31 julho, 2006

Nem 8, nem 80

Por: Fabiano Pereira

Confesso que fiquei impressionado com a repercussão do último Concílio Geral. Não esperava que fossem tantas as mudanças, e tantos os embates a partir destas. Tenho ouvido gente de todos os lados, recebido muitas mensagens, de apoio e de protestos, dessa ou daquela "corrente ideológica". Fui tomado por um sentimento de impotência e quase desespero, e peguei-me pensando: afinal, aos olhos de Deus, quem está percorrendo o caminho certo? Preciso descobrir qual o caminho tomar, por mim, por minha esposa, por meus filhos, por aqueles que tem caminhado conosco! Nesse ínterim, parei de olhar um pouco para o que pensa "fulano de tal" – doutor em metodismo" ou "ciclano" – especialista em homilética, línguas originais e não sei mais o que", e busquei refúgio na Palavra de Deus, analisando a postura de Jesus em relação as duas correntes que se degladiam nas asas da internet: "evangelho inclusivo" e "vida de santidade". Não sou o dono da verdade (e quem o é), mas como cristão tenho minhas próprias impressões, e nelas vejo que há algo de muito semelhante entre ambas as correntes divergentes: queremos aceitação de terceiros. Explico:

Se somos permissivos e "contextualizados demais", isso nada tem a ver com influências católico romanas; foi uma decisão interna, baseada no medo de sermos chamados de "alienígenas", "quadrados" ou "tapados" pelos que nos rodeiam, tentando dar aos intelectuais e pensadores céticos uma alternativa mais light ao "arcaico e desatualizado cristianismo original", opção comprometida com a santidade social mas que abre mão da santidade pessoal, como se isso fosse possível. Fizeram questão de esquecer que as boas-novas de salvação começam sempre com "más notícias", como a consciência do pecado e da condição de pecador, o chamado ao arrependimento, e a decisão nem sempre fácil de deixar o velho homem e suas práticas para trás. Aliás esse disrcurso não seria bem aceito na alta roda dos intelectuais e críticos nas quais aspiram ser aceitos e respeitados, a qualquer preço. É um discurso do gênero "politicamente correto" aos olhos do mundo de hoje (lembrando que compromisso social até indústria de cigarros tem, e aliás, faz muito mais e melhor do que nós nessa área). Contudo, nem assim conseguem aprovação, porque permanecem sendo mais do discurso do que da ação: ainda não vi um desses doutores da lei, que se travestem de defensores dos pobres e oprimidos, optar pela compra de um carro popular ao invés de um automático último tipo para destinar o valor da diferença à compra de cestas básicas ou para ajudar de alguma outra forma famílias necessitadas do básico para viver. Não abrem mão do seus soldos "gordos", nem deixam de viajar ao exterior nas férias e de desfrutar uma vida confortável acima do padrão da maioria dos brasileiros para beneficiar seus empregados domésticos, ou familiares mais humildes, muito menos os irmãozinhos da igreja que passam por privações; por isso mesmo seus discursos em semanas acadêmicas das faculdades de teologia espalhadas pelo Brasil se tornam cada vez mais vazios, pois estamos cansados de quem fala demais, e faz de menos. Como diz Robinson Cavalcanti em artigo veiculado recentemente pelo site Vida Acadêmica - Editora Vida, falta Protestantismo. Falta Evangelicalismo: consciência de pecado, conversão, busca de santificação e paixão missionária transformadora. Se a própria definição de pecado já foi relativizada pelos mesmos, porque, então, se faz necessário falar em salvação?

No outro extremo da corda, há o grupo preocupado em ser aceito nas altas rodas evangelicais, que vê o diabo em tudo e em todos que discordam de sua forma de viver o evangelho, e a colocar todo mundo no inferno em uma verdadeira cruzada do século XXI. E pra que? para sermos reconhecidos pela crescente e cada vez mais influente ala neo-pentecostal da igreja evangélica brasileira, e não ouvirmos mais dos mesmos a afirmação que estamos fora da visão. Afinal a nova "visão" enche templos, e templo cheio é poder nas mãos, em um tempo no qual a igreja se tornou massa de manobra na mão de líderes inescrupulosos. Investimos então em "estratégias de marketing" que obtiveram sucesso com outros pastores e líderes, enchendo centros de convenções para aprender as "10 regras para o sucesso de sua igreja", como se o "sucesso" do evangelho fosse uma receita de bolo a ser seguida.

Contudo, tenho a impressão de que ambas as "alas" tem fracassado no seu objtivo de alcançar aceitação: no primeiro grupo citado, a realidade é que, como não se lá muita diferença, já que se fala-se muito, faz-se pouco e tem-se um comportamento ditado pelos padrões morais reinantes no mundo de hoje - não mais pela ética do evangelho, acabamos não atraindo ninguém, porque, se é para continuar do mesmo jeito, porque virar um cristão? Já no segundo, podemos até "inchar" a igreja, mas a casa cai no primeiro vento, porque os alicerces são frágeis, a teologia, a exemplo da primeira, é deformada para atender interesse do "público alvo". Enquanto no primeiro não quero cobrança de nada - afinal a vida é minha e não quero intromissão de ninguém, muito menos do pastor em minha vida particular, no segundo tenho que pedir ao mesmo até para ir ao banheiro.

