Consulta Teológica reafirma compromisso com os Direitos Fundamentais
Por: Rev. Luiz Caetano Grecco Teixeira, ost
Londrina, CLAI-Brasil
Com a presença de delegados das Igrejas membros, além de delegados dos Organismos Membros, representantes de organizações ecumênicas, coordenações regionais e assessoria, a Consulta Teológica sobre o Direito à Vida Plena, realizada pela Secretaria Regional para o Brasil do CLAI - Conselho Latino-Americano de Igrejas - concluiu a reflexão iniciada a partir dos Fóruns Teológicos realizados em junho passado em Londrina, Recife e São Leopoldo, envolvendo estudantes e professores de Teologia, lideranças das Igrejas, organizações parceiras e observadores da sociedade civil.
A Consulta foi realizada na cidade de Londrina de 27 a 27 de outubro, e foi seguida da Pré-Assembléia da Região Brasil, preparatória para a Assembléia Geral do CLAI a acontecer em Buenos Aires no mês de fevereiro de 2007.
A partir do Documento Síntese dos Fóruns Teológicos, preparado por uma comissão teológica e uma comissão de redação nomeadas pelo Secretário Regional, as delegações das Igrejas aprofundaram os temas abordados, elaborando o Documento Final, constituindo-se assim a contribuição brasileira para a Consulta Teológica Continental sobre a Graça.
Utilizando o método ver-julgar-agir, a Consulta Regional partiu da análise da realidade brasileira quanto à Justiça e a Paz social a partir dos Direitos Humanos, Direitos Ambientais e Direitos Políticos, Econômicos e Sociais (A Vida em meio a Contradições). Tendo como referencia a reflexão teológica sobre a Justificação pela Graça e Fé (A Graça da Vida Plena), a Consulta apresentou uma série de recomendações para a ação das Igrejas brasileiras como parte de sua missão e testemunho (Livres para Agir).
Denúncia Profética: A Vida em meio a Contradições
A Consulta denuncia a idolatria ao "deus-mercado" como a maior manifestação do diabólico em nosso tempo. " O ser humano, a natureza e o Estado são reféns do deus-mercado. Os pobres não interessam a esse deus, e assim são tratados como se não existissem! Essa é a maior manifestação do diabólico em nosso tempo."
O Documento Final afirma profeticamente: "(...) No tempo presente, a dignidade e a integridade humanas se acham constantemente ameaçadas. Os esquemas de poder e dominação hoje são sutis. Eles estão ocultos, não são facilmente reconhecidos, escondem-se por trás de grandes corporações, assim como de sistemas políticos e econômicos e, principalmente, atrás de discursos forjados na comunicação de massa e na ideologia do consumo e do mercado. Alem disso, aqueles que exercem o poder concedido, o fazem como déspotas, opressores, apropriando-se do poder em benefício de si próprios ou de seus aliados, como sempre, traindo a tarefa que lhes é delegada."
Especificamente em relação à América Latina, o Documento Final afirma: "A visão e a pratica dos Direitos Humanos partem das injustiças sociais infligidas à multidão de pobres da América Latina, vítimas de um sistema econômico, político e jurídico indiferente àqueles direitos."
O Documento denuncia os esquemas de dominação para garantir a posse dos recursos hídricos e sua privatização:"... há uma corrida para garantir aos Impérios deste mundo (...) o domínio e o controle sobre os recursos hídricos do planeta (...) . Esse controle será garantido pela militarização e ocupação (...) de territórios onde haja abundância de água."
A Consulta manifesta a preocupação das Igrejas quanto à concentração de terra e a expansão do agronegócio no Brasil e na América Latina: "Além do alto índice de concentração da terra na mão de poucos, preocupa-nos o forte avanço do agronegócio, que vem contribuindo para a exclusão social e a pobreza rural. Cria concentração de renda e produz impactos na biodiversidade animal e vegetal."
O Documento reconhece ainda que a Igreja não está imune à tentação do deus-mercado:" (...) As Igrejas, em alguns modelos de espiritualidade e eclesiologia, criam e sustentam desigualdades e exclusões, desrespeitando flagrantemente os direitos humanos, na medida em que garantem apenas a algumas pessoas o direito de falar, fazer e decidir e não levantam a sua voz contra aqueles que são opressores. Na medida em a Igreja não valoriza os sujeitos de direitos ela não cumpre o seu papel profético."
Finalmente, denuncia modelos ideológicos que são confundidos com teologias: "Por sua vez, ideologias de prosperidade – cada vez mais em moda nos meios evangélicos – sacralizam o modelo e o sistema vigente à medida que introduzem como linguagem teológica conceitos como “exigir a graça, cobrar a promessa, buscar a recompensa, etc”.
A Graça da Vida Plena
As Igrejas reconhecem a necessidade de reflexão contínua sobre a Graça de Deus para evitar a tentação de aliar-se "aos poderes deste mundo que prometem sucesso e prosperidade a qualquer preço". Afirmam que é sempre necessário aceitar o desafio de afirmar sua própria fé e identidade.
