Botando Alguns Pingos nos “IS” Acerca do Ecumenismo
Por: Ronan Boechat de Amorim
Em um momento tenso e numa discussão acirrada, o último Concílio Geral da Igreja Metodista, encerrado no último domingo, lamentavelmente decidiu por 79 votos contra 50 (e 4 abstenções), que a Igreja Metodista, que doutrinariamente é uma igreja ecumênica, vai se retirar de todos os órgãos ecumênicos dos quais faça parte a Igreja Católica.
O alcance da proposta aprovada ainda não está clara para mim, mas pelo que estou compreendendo, entre esses órgãos estão o CONIC (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs), cujo presidente atualmente é o Bispo Metodista Adriel Maia; o CLAI (Conselho Latino-Americano de Igrejas), fundado pelo Bispo Metodista Sante Uberto Barbieri; o CMI (Conselho Mundial de Igrejas); o CESE (Coordenadoria Ecumênica de Serviço), que hoje dá recursos para diversos projetos metodistas com crianças, adolescentes e mulheres pobres.
Esses órgãos são órgãos e fóruns de diálogo, reflexão, oração e camaradagem entre as igrejas cristãs. Mas também são órgãos e fóruns de anúncio e testemunho do Evangelho tal qual cremos como metodistas.
O ecumenismo não é:
1) juntar igrejas diferentes numa só (no caso, os evangélicos voltarem para a igreja católica);
2) submeter hierarquicamente igrejas diferentes à direção e controle de uma outra qualquer;;
3) tentar uniformizar doutrinas, costumes, organização e tradições;
4) aceitar passivamente a fé e as doutrinas que os outros grupos religiosos cristãos têm, inclusive aqueles pontos com os quais discordamos enfaticamente e que até nos fazem sentir desconfortáveis, e fazer de conta que está tudo bem;
5) deixar de evangelizar;
6) o que pentecostais e até mesmo alguns católicos dizem que é ecumenismo, ou seja, as coisas acima descritas.
O ecumenismo é:
1) reconhecer nossas diferenças (algumas delas tão enormes, que jamais serão superadas nessa vida) e mesmo assim sermos capazes, para a honra e glória de Deus, de nos respeitarmos mutuamente e vivermos em paz;
2) procurar, à luz do bom senso, da oração e da Palavra de Deus, um relacionamento fraterno entre igrejas, grupos e pessoas diferentes que aceitam dialogar respeitosamente sobre suas diferenças, e construindo sempre que possível, pontes de entendimento, solidariedade, serviços em prol da vida e da justiça e até a grande utopia da unidade (não uniformidade!) cristã;
3) dialogar com quem é diferente, mas sem esquecer a tarefa de afirmar nossa fé e dar o nosso testemunho tal como cremos. É isso o que está na Pastoral sobre Ecumenismo, lançada recentemente pelos Bispos da nossa Igreja.
Nosso irmão João Wesley Dornellas, em seu artigo “Linha de Esplendor sem Fim tem fim melancólico”, relembra: “…João Wesley, por ensaios, artigos, cartas e sermões, tem sido o precursor da atitude ecumênica. Como dizia o bispo Mack B. Stokes, em seu livro “as crenças fundamentais dos metodistas”, diz que “nós, metodistas, temos orgulho de nossa herança. E acreditamos que a melhor contribuição que podemos dar ao movimento ecumênico é levá-lo a uma profunda apreciação de nossa própria identidade. Ao mesmo tempo, desejamos, sinceramente trabalhar cooperativamente e criativamente na direção de uma maior unidade de espírito, organização e liderança entre todos os cristãos. Wesley insistia no ´espírito católico´. Seu sermão sobre esse assunto contém algumas das melhores observações sobre a tolerância em toda a literatura cristã. O espírito ecumênico pode começar com a tolerância – no sentido total da palavra – mas vai além disso na busca da concordância e da unidade sempre que possível”.
João Wesley Dornellas relembra também que “os metodistas estiveram sempre na frente de movimentos ecumênicos. O moderno ecumenismo começou com a Conferência de Edimburgo em 1910 e teve maior ênfase na Fundação do Conselho Mundial de Igrejas, idéia e sonho de um leigo metodista, J. R. Mott, ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 1946. Depois do Concílio Vaticano II, uma idéia do Papa João XXIII, tiveram início em 1966 os diálogos católicos-metodistas, do nosso lado pelo Concílio Mundial do Metodismo e, do lado católico, pela Secretaria para a Promoção da Unidade Cristã. Essas conversações têm sido mantidas ano após ano. O Concílio Mundial Metodista tem se reunido pessoalmente com todos os papas que vieram depois.”
Nós metodistas não somos católicos, não aceitamos a veneração aos santos, a centralidade e a infabilidade do Papa, a celebração de missas para ajudar quem já morreu, etc, mas nós somos amigos dos católicos, respeitamos os católicos e sua fé, como já dito, mesmo não concordando com parte delas. E isso serve para a relação dos metodistas, por exemplo, com os Batistas (que desprezam o batismo por aspersão feito na Igreja metodista e que exigem que os metodistas sejam batizados de novo, para serem batistas). Em alguns lugares, por desconsiderarem os metodistas, os Batistas nem comungam o Corpo e o Sangue de Cristo com os Metodistas. Recusam-se terminantemente a servir e/ou a tomar Ceia com os metodistas. Mas não é por isso que nós desprezamos ou não somos amigos ou não desejamos comungar com os Batistas que nos desprezam.
