20 dezembro, 2007

UM EM CRISTO - Parte 2

(Rev. John Robert Nelson)

O Novo Testamento tem maneiras diferentes de se referir à Igreja e à sua unidade. Fala através de parábolas e de imagens antes que de maneira prosaica ou direta como algum compêndio de história ou de ciência. Muitos de nós, pretendendo definir a Igreja e a sua unidade, tentaríamos descrever a organização de uma congregação, de denominação, ou falaríamos de sua inter-relação, da espécie de trabalho e de testemunho dado por esses cristãos no mundo. Porém, o Novo Testamento tem muito pouco de tal descrição. Preocupa-se mais com a natureza e a qualidade da relação da Igreja com Jesus Cristo e da mútua relação dos cristãos como pessoas. Por esta razão faz livre uso de muitas figuras de linguagem.

A unidade cristã é antes de tudo unidade da Igreja com Cristo. Os cristãos conhecem Jesus Cristo não como herói sepultado há muito tempo, mas como Senhor vivo e ressurreto. Tal fé na presença contínua do Senhor é atestada em culto, testemunho e vida da comunidade cristã. A existência contínua da Igreja através de muitos séculos, com seus movimentos freqüentes de renovação e de poder, é conseqüência da promessa do Senhor: "Eis que estou convosco todos os dias até a consumação do século" (Mt 28.20).

Os evangelistas e o apóstolo Paulo dão muita importância ao vínculo de unidade entre Cristo e a Igreja. Os quatro Evangelhos apresentam Jesus como o Pastor do fiel rebanho de ovelhas. Esta metáfora é usada freqüentemente no Antigo Testamento, tanto quanto em o Novo. A criação de gado ovino ainda hoje é ocupação muito importante na terra, uma vez chamada Palestina. Os leitores antigos dos escritos sagrados podiam entender imediatamente o poder do pastor sobre seu rebanho, tanto quanto a sua responsabilidade pela segurança e bem-estar do rebanho a ele confiado. Deus mesmo foi lembrado como Pastor no salmo 23, e outra vez no salmo 95.7: "Ele é o nosso Deus, e nós povo do seu pasto e ovelhas de sua mão". Mas em Ezequiel 34.23 é o rei Davi a quem Deus aponta como pastor sobre o seu povo. Nos Evangelhos esse papel é atribuído a Jesus. Como Filho de Deus e Messias, Jesus deu ao título significado distinto e permanente, porque buscou e achou as "ovelhas perdidas da casa de Israel" (Mt 10.6; 15.24; 18.11-14) e deu a sua vida pelas ovelhas (Jo 10.15). Jesus é assim o soberano Senhor da Igreja, tanto quanto o Servo sofredor. A intimidade da relação entre Cristo e a Igreja mostra-se na relação profundamente pessoal entre Ele e seus discípulos fiéis: "Eu conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem a mim, assim como o Pai me conhece a mim e eu conheço o Pai (Jo 10.14-15). Esta comparação do elo entre o Pai e o Filho, com aquela existente entre o Filho e os seus seguidores, faz-nos lembrar o clássico verso referente à união (Jo 17.21), onde a unidade dos cristãos é comparada àquela de Deus, o Pai, com o Seu Filho.

Na experiência humana as relações mais íntimas conhecidas são as existentes entre marido e mulher. Contudo há exceções: quantas vezes os casais não se isolam um do outro, pela suspeita, inveja, ou desafeição. Relações entre os membros da família, ou de bons amigos, podem ser estreitamente chegadas, não obstante o laço humano que é normalmente o mais íntimo, é o do casamento. O ensino bíblico assegura que o homem e a mulher crescem em unidade tão perfeita em amor que eles podem quase ser olhados como uma só pessoa. Aceitando-se este ponto de vista a respeito da união matrimonial, o escritor da Carta aos efésios declara que Jesus Cristo é o noivo e a Igreja a sua noiva, a quem ama e por quem se deu a si mesmo (Ef 5.23-27). Na verdade a união entre Cristo e a Igreja é tão íntima, que é esta união que deve ser tida como padrão e ideal para o casamento humano.

