28 maio, 2007

Que tempo para ser um/a Metodista!

Por: Helmut Renders

Anos atrás li um livro com o título, “Que tempo para ser um/a Metodista”! Ele me reafirmou duas coisas: É essencial que se procure entender hoje a complexidade humana, da igreja, da sociedade sem formulas superficiais e respostas simplicistas para enfrentá-las; por outro lado, morre-se neste mundo em todos sentidos cada dia mais aceleradamente e não podemos nos esconder atrás da complexidade. Não podemos assistir a agonia (a luta diante da morte) de tantos/as: Espécies são extintas, e crianças e idosos/as, mulheres e homens falecem sem terem recebidos/as o mínimo apóio e sem ser lembrados/as pelas igrejas cristãs que eles/as todos/as são preciosos/as para Deus e que cada uma das suas mortes é um escândalo que os céus faz calar-se em luto.

Neste mês lembramos os metodistas de uma experiência religiosa preciosa e testemunhada tanto por Charles (21 de maio de 1738, dia de pentecostes) como por John Wesley (24 de maio de 1738). Trata-se da consolidação de um novo saber em relação ao compromisso incondicional de Deus para conosco e toda criação. Era a descoberta pessoal do Deus Emanuel. Deus me ama, Deus ama toda humanidade. Deus perdoa, aprendemos perdoar uns aos outros, umas às outras. Este novo saber consolidou também à disponibilidade pessoal dos dois de servir toda humanidade e criação de Deus.

Em 1739, o ano depois, Charles Wesley, compartilhava numa canção o significado ao longo prazo desta experiência. É uma belíssima expressão de uma fé que se expressa pelo amor. E cantando esta canção os metodistas relacionaram a experiência do coração aquecido com uma proposta ampla de ser cristão/ã, de ser metodista:

1. Mil línguas eu quisera ter,
mil vozes pra louvar,
as glórias do meu Deus, meu rei,
triunfos do seu dom.

2. Gracioso mestre, meu Senhor,
ajuda-me a pregar
por toda terra, céu e mar
as honras do teu ser.

3. Jesus, contigo, sem temor
Se acaba a nossa dor;
pro pecador és belo som,
saúde, vida e paz.

4. O meu pecado e todo mal
teu sangue vem lavar;
destrói as grades das prisões com tua santa mão.

5. Quando ele fala, a sua voz
a vida a todos traz.
O triste nele se compraz
e o pobre, humilde, crê.

6. Os surdos ouvem afinal
e os mudos vêm cantar;
os coxos andam a saltar
e os cegos já te vêem.

7. E glória a Deus, honra e louvor
teus santos todos dão;
e um canto novo entoarão
unindo terra e céu.

Tradução de Jaci Maraschin, 2005

A primeira e a última estrofes descrevem como proposta principal da vida cristã a glorificação de Deus (1ª “as glórias do meu Deus, meu rei”; 7ª “E glória a Deus, honra e louvor”). Uma das razões deste louvor é a transformação profunda do ser humano sobre influência do evangelho.

A primeira expressão deste crescente amadurecimento e desta renovação transparece na combinação do “eu” e “meu” com o “nos” e “eles”. Aqui se relaciona o lado pessoal da fé (1ª “eu quisera ter”, “meu Deus”, “meu rei”; 2ª ajude-me pregar; 4ª “meu pecado”) com o lado comunitário (3ª “nossa dor”) e, mais, de uma forma ecumênica (7ª “teus santos todos dão [....] e entoarão”). O evangelho aproxima e leva os diversos a um louvor e somente louvando em conjunto eles/as aproximam “terra e céu”.

Segundo percebe-se uma ampla visão da atuação de Deus na terra. Fala-se de “saúde, vida e paz” (3ª), da superação do pecado pessoal e de todo mal (4ª), da vida para todos com ênfase no pobre e humilde (5ª). A alegria que versos como estes causaram nas pessoas da época repete-se até hoje e continua sendo “belo som” (3ª) pela sua abrangência: nenhuma parte da vida é excluída, nenhuma parte da humanidade é ignorada, nenhum lugar da terra esquecida (2ª “toda terra, céu e mar”) nesta surpreendente “união” de “terra e céu” (7ª) que transforma.

No centro deste abrangente relato da esperança cristã fala-se de Jesus Cristo. Ele é “mestre” e “Senhor” (2ª) e “Jesus” Emanuel, Deus conosco, a quem cada um pode se aproximar de uma forma simples, pessoal e, isso é especialmente destacado, sem medo (3ª “Jesus, contigo, sem temor”). Nesta clássica descrição de um Deus que se faz acessível sem se tornar, porém, manipulável, preserva-se toda a sabedoria da igreja primitiva e sua compreensão de Jesus, o Cristo.

Na 4ª, 5ª e 6ª estrofe o texto ecoa Lc 4.18: “O Espírito do Senhor é sobre mim pelo que me ungiu para evangelizar os pobres [...] e apregoar o ano aceitável do Senhor”. Assim, o texto descreve, primeiro, toda transformação esperada como obra de Jesus Cristo. Fala-se “do seu sangue”, da “sua mão” (4ª), da “sua fala” (5ª) e, indiretamente, da “sua visibilidade” (6ª). Mas, a tarefa de “apregoar” é agora a tarefa da igreja, porém, sempre com a ajuda de Jesus Cristo: “ajuda-me a pregar” (2ª). Desta forma, o movimento metodista se vê na tradição da vocação de Jesus, e descreve a sua missão como um andar como Jesus andou. Talvez o mais surpreende seja o fato que Charles Wesley não fala nesta canção de forma explicita da ação divina mediante o Espírito de Deus. Indiretamente, porém, ele está presente pela citação de Lc 4. 18. A canção é, então, “trinitária”. É justamente esta base trinitária que relaciona cada pessoa com toda Igreja Cristã, com toda humanidade, com toda terra e o céu.

Um ano depois do pentecoste 1738, Charles Wesley relaciona ortodoxia (a doutrina amadurecida), ortopraxis (a sua vivência engajada) e ortopatia (a compaixão exemplar) de uma forma dinâmica e libertadora: a compaixão incondicional de Deus para com seu mundo, a prática missionária integral que se dirige a toda humanidade e também a cada ser humano na sua totalidade e uma doutrina que sustenta, esclarece e corrige a fé que atua pelo amor.

Um ano depois da experiência de Aldersgate, Charles Wesley mostra como Deus está presente neste mundo, e como ele antecipa e aguarda a nossa colaboração na sua missão. Será que está voz seja hoje também necessária? Quem tem o novo saber do amor incondicional de Deus para com toda humanidade tem, primeiro, a chave nas suas mãos para reorganizar a sua vida segundo os valores do Reino. Segundo, pode-se entender melhor quais são realmente as chaves para a transformação do atual desespero em esperança. São amor, justiça e compartilha. Assim se contribui para um mundo onde não somente alguns ascendem – mas onde uma vida digna seja no alcance das multidões – segundo Lc 4.18 especialmente amados por Jesus e assim também por um dos seus discípulos, John Wesley. Que tempo para aprender com Jesus de Nazaré de andar como ele andou. Que tempo para decifrar a complexidade da vida com seriedade e compromisso. Alias, Charles classificou o metodismo com um movimento que sabe relacionar “ciência e a piedade tão raramente encontradas unidas”. Que tempo para ser um/a Metodista!

Helmut Renders