20 março, 2008

Páscoa, uma celebração que ressuscita a libertação da escravidão

Tércio Machado Siqueira

Nenhuma das festas bíblicas se equipara em importância e significado a da Páscoa, que é lembrança e memória de um fato fundamental para a manutenção da vida do povo bíblico. Na festa o povo era levado a lembrar do que Deus fez por eles quando estavam no Egito. Portanto, lembrar era o mesmo que injetar vida no povo. Por outro lado, esquecer os atos salvadores de Deus era o princípio da morte. Assim, a Páscoa representa a garantia da vida, da paz, da esperança, da vitória dos fracos sobre os maus. A vitória do projeto de Deus.

I – O RITUAL DA PÁSCOA
(Êxodo 12:1-28; Deuteronômio 16:1-8)

Estes textos mostram que durante a celebração da Páscoa, os membros da comunidade israelita dramatizavam os tristes acontecimentos no Egito, quando seus antepassados serviam a Faraó. Como escravos. Estes textos eram destinados à catequese das novas gerações de israelitas. Isso quer dizer que eles eram parte um ritual religioso que tinha a finalidade de transmitir a fé à juventude israelita, agora vivendo em Canaã, que estava sujeito a cair no domínio de outro poder político. Essa nova geração precisava conservar a sua fidelidade ao Deus que a salvou da escravidão Mas, afinal, o que aconteceu realmente no Egito? Alguns textos bíblicos são muito importantes para iluminar aquela situação.



A. A VIDA DOS HEBREUS (ISRAELITAS) NO EGITO

1. Êxodo 1: 11-15

Ao ler este texto, percebe-se que algo desagradável ocorria com o povo hebreu: vida dura em razão dos trabalhos forçados (v. 11); opressão por parte do governo egípcio (v. 12); jovens escravos eram assassinados (v. 16). Tudo isso fazia com que a vida dos hebreus fosse bastante amarga (vv. 13-14). O sistema social em vigor no Egito determinava que o povo do campo deveria sustentar, através de tributos (grãos, animais e trabalho), toda a burocracia e projetos “faraônicos”. O povo não era escravo no sentido de ser propriedade do governo ou de pessoas ricas. O livro de Êxodo diz que o Faraó exigia dos hebreus serviços obrigatórios.


2. Êxodo 3: 7-9

Este texto trata o chamado de Moisés para resgatar o povo daquela situação tão desagradável. O movimento dos escravos israelitas pela liberdade ganha o favor de Deus. Aqui, a missão de Moisés tem sua razão de ser no grito de dor do povo, pela miséria que lhe gerava angústia (v. 7). Veja só! O chamado de Moisés estava em função do clamor do aflito (vv. 7, 9, 17) do povo, e não de outro motivo qualquer.


3. Êxodo 5: 8-23

Ante a tentativa do povo hebreu, de melhorar sua condição de vida e ter um período para o seu descanso (Êxodo 5:1-9), Faraó reage com mais rigor com os trabalhadores, usando uma tática muito usada pelos governos opressores, mas condenada pela Bíblia. Faraó procura desprestigiar o povo hebreu chamando-o de “preguiçoso” (vv. 8 e 17). Ao mesmo tempo, o governo egípcio aplica a disciplina do “mau patrão”, exigindo dos escravos maior produção de tijolos (v. 19). Por fim, faraó tenta a tática de humilhar os líderes hebreus, açoitando-os diante do povo (v. 14). Com isso, ele desmoralizava os chefes da rebelião. Por tudo isso, é que o povo se sentia maltratado (v. 23), pois além de pesado (v. 9) e violento, Faraó procurava cortar todas as possibilidades de uma ação organizada contra o sistema de governo.

Resumindo: a luta dos hebreus era pela busca de liberdade e obtenção da vida em Canaã. Deus ouviu o clamor do povo e ajudou na busca de liberdade.