A Consulta reflete a partir da doutrina da Justificação pela Fé, que é uma das principais características da tradição herdada da Reforma do século XVI: "No momento presente, determinado fortemente pela lei do mercado, vale mais o ter do que o ser, o sucesso e a glória mais do que o servir e ser solidário. A mensagem de que somos aceitos e amados por Deus de maneira gratuita, 'sem as obras da lei', nos liberta para a graça da Vida e com ela nos compromete em todas as suas dimensões. Isso nos leva a perguntar pelas conseqüências da Justificação, relacioná-la com a defesa dos Direitos Humanos, com a promoção da justiça social, enfim, com a dignidade da Vida. Isso também nos leva a perceber onde se estão desenvolvendo ações concretas em defesa da dignidade da Vida, para apoiá-las e nelas nos integrar."
O Documento afirma que as ações em favor da dignidade da vida são fiéis à vontade de Deus: "Entendemos que os direitos humanos estão ancorados na misericordiosa vontade de Deus. Assim a presença divina está na raiz de todos os esforços práticos de codificação e redação de leis que têm a ver com a ordem social, política e econômica.(...) Acima de tudo, a própria experiência da justificação (salvação) por fé e por graça nos impulsiona ao compromisso com a defesa dos direitos humanos."
As Igrejas concluem sua reflexão afirmando: "Contra o deus-mercado, a Bíblia nos convoca novamente a afirmar o Senhorio do Deus que criou a Vida, em Jesus Cristo. Defender e promover os Direitos Humanos é, acima de tudo, assumir atitudes cidadãs e lembrar ao mundo que o Direito à Vida Plena é direito de todas as pessoas humanas, não de algumas poucas privilegiadas que podem consumir. A mensagem central da misericórdia de Deus nos leva a vislumbrar um novo mundo em que todas as pessoas terão sua dignidade e seus direitos respeitados e valorizados."
Propostas para a Ação Ecumênica: Livres para Agir
Uma série de recomendações e propostas são apresentadas no Documento Final da Consulta, abrangendo todos os aspectos discutidos a partir dos Fóruns Teológicos. "Esse novo mundo que vislumbramos é, acima de tudo, expressão da amorosa vontade divina. Deus mesmo promete um novo céu e uma nova terra onde toda lágrima será enxugada e a morte não mais existirá... (Ap. 21: 1-4). Esse Deus da graça, que renova a esperança, nos compromete a realizar ações que anunciam e promovem o novo mundo."
As recomendações lembram a necessidade de "redescobrir o profundo sentido da dignidade humana", aprofundar a formação cidadã do povo cristão na América Latina e no Caribe, atuar através de articulações em redes de defesa da Vida, e a construção de uma cultura de paz e de direitos a partir do Evangelho, como sinais da presença da Igreja no mundo.
A Consulta recomenda que hajam maiores investimentos na formação ecumênica e na capacitação de lideres eclesiásticos realmente comprometidos: "Retomar os investimentos na formação ecumênica em direção aos Direitos Humanos. A comunidade ecumênica é o espaço onde os processos de formação se tornam viáveis e podem ser enriquecidos com a diversidades de experiências e situações. Esse processo deve acontecer de uma forma interdisciplinar, valorizando a diversidade de saberes."
As Igrejas reafirmam seu compromisso com o meio-ambiente, considerando a água como "bem público e a obrigação de garantir a todos os seres humanos o acesso à água potável", opondo-se a toda iniciativa de privatização dos recursos hídricos. As Igrejas são desafiadas a apoiar iniciativas "que busquem alternativas para a agricultura, incentivando a agricultura familiar, a produção de alimentos orgânicos e a organização dos pequenos agricultores e comercialização direta de seus produtos."
Pré-Assembléia Regional
Após a Consulta Teológica, as Igrejas - através de seus delegados - se reuniram em sessão fechada permanente, para avaliar o CLAI e a Secretaria Regional, bem como estudar e discutir os documentos enviados pela Junta Diretiva e pela Secretaria Geral do CLAI. Além disso, foi elaborada a lista de nomes brasileiros que serão sugeridos como candidatos à Junta Diretiva a ser eleita em Buenos Aires. A Pré-Assembléia foi preparada e dirigida pela Diretoria do CLAI-Brasil, grupo formado por representantes das Igrejas, eleito a cada dois anos pela Assembléia Regional.
Da Consulta e Pré-Assembléia participaram 3 Presidentes Nacionais de Igrejas e 3 Vice-Presidentes, dando assim legitimidade às decisões tomadas. A Pré-Assembléia contou com a presença do Rev. Dr. Walter Altmann, Moderador do Comitê Central do Conselho Mundial de Igrejas e Presidente da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil.
Os resultados da avaliação, da análise de documentos e as propostas da Região Brasil serão enviadas diretamente à Junta Diretiva do CLAI pelo Presidente da Pré-Assembléia, o Arcebispo Dom Maurício José Araújo de Andrade, Primaz da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil.
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texto: Rev. Luiz Caetano Grecco Teixeira, ost - copydesk autorizado.
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