumenismo”. Não com respeito ao conteúdo propriamente, mas minha preocupação está relacionada ao tom dos discursos: ironia, rancor, intolerância. Esse é o tom de um bom número de comentários, na maioria defensores do “só com”. Revelam uma postura agressiva e ofensiva, desrespeitosa com quem está “do outro lado”, ferindo, portanto, o Evangelho.
Por que tanta agressividade contra os que pregam o ecumenismo como expressão do amor e da misericórdia de Deus? Por que tanto rancor com os católicos? A ironia com os que pensam diferente e o desrespeito com a orientação doutrinária da Igreja é postura adequada para um cristão ou cristã? Tudo isto está bastante evidente no discurso de muitos que querem restringir o ecumenismo aos evangélicos.
É verdade que agressão e arrogância muitas vezes se manifestam da parte de quem defende a postura ecumênica. Desrespeito com as diferenças também se manifesta deste lado. No entanto, tem sido a postura rancorosa contra o ecumenismo a que mais tem se colocado em evidência nos últimos anos.
Minha esperança em tudo isto é que, ainda que se tente, não é possível aprisionar o Espírito de Deus em amarras ou preconceitos sejam de que natureza for. Aí será possível nascer de novo...
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*Professora da disciplina Ecumenismo na Faculdade de Teologia da Igreja Metodista
magali.cunha@metodista.br
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