02 setembro, 2006

A pobreza da mente e de coração

Uma pessoa cheia de idéias, conceitos, opiniões e convicções não pode ser um bom anfitrião. Não possui espaço interior para ouvir, abertura para descobrir o dom do outro. É fácil ver como "aqueles que sabem tudo" matam uma conversa e evitam o intercâmbio de idéias. Como atitude espiritual, a pobreza da mente é disposição crescente para reconhecer a incompreensibilidade do mistério da vida. Quanto mais maduros, tornamo-nos mais capazes de deixar de lado nossa inclinação de pegar, agarrar e compreender a totalidade da vida e de deixar que a vida entre em nós.

A preparação para o sacerdócio pode oferecer um bom exemplo disso. Para nos prepararmos para o sacerdócio, devemos prepararmo-nos para o não saber articulado, uma docta ignorantia, uma ignorância ilustrada. Para pessoas que pensam em termos de dominar e controlar o mundo, isso é muito difícil de aceitar. Queremos ser educados para que possamos controlar a situação e fazer com que as coisas aconteçam de acordo com nossas necessidades. Mas a educação para o sacerdócio não é uma educação para dominar Deus, mas para ser dominado por ele. (...)

[A] ignorância ilustrada torna possível receber as palavras dos outros e do Outro com muita atenção. Isso é a pobreza da mente. Exige uma recusa contínua de identificar Deus com qualquer conceito, teoria, documento ou evento, evitando dessa forma que homens e mulheres tornem-se sectários fanáticos ou entusiastas e permitindo um constante crescimento em gentileza e receptividade. (...)

Um bom anfitrão não deve ser apenas pobre na mente, mas deve ser também pobre de coração. Com o coração cheio de preconceitos, preocupações, inveja, há pouco espaço para um estranho. Em um ambiente de medo, não é fácil manter o coração aberto para a grande variedade da experiência humana. No entanto, a verdadeira hospitalidade não é exclusiva: é inclusiva e dá espaço para uma grande variedade de experiências humanas. Também nesse caso, o sacerdócio pode servir de exemplo do valor dessa forma de pobreza. Há muitas pessoas que afirmam terem uma experiência religiosa que lhes mostrou o caminho para Deus. Muitas vezes, a experiência tem tal intensidade que a pessoa não consegue compreender que seu caminho não é necessariamente o caminho. Assim como Deus não pode ser "captado" ou "compreendido" por qualquer idéia, conceito, opinião ou convicção específica, também não pode ser identificado com um sentimento específico. (...)

Um coração inchado pode tornar-nos intolerantes. Mas quando nos dispomos a deixar de usar nossa experiência limitada como critério de nossa relaçao com os outros, podemos ver que a vida é maior do que a nossa vida, que a história é maior que a nossa história, que a experiência é maior que a nossa experiência, e que Deus é maior que o nosso Deus. Essa é a pobreza de coração que faz o bom anfitrião. Com ela, podemos receber a experiência dos outros como um presente. Suas histórias podem conectar-se criativamente às nossas, suas vidas podem dar novo significado para a nossa e seu Deus pode falar ao nosso em um revelação mútua. (...)

A pobreza de coração cria a comunidade, pois não é através da auto-suficiência, mas da interdependência criativa, que o mistério da vida se revela a nós.

Henri J. M. Nouwen, Crescer: Os três movimentos da vida espiritual, Paulinas, p. 99-103.