Vocacionados para a unidade
Por: Fernando César Paulino-Pereira(1)
Aplicabilidade Pastoral de Efésios 4, 1-6
1. INTRODUÇÃO EXEGÉTICA(2) (Efésios 4, 1-6)
(1) Rogo-vos, pois, eu, prisioneiro no Senhor, que andeis de modo digno da vocação a que fostes chamados, (2) com toda humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor, (3) esforçando-vos diligentemente por preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz: (4) Há somente um corpo e um Espírito, como também fostes chamados numa só esperança da vossa vocação; (5) há um só Senhor, uma só fé, um só batismo; (6) um só Deus e Pai de todos, o qual é por todos e está em todos.
Muitos exegetas concordam atualmente que a Carta aos Efésios não é obra de Paulo, mas de um discípulo seu, representante da Segunda geração. Embora não haja, no conteúdo de Efésios, qualquer pensamento que não pudesse ser considerado Paulino, percebe-se nitidamente que os acentos são outros, que há um desenvolvimento que vai além de Paulo.
Efésios se constitui num tratado teológico com intenção didática, ao qual se deu a forma de uma carta. De 4, 14 se depreende que reina muita insegurança nas comunidades pós-paulinas. O autor de Efésios que, com seu tratado didático, trazer orientação para dentro dessa situação de insegurança e identificação.
Para isso, divide o tratado em duas grandes partes. Após a saudação (1, 1-2), temos, de 1, 3 à 3, 21, a primeira parte, que é doutrinal. Fala da Igreja, que se baseia na morte e ressurreição de Jesus, que une gentios e judeus num só corpo, e que desenvolve, pois, uma eclesiologia apostólica.
A Segunda parte, 4, 1-6, 20, é parenética. Da eclesiologia apresentada na primeira parte, são tiradas aqui conseqüências éticas.
Nossa perícope se encontra no bloco que introduz a Segunda parte, parenética, de Efésios 4, 1-16. Os versículos 1-6 tratam da unidade do corpo de Cristo; os versículos 7-16 falam da multiplicidade dos serviços que contribuem para a edificação desse corpo. Ambos os trechos estão intimamente ligados.
A perícope 1-6 está estruturada em duas partes:
1-3 exorta à atitudes bem concretas para a preservação da unidade cristã,
4-6 fundamenta teologicamente tais exortações.
A tradução de Almeida pode ser considerada adequada, dispensando uma versão própria. Outras traduções como "A Bíblia na Linguagem de Hoje", a "Bíblia Edição Pastoral" e a "Bíblia de Jerusalém", deixam a desejar por não serem suficientemente precisas.
V. 1: A expressão "rogo-vos" expressa um pedido insistente, uma reivindicação decorrente de algo anteriormente acontecido (como em Rm 12, 1). As exortações éticas dos capítulos 4-6 se baseiam no evento salvífico desenvolvido nos capítulos 1-3. O autor de Efésios recorre à autoridade de Paulo, acentuando a sua condição de prisioneiro no Senhor. Neste apelo inicial, estão resumidas as exortações que seguem os outros versículos. "Andar" designa a conduta, o comportamento das pessoas em todos os âmbitos da vida. O comportamento dos cristãos deve ser conseqüência de e corresponder a essa vocação, a esse novo estado em que se encontram, como gentios atingidos pelo evangelho.
V. 2: Aparecem aqui conjuntos de exortações que falam de virtudes imprescindíveis para uma vida em comum numa comunidade cristã: Humildade - só a Bíblia vê a humildade como uma atitude positiva; Mansidão – é uma atitude de amizade, adequada para se lidar com os rebeldes ou com os que andam em erro; Longanimidade – que pode ser traduzido por paciência, o oposto seria a atitude daquele que é irascível e explode em impulsividade; Suportando-vos uns aos outros em amor – em amor pode-se permitir que os outros sejam diferentes de nós ou de nossas concepções.
V. 3: É preciso empenhar-se ativamente, com zelo, e isso, não para criar uma unidade, que seria então uma obra e uma atitude de pessoas, mas para preservar uma unidade que já fora dada, na própria origem da Igreja, através do Espírito.
Vv. 4-6: Esta Segunda parte da perícope desenvolve aquela unidade que é concedida anteriormente e que está na origem da comunidade cristã, a unidade que é a razão de ser da exortação dos vv. 1-3. O Espírito de Deus, que atua na Igreja, e a esperança dos cristãos também são elementos constitutivos da comunidade.
Os cristãos gentios de Segunda geração, que vivem num clima de insegurança teológica e comunitária, são exortados a uma vida em autêntica comunidade, assim preservando e nutrindo-se da unidade teológica que está na própria origem da Igreja.
2. VOCACIONADOS PARA A UNIDADE
Podemos definir unidade por: qualidade do que é um, ou único, ou uniforme. Aquilo que em um conjunto ou espécie forma um todo.
Ser unido não significa ser idêntico em tudo. Antes de sermos cristãos somos Seres Humanos: uns são homens, outras mulheres; uns são jovens, outros idosos; uns são brancos, outros negros; uns são heterossexuais, outros são homossexuais, etc.. Ainda assim somos todos Seres Humanos. Somos uma espécie – formamos um TODO, mas cada qual com suas características próprias. Formamos uma unidade: A Humanidade. Um conjunto de pessoas distintas que forma um todo.
