25 julho, 2006

A Letra Escarlate

Lembro-me de ter sido apresentado ao filme protagonizado por Demi Moore no período da Faculdade, e com um um objetivo claro: pensar sobre o fundamentalismo religioso e seus desdobramentos durante a colonização americana, no começo do século XVII.

Já faz muito tempo, mas recordo que a trama se passava no contexto de uma pequena comunidade de colonos trabalhadores e, acima de tudo, cristãos zelosos.

Oficialmente, a letra, a condenação, veio porque uma senhora casada, que acreditava estar viúva, se apaixonou por um Pastor solteiro, envolvendo-se com ele, a ponto de esperar um filho seu. Contudo, o contexto daquele drama romântico é o de uma sociedade absurdamente conservadora e, especialmente, fundamentalista.

Assim como o casal adúltero não acertou na medida de seus sentimentos, a comunidade não acertou na medida do zelo. O fogo do desejo foi proporcional ao ardor do cuidado religioso. As duas partes se equivocaram, exageraram e pecaram.

Isto é bastante incômodo, porém, necessariamente preocupante! A religiao também mata! Nao é só a letra, que naquele caso era um sinal de vergonha e pecado, mas o legalismo pelo legalismo, sem contexto e por pretexto é uma ameaça grave à liberdade, ao pensamento e, inclusive, à vida!

Quantas fogueiras foram ateadas naquele tempo em nome da religião. Quantas “bruxas” surgiram do preconceito e do desrespeito ao pensamento alheio! Mais que queimar a carne e o sangue de seres humanos, o que se tentava era ditar normas, padrões, para a espiritualidade alheia! Em nome de Deus, a essência de Deus foi aviltada. Em nome da fé, os frutos da fé, que são a tolerância, a irmandade, a igualdade, o amor, a fraternidade, foram abafados por quem se fez verdade, se fez Deus, acima do bem e do mal!

O interessante foi notar que toda a discriminação e o despreso vividos por aquela personagem nasceram em corações simples, desavisados, mas, absurdamente tomados pelo fundamentalismo religioso!

Admiro a religião daquela gente! Eles eram sérios, preocupados! Mas não se deixaram atingir pela humildade de entendimento de quem se reconhece de alguma forma pobre, falivel e pecador, portanto, desaltorizado a julgar o próximo, ainda mais, a considerar-se mais puro, mais honesto ou mais verdadeiro do que o outro!

É lamentável quando a religião passa a ditar regras, especialmente quando o poder ou o não poder é fruto de uma única interpretação. É aí que a liberdade tem sua utilidade, porque a liberdade visa exatamente equilibrar as verdades, diversas por natureza. Existem temas que nunca terão um senso comum! As contradições precisam de paciência, de liberdade e de respeito!

Quando se rompe esse equilíbrio mágico entre o respeito e o pensamento, a liberdade e a ética, então a convivência e a unidade se abalam!

A religião é um campo vasto demais para comportar a unanimidade! Por isso, talvez, buscar a unanimidade em certos assuntos, é correr atrás de vento, ou pior, desencadear verdadeiras tempestades!

Tenho medo das mordaças, das correntes e de todas as formas de prisão! Do toque de recolher e de todas as formas de AI 5! Esses processos começam sorrateiros, de proibição em proibição! Pra mim, falam muito alto as palavras de Paulo: “Para a Liberdade foi que Cristo (me) libertou”! Aleluia!

O certo é que a mulher foi sentenciada, humilhada, discriminada, odiada! O seu meio eclesial a condenou. No pior momento de sua vida, quando ela estava exposta e abandonada, lhe faltaram amigos, abraços, fraternidade, solidariedade. Qual o motivo? Existiam normas, conceitos, pensamentos, que julgavam mais que perdoavam, zelavam mais que entendiam, puniam mais que ouviam!

É patético! “O medo venceu a esperança”! O medo de não ser pecador como a pecadora, de ser considerado amigo de uma promíscua, de ser próximo de alguém que errou, venceu a esperança de um perdão, de um recomeço, de uma nova vida, da renovação de velhas amizades, e de uma nova forma de ver a vida, e de uma vida em comum!

Isto acontece quando existe intolerância, afastamento, falta de discernimento, de liberdade de pensamento. Mas, especialmente, isto acontece quando um se considera mais ou melhor, ou mais correto, ou mais entendido, sábio ou esclarecido que o outro, fazendo nascer os guetos, os partidos... Hitlher X Judeus, Brancos X Negros, Judeus X Mulçumanos, Ricos X Pobres, Militares X Comunistas, Conservadores X Liberais, Sem-Terras X Fazendeiros... e por aí vai!
Dos males, o menor. A mulher não morreu, mas teve que partir, deixar sua comunidade... como uma fugitiva, desprezada e ignorada.

Bom, mas eu nem sei porque tanta poderação! Aquilo era somente um filme! Uma ficção, baseada no século XVII! Isto não existe mais!

Rev. Nilson da Silva Júnior
Pastor Metodista em Cândido Mota - SP
5ª Região Eclesiástica
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