04 setembro, 2006

Fui Fundamentalista Carismático

Por: Derrel Santee

Quando digo para meus amigos que fui fundamentalista eles não acreditam. Mas é verdade! Foi assim:

Aos 16 anos de idade, durante uma série de conferências evangelizantes fui ao altar de arrependimento na Igreja Metodista na vila perto do sítio onde eu morava e aceitei Jesus como meu Salvador. Senti uma transformação na minha vida e as minhas primeiras instruções foram feitas na linha fundamentalista. Alguns meses após a conversão eu ouvi uma pregação me informando que não era suficiente só aceitar Jesus. Para ser um crente completo eu precisava também a “segunda bênção”, o batismo pelo Espírito Santo.

Outra vez eu me encontrei no altar pedindo o Batismo do Espírito e senti o chamado para ser pastor evangelista. Passei a pertencer ao Movimento “Holiness” (Santidade) que naquela época seria equivalente ao movimento carismático no Brasil atual. As diferenças eram apenas culturais.
O movimento santidade julgava ser a elite espiritual do mundo. Achava que nós éramos os verdadeiros eleitos de Deus. Todos os outros estavam errados. Achávamos que a maior parte das igrejas estava longe de Deus. O mundo era do satanás e precisávamos evitar a contaminação, ficando longe das tentações do mundo e da influência das igrejas frias e apóstatas. Nós estávamos acuados com Deus em nosso mundo pequeno enquanto satanás tomava conta da maior parte da terra. A verdade estava conosco e não havia espaço para diálogo.

Fiz faculdade no Asbury College, o reduto do movimento santidade (Holiness Movement). Passei quatro anos de lavagem cerebral, aprendendo dos erros dos outros e reforçando os conceitos fundamentalistas. Entre muitas outras coisas aprendi que as palavras “liberal” e “católico” eram palavras feias e que não se deve questionar doutrinas ortodoxas. Fui ensinado a odiar, desconfiar e desprezar aqueles que pensavam diferente. Fomos incentivados a espalhar a “santidade” para o mundo inteiro. Senti o chamado para ser missionário.

O problema de eu ser missionário e pastor era ser credenciado pela Igreja Metodista e eu me sentia metodista! O Seminário Asbury havia perdido seu credenciamento pela Igreja Metodista por causa de escândalos internos. Optei pelo seminário metodista mais conservador para evitar no máximo a contaminação dos “malditos liberais”. Sendo um bom fundamentalista, fiz o curso, não para aprender o que o seminário queria oferecer, mas ganhar o diploma para ser ordenado presbítero e ser aceito pela Junta das Missões da Igreja Metodista. Deu tudo certo. Cheguei ao Brasil com meu fundamentalismo intacto.

Meu relacionamento com Brasil foi de “amor a primeira vista”. Um novo mundo foi aberto e comecei perceber que a minha cultura “inglesa” precisava estar aberta para a cultura latina. Comecei aprender ouvir e mudar meu jeito de ser de acordo com a nova realidade. Mas fiquei firme na minha convicção religiosa.

Muitos fatores contribuíram para a minha mudança de postura teológica e desenvolvimento espiritual. Os meus pais me deixaram uma herança muito forte de honestidade, sinceridade e respeito. Isto me ajudou a enxergar a hipocrisia, a arrogância, a incoerência e a intolerância das pessoas que mais professavam a santidade e a unção do Espírito.

Outro fator foi o meu aprofundamento na espiritualidade dos ensinamentos e ministério de Jesus. Eu comecei ver que o orgulho e hostilidade dos “crentes santos” estavam muito em contraste com a humildade e amor de Jesus. Comecei perceber que o ódio religioso não tinha respaldo no ministério e ensinamentos do Mestre.

Aos poucos cheguei a perceber que com os lábios falavam da graça e do amor, mas a prática era legalista e condenatória. Jesus nunca se preocupou em ocupar o poder institucional e manipular os outros. Em contraste, o movimento fundamentalista carismático faz jogadas políticas para ganhar o poder institucional e impor a sua agenda. Jesus nunca colocou crença em dogmas e doutrinas como condição de aceitação. Ele se aproximava de todos que foram rejeitados e marginalizados pela liderança religiosa da sua época: as prostitutas, os impuros, os samaritanos, os estrangeiros, os publicanos e de todos os tipos de pecadores. A sua única condenação era dos hipócritas que condenavam os outros. Achei melhor admitir as minhas falhas e confiar na graça divina do que pertencer este grupo que impunha muitas exigências como condições e assim anulava a graça.

Ainda mais, cresceu a minha consciência da presença de Deus, não somente em mim, mas em toda a sua criação. O único poder que satanás tem é aquele que nós entregamos a ele. Satanás somos nós quando fugimos da cruz e entramos no jogo do poder. Jesus chamou Pedro de “satanás” quando Pedro disse a Jesus que ele (Jesus) não deveria ir a Jerusalém para ser crucificado. O jogo do poder é satânico, mesmo sendo feito em nome de Deus, Jesus ou do Espírito Santo. O fundamentalismo mundial das religiões monoteístas está colocando o mundo em caos com a promoção de guerras, terrorismo, perseguição religiosa e étnica e “caça as bruxas”. Satanás é o próprio ser humano quando sai do amor e põe em prática seu egoísmo. Nós estamos vendo este fenômeno em toda a parte, tanto no cenário político e econômico como no religioso. O mal é um fenômeno humano, mas os homens não querem aceitar a sua culpa e fazem de tudo para jogá-la nos outros. Mesmo assim, Deus está presente em toda sua criação e exercendo a graça e o amor apesar da resistência humana. Deus é tão grande que os homens não conseguem anular a Sua Bondade.

Sendo a fé fundamentalista combativa, intolerante e fechada a diálogo, houve muita reação de hostilidade violenta contra os dois artigos escritos por mim sobre a atuação carismática no 18º Concílio Geral da Igreja Metodista. Não chegou a mim nenhuma apresentação de dados contrários sugerindo outras conclusões. No lugar de lidar com dados apresentados, a reação foi de agressões pessoais. Eu, como estrangeiro, não tinha o direito de fazer comentários críticos sobre os acontecimentos do Concílio. Porque não volto à minha terra para fazer criticas lá desde que eles são piores do que nós? Não vi nenhuma tentativa de analisar meus argumentos.

Eu gostaria de estar errado nas minhas conclusões, mas as reações eram manifestações eloqüentes da veracidade dos dados apresentados. Estou aposentado e fora do alcance de represálias políticas e econômicas da igreja a qual pertenço (sou presbítero aposentado da 5ª RE com 41 anos de serviço), mas receio pelo futuro daqueles dentro da instituição que tem opiniões divergentes dos que agora ocupam o poder. Eles são vulneráveis a pressões e represálias.

Oro por eles e por aqueles que exercem o poder que seja com amor e moderação.


Derrel Homer Santee
Campinas, 3 de setembro de 2006