Na Igreja "corpo de Cristo" dá-se o mesmo: Somos um corpo – corpo místico de Cristo; mas cada qual com suas características. Somos "Cristãos": um grupo de pessoas distintas, com características distintas, com pensamentos diferentes, mas que forma um todo – "O Corpo de Cristo", "Os Cristão".
Temos algo em comum: uma só fé, um só Senhor, um só Batismo. Estas são coisas que nos unem. São características gerais – dentro das quais há características específicas: uns são Metodistas, outros Luteranos; uns são Católicos Romanos, outros Anglicanos; uns são Batistas, outros Ortodoxos; uns são Pentecostais, outros Presbiterianos; etc.. Mas todos Cristãos.
Mas quais são os benefícios da unidade?
A unidade é a vocação para a qual fomos chamados por Deus. Ele nos chama a sermos uma unidade, a sermos unidos. Esta é a vocação: viver a unidade. Unidade que une: Gentios e Judeus, Cristãos e Não-Cristãos.
Ter unidade é fortalecer o conjunto – manter o equilíbrio. Se lembrarmos da imagem do Corpo em 1 Coríntios 12,12-27 temos um bom exemplo de unidade: no corpo um é mão, outro é pé, outra é boca, outros são nariz – cada qual com uma função. Se todos estão bem, o corpo todo está bem. Se um vai mal, todos os outros não poderão estar bem. Um não pode desprezar o outro, pois se todos fosse uma só coisa (parte), tão pouco seria um corpo.
Essa é a vantagem de ter unidade: fortalecer o conjunto para que ele mesmo possa cumprir sua tarefa – sua missão.
Se todo o Corpo de Cristo está unido, o Reino de Deus pode, efetivamente, se fazer presente em nosso meio. Pois o Reino é como o Corpo de uma mulher grávida: um corpo que espera "um" que, todavia não está, mas, que já "é". Assim somos nós os cristãos com relação ao Reino - já somos participantes do Reino, mas ainda não estamos nele.
Mas como alcançar a unidade?
Para alcançarmos a unidade há caminhos pelos quais devemos transitar: Humildade, Mansidão, Paciência e Suportar uns aos outros em amor.
Humildade: não é, pois, uma atitude que se curva em subserviência e submissão, mas que vê no outro o objeto do amor de Deus. A carta aos Filipenses nos traduz muito bem o significado da humildade - "não façam nada por rivalidade ou orgulho, mas por humildade, considerando cada um dos outros superiores a si mesmo" (Fp 2,3).
Mansidão: É uma atitude de amizade, gentileza, tranqüilidade, brandura, afabilidade. É uma atitude atribuída ao próprio Jesus – "Tomai sobre vós meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração" (Mt 11,29).
Paciência: Sinônimo de tolerância, perseverança. Ser paciente é ser tolerante com o diferente, ser tolerante com o distinto. Ser perseverante – não desistir, olhar sempre adiante. Não ser impulsivo, ou irracional.
Suportar uns aos outros em amor: Por amor, pode-se permitir que os outros sejam diferentes de nós, ou de nossas concepções. Suportar pode ser também: "Ser Suporte", "Sustentar". Sustentar para que o insuportável se converta em suportável. Sustentar é ato de amor: e com amor tudo se pode.
Percorrendo estes caminhos alcançaremos a unidade. Unidade do Corpo de Cristo. Unidade do Povo de Deus.
(IN)CONCLUSÔES
A guisa de conclusão, achamos pertinente deixar algumas questões para reflexão a partir do texto acima.
Como temos vivido a vocação para a qual fomos chamados?
Com humildade? Com mansidão? Com paciência? Suportando uns aos outros em amor?
Até que ponto temos vivido a Unidade do Corpo de Cristo?
Estas são questões que valem a pena ser refletidas pela comunidade, por cada um de nós cristãos a fim de que: sejamos unidos assim como o Cristo e o Pai também o são.
BIBLIOGRAFIA
A BÍBLIA DE JERUSALÉM, São Paulo, Ed. Paulinas, 1985.
A BÍBLIA NA LINGUAGEM DE HOJE, São Paulo, Sociedade Bíblica do Brasil, 1988.
A BÍBLIA SAGRADA, Traduzida por João Ferreira de Almeida, Edição Revista e Atualizada, Brasília, Sociedade Bíblica do Brasil, 1969.
BÍBLIA SAGRADA EDIÇÃO PASTORAL, São Paulo, Ed. Paulinas, 1990.
KIRST, Nelson. Efésios 4.1-6, In: Proclamar Libertação – Auxílios Homiléticos, São Leopoldo, Sinodal, 1979.
KÜMMEL, Werner G. Introdução ao Novo Testamento, São Paulo, Ed. Paulinas, 1982.
LOCKMANN, Paulo. Efésios, Coleção Estudos Bíblicos, São Paulo, Imprensa Metodista / Exodus Editora, 1996.
LOHSE, EDUARD. Introdução ao Novo Testamento, 3ª Edição, São Leopoldo, Sinodal, 1980.
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(1) Doutor em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Teólogo pela Faculdade de Teologia da Igreja Metodista (FT – UMESP). Docente da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP). Psicólogo do Instituto de Psicologia e Fonoaudiologia: assessoria e relações humanas (IPARH).
(2) Esta introdução exegética é uma síntese reflexiva da Exegese feita por Nelson Kirst, em Proclamar libertação – Auxílios Homiléticos, V. 5, São Leopoldo, Sinodal, 1979.
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