Unidade e pluralidade da Igreja conforme o Novo Testamento
Por: Tony Welliton da Silva Vilhena*
Na obra "Preservando a unidade do Espírito no vínculo da paz"[1], Gottfried Brakemeier argumenta que a "unidade está na raiz do próprio ser da Igreja de Jesus Cristo" (p.12). Para isto, o autor ampara-se na oração sacerdotal de Jesus registrada no Evangelho de São João, capítulo 17, versículo 21, que roga pela unidade daqueles primeiros cristãos para que o mundo se convencesse de que Ele era o enviado de Deus. Então, podemos afirmar que o testemunho ao mundo da presença do enviado de Deus para a restauração da criação está condicionado, mas não limitada, a unidade dos que crêem neste enviado.
Brakemeier ainda cita outros trechos bíblicos que reforçam esta compreensão da busca unidade na fé mesmo num contexto histórico onde divergiam a cultura helênica e a hebraica (Gl 2.11) e onde havia uma grei composta por diferentes visões individuais de mundo (Hb 12.1). Esta busca é chamada por Brakemeier de "pluralidade concêntrica" (p.19) e persiste na unidade na pluralidade centrada em Jesus Cristo. Sendo falaciosa a tese que defende que o cristianismo em sua gênese foi um movimento homogêneo, podemos defender que diante da pluralidade do testemunho dos primeiros cristãos houve um grande esforço para não se perder o foco essencial daquela nova fé: crer que aquele Galileu, chamado Jesus, era o Messias.
Um momento decisivo da vida da Igreja foi o Concílio dos Apóstolos (At 15). O debate estava em torno da controvérsia entre os cristãos-judeus e os cristãos-gentios sobre a circuncisão de não judeus. Ressalta-se o versículo 28 que resume a decisão expressando que "pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não vos impor maior encargo além das cousas essenciais..." [2]. Assim, evitou-se o cisma e a formação de duas Igrejas.
Exemplos de ações que concorrem para a unidade do povo de Deus como este precisam estar em evidência nos discursos ecumênicos dos nossos dias. Pois o ecumenismo, esforço pelo diálogo, pela conciliação e pela unidade dos que crêem diferentemente num mesmo Deus, não pode ser apresentado apenas como uma necessidade de minimizar a tendência ao conflito e à concorrência gestada por sistemas político-econômicos opressores e excludentes, nem ingenuamente uma resposta esperançosa diante do espírito beligerante que ronda o mundo, mas, sobretudo, como um princípio cristão histórico, sem o qual a fé perde propósito e razão.
Geertz [3] afirma que há uma tendência hodierna de fortalecimento do apego aos "pedaços" e "fragmentos" de um mundo estilhaçado após a queda do Muro de Berlim, sendo que a nova ordem mundial é marcada por "um sentimento de dispersão, particularidade, complexidade e descentramento" (p.192). Diante desta conjuntura internacional de tensão étnica e separatista, na qual a religião aparece como pano de fundo dos discursos ofensivos mais inflamados, confesso que ainda estou escandalizado diante da recente decisão do Concílio da minha Igreja (Metodista) de desligar-se dos órgãos de diálogo e conciliação no Brasil.
Esta decisão revela que a concepção de ecumenismo para uma grande parcela de irmãos e irmãs, talvez esta seja a tônica também em outras Igrejas, ainda está tacanhamente emprenhada de preconceitos e desinformação, este é o casamento perfeito para a perpetuação dos domínios políticos. Não obstante, revela também o quanto tem sido curto o alcance das nossas formações enquanto movimento ecumênico, nos provocando a fazer uma mea culpa pelas quantas vezes fizemos da ação ecumênica uma tendência intelectual garantida exclusivamente pelos/as "pensadores/as" das Igrejas.
Pois, somente quando for percebido quanto princípio essencial da vida cristã, o ecumenismo deixará de ser apenas um esforço de lideranças das Igrejas para imiscuir-se no quotidiano do povo de Deus. A prática ecumênica não pode ser mais tratada tão simplesmente como uma opção política, estimulada ou desprezada de acordo com os interesses institucionais de cada Igreja, mas como testemunho basilar da fé cristã, sem o qual a fé torna-se incoerente diante dos ensinamentos de Cristo.
Foi esta coerência que a mulher cananéia cobrou de Jesus e seus discípulos (Mt 15:21-28) quando estes se recusaram a atender seus apelos para que curassem sua filha "miseravelmente endemoninhada". Jesus, no primeiro momento, expressa estar inundado pela visão do mundo etnocêntrica na qual seu próprio grupo ("povo de Israel") é tomado como centro de referência (o grupo dele é tratado como "filhos", o outro grupo como "cachorros") para estabelecer valores, modelos e verdades. Mas depois de ser constrangido pela audácia e sabedoria da mulher cananéia que argumenta que "até mesmo os cachorros comem as migalhas que caem debaixo da mesa de seus donos", Jesus não tem como mais se recusar a curar sua filha e, humildemente, resolve acudi-la. Audácia e humildade são as senhas do milagre.
Que em nossas comunidades possamos vislumbrar a unidade tanto quista por Jesus, elevando nossa reflexão para o que diz Paulo em sua Primeira Carta aos Coríntios, capítulo 12, versículos 3b, 4 e 5, onde está escrito que "ninguém pode dizer: Senhor Jesus!, senão pelo Espírito Santo. Ora, os dons são diversos, mas o Espírito é o mesmo. E também há diversidade nos serviços, mas o Senhor é o mesmo" [4].
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* Graduando do Curso Ecumênico de Teologia - ACER
[1] BRAKEMEIER, Gottfried. Preservando a unidade do Espírito no vínculo da paz. São Paulo: ASTE, 2004.
[2] BÍBLIA SAGRADA. Traduzida em português por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada. São Paulo: SBB, 2ª ed., 1993.
[3] GEERTZ, C. Uma nova luz sobre a antropologia. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.
[4] BÍBLIA SAGRADA. Idem
Tony Vilhena
tonylivre@yahoo.com.br
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