E isso serve também para alguns grupos pentecostais. Sobretudo os que chamamos de “neo-pentecostais” ou “pentecostais da cura divina”. Somos amigos e desejamos estar em comunhão, por exemplo, até mesmo com os crentes da Igreja Universal da Graça de Deus, igreja essa que só fala de bênçãos materiais (cura divina e prosperidade financeira), que vende ou promove a fé em objetos mágicos (a mesma fé em amuletos que a igreja católica promovia antes da Reforma Protestante de 1517) e apregoa que tudo de ruim na vida tão somente é obra dos demônios (e as pessoas nunca têm culpa, nunca pecam, mas precisam fazer corrente!). É ainda uma igreja que ambiciona o poder político temporal (tem até um partido político, o PRB), não anuncia a Jesus como Senhor e Salvador, não fala na existência do pecado nem alerta que é o pecado faz separação entre nós e nosso Deus (Is 59:2), que não fala da exigência bíblica de conversão e santificação sem a qual ninguém verá ao Senhor (Hb 12:14).
Bem, eu não sou católico, não sou batista, não sou da Universal do Reino de Deus, não sou luterano, não sou anglicano, não sou adventista. Eu sou metodista. E na condição de metodista não sou melhor e nem sou pior que nenhum outro cristão, eu sou ecumênico, ou seja, sou alguém que não tem medo de conversar, conviver e ser amigo de pessoas e grupos cristãos que são diferentes de mim e têm fé e doutrinas diferentes das quais eu creio. Mesmo que essas igrejas e pessoas não sejam ecumênicas.
Eu não sou juiz que separa o joio do trigo nem aparta os cabritos das ovelhas. Eu sou um cristão metodista, e isso significa que fui chamado a amar a Deus sobre todas as coisas, a buscar de forma constante e coerente a unidade (não a uniformidade!) do povo de Deus, a amar e dialogar com os diferentes de mim e a anunciar o evangelho de Jesus a tempo e for a de tempo, mas não por força nem por violência, mas no poder do Espírito Santo. Tenho certeza que vou encontrar no Céu muitos católicos, batistas, adventistas, assembleianos, metodistas, crentes da Deus é Amor, da Igreja da Graça e da Universal também. Porque o que salva não é Igreja nem doutrina de Igreja, mas tão somente o Senhor Jesus.
Na verdade, não há católicos, batistas, adventistas, assembleianos, metodistas bem como, crentes da Deus é Amor, da Igreja da Graça e da Universal e nem de igreja nenhuma. Fui lembrado por um amigo de um sonho de Wesley. Ele sonhou que estava dirigindo-se ao Céu, e lá perguntou pelos metodistas, recebendo a resposta fria de que não havia metodistas no Céu. Perguntando mais sobre as outras denominações protestantes, recebeu a mesma resposta. Já desesperado, tomou coragem e perguntou, um tanto amedrontado, se havia católicos no Céu. Ante a resposta de que igualmente não havia católicos no Céu, Wesley, ainda atônito, indaga: "Então quem é que está aí dentro". A resposta foi clara: "pecadores salvos pelo sangue de Jesus derramado na cruz”. Ou seja, para João Wesley, tirando a Graça de Deus revelada em Cristo, que é para todos, o nome da igreja não interessa. Depois de me contar esse episódio, meu amigo afirmou: “Até dormindo Wesley nunca deixou de ser ecumênico!”
Sou metodista e sou ecumênico e não há lei humana ou de Igreja que seja capaz de mudar isso em minha vida. Sou ecumênico por força de consciência, mas sobretudo por obra e poder do Espírito Santo em minha vida.
A decisão anti-ecumênica tomada no último Concílio Geral, é na verdade uma decisão anti-católica, pois deseja nos separar dos católicos, e permite que continuemos amigos dos demais, até por vezes copiando as ênfases, fórmulas da pregação e culto neo-pentecostais, um caminho rápido para o crescimento numérico da Igreja e para o aumento da arrecadação financeira da Igreja, ou seja, sucesso e poder político eclesiástico.
Não duvido que os milhares de crentes da Batista, Adventista, Igreja Universal do Reino de Deus, etc… acreditem que o jeito como se organizam e a pregação que fazem é sinceramente o melhor. Mesmo que para uns signifique desprezar metodistas e os demais diferentes, e que para outros signifique dispensar a centralidade da graça de Deus que não pode ser comprada e a pessoa de Jesus como único e suficiente Salvador. Não duvido que os 79 delegados que votaram contra o ecumenismo no 18º Concílio Geral de fato acreditem sinceramente nessa opção. Não acredito em dolo, mas sim em preconceito, em ignorância e falta de conhecimento histórico e doutrinário do metodismo.
E não é o ecumenismo que tira a nossa identidade, mas justamente os preconceitos e falta de conhecimento que nos levam a agir de modo contrário ao que temos sido ao longo de 250 anos.
Eu não acredito, mas suponhamos que só houvesse as duas alternativas abaixo para crescimento e qualidade da Igreja: eu prefiro um metodismo com 50 mil crentes “protestantes” que sejam de fato sal da terra e luz do mundo, do que 5 milhões de “evangélicos” insípidos, que não fazem diferença social e espiritual no mundo onde estão. Melhor o pouco com Deus…
Pr. Ronan Boechat de Amorim
Pesbítero da Igreja Metodista, pastor da Igreja Metodista de Vila Isabel há 11 anos, mestrando em Teologia no Seminário Batista do Sul, no Rio de Janeiro, amigo de tradicionais, pentecostais e católicos, mas acima de tudo, servo de Deus.
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