04 novembro, 2008

Da fraqueza ele tirou força... A teologia da esperança de Jurgen Moltmann (Suzel Tunes)

“Em tudo somos atribulados, porém não angustiados; perplexos, porém não desanimados; perseguidos, porém não desamparados; abatidos, porém não destruídos... “ 2 Coríntios 4.8-9.

Diante de Deus e dos homens e mulheres por Ele criados, diante do Amor Divino por todas as pessoas que sofrem no mundo, nós simplesmente não temos o direito de desistir. Este foi, para mim, o sentimento mais profundo deixado pela visita do teólogo alemão Jürgen Moltmann ao Brasil, o mundialmente conhecido autor da obra “Teologia da Esperança”. Após uma entrevista coletiva e duas palestras com o teólogo de 82 anos de idade e muitos anos de uma teologia vivida na prática da justiça e do amor de Deus, muitas palavras poderiam ser ditas. Cada pessoa presente na Semana de Estudos Teológicos promovida pela Universidade Metodista pode ter trazido consigo uma nova idéia, um novo sentimento, um novo aprendizado nascido das palestras do convidado especial e dos grandes teólogos que com ele dialogaram: Rui Josgrilberg, Jung Mo Sung, Milton Schwantes e Oscar Beozzo. Foi uma verdadeira festa para a mente e o coração dos que buscam alimentar a esperança.

“Uma Igreja que pensa apenas em salvar almas e se desconecta da realidade não tem futuro, só tem passado”, disse Moltmann na entrevista coletiva. Mas o que os cristãos e cristãs podem fazer diante de um cenário religioso marcado pela alienação, pelo individualismo e pela intolerância? – perguntei.“Levantar e lutar!” -- foi a resposta incisiva, mas dita com um sorriso simpático. Aprendi com Moltmann que a resistência é fruto da esperança. E a resignação é um sinal de morte, e fruto do pecado. Pecado? Sim, Moltmann associa apatia ao pecado pois, para ele, o pecado não é simplesmente uma falha moral, mas o distanciamento do Deus da Vida – é, portanto, a morte em vida. “Uma pessoa pode se tornar tão apática e indiferente que não é mais capaz de sentir nada: nem alegria, nem dor. Então não se vive mais, torna-se como que um morto-vivo”. Recordando um ensinamento de Cristo, pecado não é apenas o mal que fazemos, mas o bem que deixamos de fazer, diz ele. Portanto, é também, a “indolência do coração”, a “tristeza dos sentidos”, a apatia que nos torna mortos vivos incapazes de praticar o bem. Ele disse: “Deus espera muito de nós, mas confiamos pouco em nós mesmos”.

Para o teólogo, muitos milagres estão ocorrendo em nossos dias. O fim do stalinismo, o fim do apartheid, a queda das ditaduras na América Latina e, nesse momento, o fracasso do modelo capitalista neoliberal. Ele espera que, agora, o mundo seja capaz de desenvolver um capitalismo social no qual o Estado esteja mais presente na regulamentação dos processos econômicos e sociais. “Estamos na Alemanha tentando desenvolver uma economia de mercado social e ecológica, a fim de que o mercado seja mais humano – e não que o ser humano seja sacrificado ao mercado”, diz ele. “Há muitas oportunidades para desenvolver um mundo mais justo e mais livre. E os cristãos podem contribuir muito para isso”. Só que a maioria dos cristãos está esperando o céu, não um mundo de justiça, lamenta Moltmann. “A maioria das pessoas acredita que ser espiritual é apenas orar. Sim, nós devemos orar e ficar atentos. Em vez de fecharmos os olhos, abri-los à realidade”.

O que ele chama de realidade consiste em realidade e potencialidade. O que vivemos hoje traz embutido um futuro de possibilidades. O presente é a linha limítrofe na qual as possibilidades se realizam – ou são desprezadas. E isso depende de nós. Mas, como percebemos as nossas possibilidades? Segundo o teólogo, pela nossa capacidade criativa, imaginação, coragem e esperança. “Para viver com esperança é preciso desenvolver o senso de possibilidade. Então podemos transcender nossa realidade e alcançar o reino das possibilidades”. Ele lembra que as promessas divinas entram constantemente em contradição com a realidade vivida. Mas depois da cruz, vem a ressurreição. “A esperança cristã não é otimismo. A esperançanos conforta e nos habilita a resistir. Não capitularmos, mas nos mantermos de pé. Nos mantermos insatisfeitos e inquietos com o mundo injusto”.