Outra metáfora sugestiva empregada por João é a da videira e seus ramos (Jo 15.1-8). À primeira vista parece antes impessoal, mas a sua propriedade e significado são inequívocos. Mais uma vez, Jesus escolheu, como imagem de si mesmo, alguma cousa conhecida de todos num país vinícola. A videira completa inclui todos os seus galhos. Todavia, cada ramo tem a sua identidade própria, vive da fonte da vida que é videira e faz a sua contribuição à totalidade da árvore. Se ela é sã, produz uvas, se é estéril (veja Mt 7.16-20), é cortada e lançada ao fogo. As palavras essenciais em João 15 são estas: "permanecei em mim, e eu permanecerei em vós" (v. 4). Aqui está a exortação e a promessa que apontam para uma unidade sem fim entre Jesus Cristo e a sua Igreja.

O apóstolo Paulo dá ênfase a essa relação com numerosa repetição da frase "em Cristo", "com Cristo" e "Cristo em mim". Paulo declara: "Se alguém está em Cristo, é nova criatura" (II Co 5.17). Ensinando qual o significado mais profundo do batismo, escreve: "Porque se fomos unidos com ele na semelhança da sua morte, certamente o seremos também na semelhança da sua ressurreição" (Rm 6.5). Em alegre testemunho da realidade de sua fé, Paulo parece gritar através das palavras escritas: "Já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim" (Gl 2.20). Por certo, Paulo foi homem que experimentou a verdade contida na promessa de Jesus: "Permanecei em mim, e eu permanecerei em vós" (Jo 15.4).

As palavras de Paulo acerca desta íntima relação de Jesus Cristo não são semelhantes àquelas de místico não-cristão. Estar "em Cristo" não significa ter experiência emocional e exaltada da presença de Cristo; nem Paulo escreveu acerca de um único sentido místico dessa identidade com Cristo. Sempre, e em primeiro lugar, no ensino de Paulo estava toda a comunidade cristã, a Igreja. O cristão não pode simplesmente separar sua fé em Jesus Cristo de sua relação de membro da comunidade cristã. O cristão é inevitavelmente membro do povo de Cristo. Assim de acordo com o ensino de Paulo, corretamente entendido, a pessoa que está "em Cristo" é aquela que está "na Igreja".

Entender bem o que quer dizer "em Cristo" tem muita importância para aprender o significado da união da Igreja com Cristo. Da Igreja como um todo, pode ser dito, como Paulo disse de si mesmo: "Já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim". Esta unidade entre o Senhor e seu Povo é essencial à vida e à natureza da Igreja.

Isto é verdade a respeito da Igreja em cada uma de suas formas terrenas. Quer a congregação adore na simplicidade de uma igrejinha de pau-a-pique e coberta de sapé, quer adore no esplendor de uma grande catedral de pedra mármore, é Igreja tão-somente na proporção de sua unidade em Cristo. Quando Inácio de Antioquia, mártir do segundo século, escreveu aquelas famosas palavras — "Onde Cristo está, aí está a Igreja universal" — simplesmente procurava interpretar a promessa que Jesus fez: "Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou no meio deles" (Mt 18.20).

Ao passo que unidade cristã é união entre o Senhor vivo e a Igreja na sua totalidade, é também união de pessoas crentes entre si. Esta é a outra única maneira de expressar os dois grandes mandamentos de Jesus — amar o Senhor Deus acima de todas as cousas, e o próximo como a si mesmo. Seria impossível protestar contra estes dois mandamentos. A maior parte dos povos está pronta a aceitá-los como preceitos ideais para a vida, seja ele cristão ou não seja. Contudo, como todos sabem pela própria experiência, é mais fácil aceitar um preceito que vivê-lo. O apóstolo Paulo expressou o sentido universal de frustração e derrota, quando afirmou: "O querer o bem está em mim, não, porém, o efetuá-lo" (Rm 7.18). Ele parece em desespero com medo de não poder cumprir a lei de Deus, contudo, noutra parte exulta: "Graças, porém, a Deus que em Cristo sempre nos conduz em triunfo" (II Co 2.14), "pois o amor de Cristo nos constrange" (II Co 5.14).

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(*) Esse texto é parte do primeiro capítulo do livro "UM SÓ SENHOR, UMA SÓ IGREJA", escrito por John Robert Nelson (um cristão metodista dedicado ao Ecumenismo, aos Direitos Civis, ao Ensino e à Bioética) e publicado em português no ano de 1964 pelo Centro Cristão de Literatura da Confederação Evangélica do Brasil e publicado em dezembro de 2007 no site da Igreja Metodista de Vila Isabel, Rio, Brasil.

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