B. A VIDA DOS HEBREUS (ISRAELITAS) EM CANAÃ
(Deuteronômio 6: 10-25; Deuteronômio 8:7-13)

A celebração pela saída do Egito fez com que o povo sonhasse com uma vida abundante e feliz na Terra Prometida. Os textos acima citados prevêem uma realidade que ele sonhava ter em Canaã: cidades grandes e boas, casas cheias de tudo de bom, poços abertos, vinhas e olivais (Dt 6:10); terra para plantar e tirar o sustento para a vida (vv. 23 e24); vida numa terra sob a justiça de Deus (v. 25). Numa demonstração clara da importância da terra para a vida do povo, o capítulo 8 de Deuteronômio continua a mostrar o anseio de quem viveu cativo e, agora, busca a vida plena: na terra prometida, a terra é boa e cheia de ribeiros (v. 7); terra de trigo, vinhas, cevadas, figueiras, romãzeiras, oliveiras, azeite e de mel (v.8); terra do pão sem escassez e terra de ferro e de cobre (v. 9); terra onde o povo come e fica saciado (v. 10); terra onde quem manda é Deus (v. 11); terra de casas boas (v. 2) e terra onde se multiplicarão bois e ovelhas (v. 13)

Entretanto, nem toda essa expectativa se concretizou após a chegada a Canaã. Muitos fatores concorreram para isso, porém a razão maior estava na presença de outro inimigo que procurava exercitar seu domínio tirano sobre o povo libertado da escravidão egípcia. O que fazer, então? A ordem era lembrar daquilo que Deus fez pelo povo cativo no Egito (Dt 8:14-20; Dt 11:18-21). Aqui se percebe que a memória israelita acerca dos atos salvadores de Deus não era vitória triunfalista de um passado distante, mas uma lembrança voltada para a luta e compromisso com as ameaças de outros “faraós” do presente.

Resumindo: Agora, em Canaã, os israelitas enfrentavam outra luta. O difícil relacionamento com os donos da terra (cananeus) criou inúmeras impossibilidades para a obtenção dos elementos básicos, tais como a terra, moradia, alimento e liberdade para o culto.


II – O PORQUE DA PÁSCOA

Depois de analisarmos os textos relatam o motivo da celebração da Páscoa, resta enumerar alguns pontos conclusivos:

1. O relato da Páscoa é uma das muitas histórias que eram contadas para animar o povo em tempos difíceis. Era uma festa revitalizadora da força da comunidade ante o perigo e a crise.

2. Havia muitas histórias que o povo contava para tirar delas lições exemplares: a história da criação, a história de José, a história de Elias, etc.. Entretanto, a história da Páscoa era mais importante de todas elas. O relato do êxodo do passou a ser memorizado, e anualmente comemorado em cada família israelita.

3. A Páscoa era única festa pastoril do calendário israelita. As demais eram festas de origem agrícola que acompanhavam o ciclo na natureza. A Páscoa era a que se relacionava a um fato histórico.

4. A celebração da Páscoa aconteceria nas casas. Somente muito depois é que a festa foi para o templo. Originalmente o celebrante era o chefe da família.

5. Certamente a celebração nasceu num misto de alegria pela salvação e a ameaça de um novo cativeiro. A celebração ajudava o povo a não esquecer o passado, a não perder a identidade de fé e a consciência de sua de sua missão como povo. Ao mesmo tempo, ela servia de combustível para impulsionar na caminhada pela liberdade e vida plena.

6. A festa da Páscoa é animadora e orientadora da luta e interesses do povo na busca de ser fiel a Deus; no esforço para a observância do projeto de Deus; na luta pela posse da terra e acesso aos meios de produção. Portanto, a festa da Páscoa não é neutra.

7. A celebração da Páscoa dramatiza a história e revela o rosto de Deus. Javé é um Deus diferente, porque ouve o clamor dos que sofrem e os tira do sofrimento. Resgatar o sentimento da Páscoa, hoje, é trabalhar pelo bem-estar, saúde, alegria das pessoas; é salvar os famintos de sede e fome de justiça e da graça de Deus.


Questões para pensar:

a) O que há de semelhante entre a Páscoa bíblica e a nossa comemoração hoje?

b) Que sentido tem a Páscoa para nós, hoje?