Se a apatia é sinal de morte e fruto do pecado, é na esperança que a razão humana encontra o despertar dos sentidos. “Assim como na experiência de uma grande tristeza nossos sentidos se apagam e não podemos mais ver qualquer cor, ouvir nenhum tom e perceber o paladar, parecendo mortos-vivos, assim também se abrem os nossos sentidos novamente quando respiramos o amor de Deus. Nós vemos de novo este mundo multicolorido, nós ouvimos novamente melodias, recuperamos nosso paladar e todos os sentimentos. Somos tomados por uma grande aceitação da vida, aceitação do Espírito vital divino”, diz Moltmann.

Para o desenvolvimento desta nova vida, precisamos nos movimentar em Deus e precisamos que Deus more em nós. Essa morada de Deus na terra é promessa bíblica, descrita no Apocalipse por meio da imagem da “Jerusalém divina” que desce sobre a terra. “Por conta dessa Shechinah de Deus, tudo precisa ser recriado e preparado. Então serão enxugadas todas as lágrimas, o sofrimento e pranto vão passar e a morte não existirá mais (Ap.21.5).Mas Moltmann disse também, citando 2 Pedro 3.12, que devemos “aguardar e apressar” o futuro de Deus. Aguardar énão se conformar às condições de injustiça e não reconhecer as forças daquilo que é factual. “Aguardar significa nunca se resignar, nem entregar-se a si mesmo”. E apressar é superar a realidade presente e antecipar o futuro do novo mundo de Deus exercendo a justiça concretamente no cotidiano.

Em seu comentário, o professor Jung Mo Sung, coordenador do Programa de Pós Graduação da Umesp, disse, emocionado, que shechinah era o conceito que o teólogo Hugo Assmann vinha estudando em seus últimos dias de vida. “É a mística de Deus que faz morada em nós. Deus é aquele que habita nas tendas, não em templos ou em grandes palácios revolucionários. É um Deus que não tem morada fixa, mas habita conosco”.

Uma teologia vivida

A segunda palestra de Moltmann, na manhã de sexta (31/10) teve como introdução a leitura do belíssimo texto bíblico que começa em Hebreus capítulo 11, versículo 30, e segue até o versículo 3 do capítulo 12. Lendo este texto, fica mais fácil entender a teologia da esperança de Jürgen Moltmann. Destaco três versículos:

Portanto, também nós, visto que temos a rodear-nos tão grande nuvem de testemunhas, desembaraçando-nos de todo peso e do pecado que tenazmente nos assedia, corramos, com perseverança, a carreira que nos está proposta, olhando firmemente para o Autor e consumador da fé, Jesus, o qual, em troca da alegria que lhe estava proposta, suportou a cruz, não fazendo caso da ignomínia, e está assentado à destra do trono de Deus. Considerai, pois, atentamente, aquele que suportou tamanha oposição dos pecadores contra si mesmo, para que não vos fatigueis, desmaiando em vossa alma. Hb 12.1-3

A palestra da manhã foi um testemunho de vida e fé. Da vida de um menino de 16 anos que foi tirado da sala de aula para combater na II Guerra Mundial e viu seu colega ser esfacelado por uma bomba. Da fé de um jovem que descobriu no Cristo Crucificado o amigo que entendia o seu próprio sofrimento e o resgatou da morte para a Vida.

Moltmann viu sua cidade natal, Hamburgo, ser incendiada. Foi prisioneiro de guerra de 1945 a 1948. No sofrimento, encontrou Cristo e passou a se dedicar aos estudos teológicos. “Naqueles dias, o abandono de Cristo na cruz me mostrou onde Deus está presente, onde ele estava naquela noite de chamas em Hamburgo e onde ele estará ao meu lado, aconteça o que acontecer no futuro. Esta convicção não tem me abandonado até hoje”.

Gentil, Moltmann disse que sua teologia é tão bem acolhida na América Latina, que parece que os teólogos latino-americanos o entendem melhor do que ele mesmo. Eu não chegaria a tanto. Mas os autores da letra da canção abaixo, que foi entoada durante a Semana, certamente entenderam o recado do teólogo:

Cantos p’ra viver

[Letra: Simei Monteiro; Música: Flávio Irala e Tércio Junker]

Cantos pra viver,
Forças pra cantar,
Espalhar sementes
Sobre nosso chão.


Amparar [n]a dor,
Não cortar a flor,
Crer que a primavera
Sempre voltará.


Vendo essa gente que dança e ri,
Que não desiste mas vai lutar,
Renascemos pra esperança,
Renascemos pra viver.


Vendo a Jesus que sofreu por nós,
Que fez da morte ressurreição,
Renascemos pra esperança,
Renascemos pra viver.