Analisando a vida de Jesus, constatei que, em toda sua caminhada ele foi inclusivo, palavra muito usada por nós nas acirradas discussões das últimas semanas: andou com publicanos, prostitutas, ladrões, agitadores, revolucionários, deficientes, doutores da lei e cobradores de impostos. Todo tipo de gente! De diversas classes sociais. Não deixou de ouvir ou receber ninguém que viesse até sua presença, fosse criança, adulto ou idoso. Contudo, não pude deixar de observar também que há uma grande diferença entre inclusividade e permissividade. Jesus acolhia à todos, ajudava-os, mas gerava transformação de vida. Maria Madalena não continuou sendo prostituta, Mateus deixou de ser cobrador de impostos, Pedro sofreu transformações profundas de caráter, e até um assassino em massa como Paulo tornou-se proclamador do amor de Deus. Porque? Porque entendo que esse amor, essa graça, é transformadora. Quando somos alcançados por ela há mudança de vida, de comportamento, de atitude, de visão e valores. È a mudança natural gerada pela graça inclusiva, não permissiva. Afinal, quem pode esquecer o que Jesus disse à Madalena após livra-la da morte por apedrejamento? Vá e não peques mais! Acho que, como igreja, distorcemos esse valor para atender interesses pessoais, ou para parecermos mais aceitáveis frente ao mundo que nos rodeia. Como resultado, não somos mais sal e luz, porque queremos ser igual ao mundo e adotar seus padrões, para facilitar o ingresso dos de fora nesse "clube". Contudo, não é isso que o mundo que nos cerca quer! Ele deseja uma luz que ilumine a escuridão das trevas na qual se encontra, algo que dê sabor a uma vida desgraçada pelos valores que esse mundo impõe.

Não preciso ser doutor em história do metodismo para saber que o movimento sempre foi caracterizado pelo equilíbrio. Afinal isso me motivou, de certa forma, a tornar-me metodista depois de 10 anos de vida cristã em uma outra denominação, abraçando essa causa (mesmo sabendo que meus pais, 12 anos antes, tinham saído da igreja metodista justamente por presenciar uma distorção violenta da visão ecumênica da igreja metodista). Wesley era inclusivo, suas cartas e os registros históricos de sua vida mostram isso! Mas não era, de forma alguma, permissivo, para agradar essa ou aquela ala da sociedade. Se assim o fosse, não teria ouvido tanto desaforo! Ele nunca deixou de anunciar a mensagem do evangelho de forma irredutível, e tudo que fez, na área social, educacional ou religiosa tinha um motivo muito claro: levar homens e mulheres à Cristo, usando suas ações e palavras para isso. Tudo o que fazia vinha acompanhado da mensagem do evangelho, que dava sentido e propósito aos seus atos em todas as áreas. Seguindo o exemplo de Jesus e seu persistente diálogo com os doutores da lei, Wesley sempre manteve um canal de diálogo aberto com seus irmãos de outras denominações cristãs, é verdade, provando que cria com convicção na afirmativa de Jesus que disse que o mundo creria Nele ao ver em nós o milagre da unidade em meio a diversidade. Unidade essa que é mais do que a presença física lado a lado em eventos e comissões, órgãos e colegiados, é a unidade nos propósitos e convicções que Jesus nos confiou, em meio a uma infinidade de culturas, raças e temperamentos. Podemos ser um, com qualquer cristão que assim desejar, se deixarmos nossos interesses pessoais de lado e buscarmos os interesses do alto. Para esquentar um pouco mais a discussão, queria apenas fazer uma observação que a muito tenho partilhado com alguns irmãos: tanto falamos, por exemplo, dos católicos, e concordo que certas práticas e propostas teológicas adotadas pelos mesmos não encontram qualquer embasamento bíblico, contudo dentro de seu modo de viver o cristianismo, eles até hoje defendem de forma veemente outras verdades bíblicas, opondo-se contra a aceitação do divórcio e novo casamento, do homossexualismo, do aborto, da bigamia, entre tantas outras coisas as quais alas da igreja protestante, por conveniência e necessidade de aceitação do "público externo", acabaram cedendo e, pior que isso, manipulando a Palavra de Deus para tentar equadrá-la dentro de suas vontades. Finalizando, acho que temos muito a aprender uns com os outros sim, se abrirmos mãos dos dogmas denominacionais e abraçarmos como única regra de fé a Bíblia, que no meu tempo de juvenil me foi apresentada como sendo a Palavra de Deus - verdade absoluta inspirada totalmente por Ele, algo que também tem sido, por conveniência, deixado de lado para dar lugar a interpretação dos doutores da lei, que a manuseiam buscando o interesse próprio e a manutenção do estado de dormência de suas consciências. Quanto ao envolvimento com grupos não-cristãos em questões de cunho religioso, acho que a observação de Leonardo Boff, feita logo após o encerramento de um "culto macro-ecumênico" durante um evento de cunho social em Salvador-BA a pouco mais de 2 anos, vale ser observada. Na oportunidade, após presenciar a celebração dirigida por pastores, padres, pais-de-santo, monges budistas e até um líder espírita, ele abriu sua palestra sobre a temática "ecumenismo e serviço" afirmando não se opor de forma alguma ao trabalho conjunto na busca da solução dos problemas temporais da humanidade, como fome, falta de habitação, violência e outras distorções sociais, contudo, na hora de cultuar, cada um deveria ir para sua casa, porque senão viria bagunça. Creio que, quanto a isso, não preciso dizer mais nada. Nossos fantasmas foram criados por nós e por nossa indisposição para confrontar a ética secular naquilo que feria os valores do evangelho, e agora buscamos transferir à outros a responsabilidade pela perda de nossa identidade. Enquanto não sentarmos para dialogar e nos propormos como igreja a resgatar os valores cristãos de piedade e misericórdia dentro daquilo que Wesley compreendia como vida cristã, podemos nos trancar em uma caverna, que não resolveremos o problema. Que o Senhor tenha misericórdia de todos nós!

Fabiano Pereira
servo de Jesus Cristo na Igreja Metodista
IM Paulista - Piracicaba - SP