26 maio, 2007

A teologia que eu faria com meu pai preso por dívida

Por: Nancy Cardoso Pereira

Reflexões para o 24 de maio

De tudo que já se disse sobre João Wesley, sobre a família Wesley, sobre o movimento metodista um pequeno detalhe nada insignificante sempre chamou minha atenção.

O sr. Wesley – pai e João e Carlos, marido de Susana – tinha dívidas, uma situação econômica difícil e instável chegando a pelo menos numa situação, ser encarcerado por não pagar o que devia.

No diário de Susana Wesley encontramos o comentário: Estamos enfrentando tempos difícies. Samuel, como de costume, estava muito endividado.

A situação do sr. Wesley não era única, ele compartilha de um processo de crescente empobrecimento e de uma legislação que punia aos pobres e aos endividados com o rigor dos tempos da acumulação e da expansão do lucro.

Eu sempre fico me perguntando: que teologia se faz quando os pais de famílias são levados à prisão por dívidas impagáveis?

Com meu pai na prisão?... com dívidas que não se pagam?... com escravidão? ... com uma economia detestável? que teologia eu faria?

De João Wesley se tem notícia de um certo espontaneísmo que se revelava numa assistência imediata e direta a pessoas e família endividadas: uma vez na Westminster Bridge Wesely socorre uma mulher com crianças que choravam porque o marido havia sido preso por conta de uma dívida de dezoito shillings; outro relato narra a visita de Wesley à prisão de Giltspur Street Compter: ele pergunta pela prisioneiro mais miserável e descobre que o motivo da prisão é uma dívida de meia guiné. Nos dois casos Wesley paga a dívida oferecendo sempre mais do que o valor da dívida mesmo. ( do livro "One Hundred and One Methodist Stories" de Carl F. Price > http://www.imarc.cc/buletins/history7.html)

Em outras situações John Wesley vai expressar um pensamento mais articulado e crítico das situações sociais que envolviam escravidão e dívida, como no livreto Thoughts Upon Slavery, de 1774 (http://gbgm-umc.org/umw/wesley/thoughtsuponslavery.stm ). Numa demonstração de conhecimento de relações econômicas estrangeiras e numa generosa visão antropológica sobre "os negros", Wesley reconhece as situações de fraude das relações comerciais, as imposições da guerra, as atrocidades e os mecanismos econômicos que motivam o comércio de escravos e conhece e compartilha de obras sobre direito internacional que discutem a escravidão. Mais do que conhecer... Wesley toma uma posição clara contra a escravidão (mesmo considerando os limites de sua análise e opinião).

Sobre a morte sistemática de negros no processo de captura e transporte, Wesley vai nomear como "assassinato" e terminar a frase dizendo: "O Earth, O Sea, cover not thou their blood!" - "Ó Terra, Ó Mar, não cubram o sangue deles!"

Em outra passagem sobre os sofrimentos, Wesley exclama: "Did the Creator intend that the noblest creatures in the visible world should live such a life as this? Are these thy glorious work, Parent of Good? " - "Era intenção do Criador que tão nobres criaturas do mundo visível vivessem uma vida como essa? São essas obras Suas, ó Pai da Bondade?".

Os exemplos são muitos... "Are you a man? Then you should have an human heart. But have you indeed? What is your heart made of? Is there no such principle as compassion there? Do you never feel another's pain? Have you no sympathy, no sense of human woe, no pity for the miserable?" - "Você é um ser humano? Então você deve ter um coração humano. Mas você tem mesmo?? Do que é feito seu coração? Não há nada parecido com compaixão aí? Você nunca sente a dor de outra pessoa? Voce não tem nenhuma simpatia, nem senso humano de compaixão, nem pena pelo miserável?"

Como bom metodista (ops!)... Wesley vai chamar ao arrependimento e ao compromisso, colocando a exigência de uma transformação de vida plena de santidade que passa pela negação de relações econômicas detestáveis: "O let his resolution be yours! Have no more any part in this detestable business. Instantly leave it to those unfeeling wretches who Laugh at human nature and compassion! Be you a man, not a wolf, a devourer of the human species!" - Que esta resolução seja sua! Não tenha mais nenhuma parte neste negócio detestável. Instantaneamente deixe isto para insensíveis desgraçados que riem da natureza e compaixão humanas. Seja um homem, não um lobo, um devorador da espécie humana! Seja um ser humano e não um lobo que devora a espécie humana!!

Esta é a teologia que eu faria se meu pai fosse preso por dívida, se minha família vivesse abaixo da linha da pobreza, se houvesse escravidão no meu país, se a exploração marcasse as realções econômicas... e se eu não fosse nada disso, eu poderia ser metodista!! ter um coração transformado pela leitura da realidade e o amor de Deus. Eu poderia ser metodista sentindo a dor de outra pessoa. Eu faria teologia comprometida com o Dia 23 de Maio - Dia Nacional de Luta: Nenhum Direito a Menos!!!

Eu escreveria hinos... muitas canções de chorar a dor e de reconhecer o pecado e afirmar o amor de Deus que resgata todas as dívidas. Eu cantaria com Charles Wesley:

He dies to atone
For sins not His own;
Your debt He hath paid, and your work He hath done.
Ye all may receive
The peace He did leave,
Who made intercession, "My Father, forgive!"

Retrieved from http://en.wikisource.org/wiki/All_Ye_That_Pass_By

Nota:
John Wesley nasceu em Epworth, Inglaterra, em 17 de junho de 1703 e faleceu em Londres, em 2 de março de 1791; foi um clérigo anglicano, cristão britânico, líder precursor do movimento metodista. 24 de maio é considerado o Dia do Metodismo.

Nancy Cardoso Pereira
Pastora Metodista
Coordenação Nacional da Comissão Pastoral da Terra
www.cptnacional.org.br