13 agosto, 2006

Entre plenárias e o pó na cara...

Inverno e verão metodistas num longo mês 7

Um botão que floresce no inverno?
Inverno é o frio,
neve,
silêncio,
torpor,
morte. (...)
No entanto,
em algum lugar,
um arbusto floresce no inverno,
uma Virgem fica grávida.
E quem a engravidou?
O Vento,
esperança,
nostalgia...
E o Vento se fez Evento,
e o afeto se fez feto...


(Rubem Alves)

"Traga minha capa", pediu Paulo a seu amigo Timóteo. Era inverno e o apóstolo dos gentios sentia frio. Eu sinto frio também. As carnes de minha alma trepidam a cada ventania de intolerância que assisto em minha igreja, particularmente durante o já tão debatido XVIII Concílio Geral da Igreja Metodista. Mais que ventanias: são furacões, tempestades, chuvas torrenciais de ódio, inveja, desejo de poder... Uma voz grita: "tenho motivos para ser intolerante!" Sim, sinto os estalos frios do sangue que se congela dentro dos corações antigamente aquecidos, do pequeno povo chamado metodista. Na semana de Aracruz, não senti meu coração estranhamente aquecido, apenas frio.

Desde o fatídico Concílio Geral, sempre me coloco diante de algumas perguntas: como ignorar a grande caminhada do povo metodista brasileiro no barco ecumênico? Como desejar distância dos católicos, sendo que ainda vivemos num dos maiores países católicos do mundo? Será que esquecemos que "viver dividido é negar o Evangelho?" Mais: quais foram os acontecimentos que produziram tal situação e como será nosso futuro?

Dentre tantas coisas que assisto em minha ainda juvenil caminhada na Igreja, o sectarismo e a intolerância são, sem dúvida, os fantasmas mais assustadores. O preceito de João Batista "importa que ele (Jesus) cresça e eu desapareça" perde sentido diante do ufanismo anti-ecumênico e do proselitismo entre as igrejas. A luta cega pela ortodoxia apaga o espírito missionário do serviço e da comunhão constante. A inveja e a ambição pelo crescimento alienam a Igreja de sua unidade, fundamentalmente missionária. Enfim, o tão marcante narcisismo evangélico põe em cheque o espírito de humildade que guiou a caminhada do movimento metodista a partir dos irmãos Wesley.

Ainda acho que Aracruz escancarou as portas da falta de conexidade da Igreja Metodista brasileira. Na estranha democracia do concílio, por exemplo, as vozes da grande maioria de uma região eclesiástica foram silenciadas e ignoradas durante a eleição episcopal. Havia acordos e mais acordos, redes, pedidos de votos... Boca-de-urna evangélica: não é crime eleitoral? Os delegados das regiões financeiramente "estáveis" desconfiavam do trabalho nas regiões missionárias e exigiam números, tabelas e dados estatísticos. Nas duas regiões mais pobres do país, os metodistas ainda não perceberam que o investimento missionário não pode ter fim...
No inverno conciliar metodista, pedi a Deus minha capa de inverno porque perecia. Foi quando Deus me enviou um anjo, Gabriel. Ele veio a mim, ao pé do ouvido e me sussurrou algumas palavras... "Eis meu Sol que te aquece: a luz que te ilumina e o calor que precisas está na Ventania do Outro".

O anjo que me consolou não tinha formas angelicais destas que vemos nos afrescos das igrejas. Não tinha asas e tão pouco cantava no coro evangelical. Ao contrário, ele foi nada mais que em vento forte carregado de poeira que inundou meus olhos e nariz de terra vermelha. Foi a ventania de São Gabriel d'Oeste (MS) que aqueceu meu coração gelado pelas "questões de ordem" e encheu o vazio do meu corpo com a esperança missionária. Sim, a Igreja vive apesar de Aracruz. Em São Gabriel d'Oeste, em mais uma semana pra Jesus (projeto missionário pioneiro da mesma região silenciada em Aracruz), senti meu coração aquecido pelo calor das pessoas que trabalhavam para construir mais um templo que com a presença dos Templos do Espírito se transformará em Casa de Deus. Está no Outro a minha fé. O Outro que é Deus, nas palavras de Karl Barth. Mas o Outro que também é a minha família da fé, o sorriso de uma criança, uma noite estrelada, uma conversa sincera e aqueles lugares sagrados que sinto o calor abrasador do Vento Divino.

Sim, reafirmo minha espiritualidade ecumênica apesar das 79 pessoas que assinaram com as tintas da intolerância os papéis que tiraram a Igreja Metodista do barco ecumênico junto aos católicos. Por tudo o que aconteceu, me desafio a firmar minhas pegadas ecumênicas ainda que no solo arenoso que passamos a pisar a partir de Aracruz. Mais do que isso, tenho para mim que a verdadeira hora para deixar transbordar a espiritualidade ecumênica chegou.

É tempo de plantar as sementes do amor no solo gélido do inverno metodista. Os que com luto plantam e com luta regam, colherão com sorrisos alegres o arbusto da bela árvore do Reino. E ali sonharão com um pomar de belas árvores rosas, azuis e vermelhas. Ali estará sua família e seus amigos e sua Igreja junto à sombra acolhedora dos altos galhos acariciados pelo Vento...

Em luto(a)!
Filipe Maia
Jovem, metodista, ecumênico.
Platéia na semana em Aracruz, construtor na semana pra Jesus...
(Ocasionalmente acadêmico de teologia, 4º semestre)
Piracicaba - SP