10 agosto, 2006

O metodismo entrará em declínio não por ser refutado ou perseguido, mas quando se tornar irrelevante, insensível, opressivo e insípido

Por: José Carlos Barbosa

* Somos herdeiros de uma visão maniqueísta da realidade e adotamos a tendência simplificadora e ingênua de separar quase tudo em dois blocos antagônicos. No caso da religião ainda persiste a tendência de encarar a nossa complexa realidade a partir de dois grandes grupos: protestantes e católicos. Nós, os protestantes, temos uma sensível predisposição de olhar com mais simpatia para as denominações consideradas evangélicas, mesmo que sejam portadoras das mais estapafúrdias "teologias". Com respeito aos católicos há uma animosidade instintiva que impossibilita qualquer avaliação mais serena e imparcial. Tal comportamento é facilmente explicável em função de diversos fatores históricos importantes, mas principalmente por causa da forte oposição feita pela Igreja Católica para impedir a implantação do protestantismo no Brasil e a conseqüente reprodução em nosso país, com séculos de atraso, da mesma polêmica entre protestantismo e catolicismo ocorrida na Europa por ocasião da Reforma.

Creio que esta herança histórica continua sendo fator fundamental para inibir a possibilidade de uma melhor compreensão do tema. Enquanto esta indisposição psicológica não for trabalhada não haverá possibilidade de mudança. Não estamos falando aqui na possibilidade de concordar com as doutrinas da Igreja Católica. Não se trata disso. JW nunca concordou com tais doutrinas e, inclusive, denunciou algumas delas, principalmente o papel das obras no processo de justificação. Dizia que esse foi o "erro mais destrutivo de todos os que Roma, a mãe das abominações, produziu". Perto dele, dizia, "a questão da transubstanciação e outras doutrinas são insignificantes".

Assim como nossa herança histórica nos delimita e até condiciona, para o bem ou para o mal, podemos dizer que o fato de JW ter nascido na Inglaterra, país que de certa maneira passou por um outro percurso em função do Anglicanismo e representa uma via diferente em relação aos tradicionais catolicismo e protestantismo, contribuiu para que ele pudesse ter uma visão diferente da questão. Mais claramente que qualquer outro teólogo da sua época, JW entendeu que essa antiga e prejudicial polarização entre protestantismo e catolicismo não poderia representar uma boa proposta para o futuro do cristianismo. É nessa perspectiva, de libertar-se de todos as amarras históricas delimitadoras, que ele apresenta a sua proposta básica que é espalhar a santidade bíblica sobre toda nação. Nesta proposta ele extrapola qualquer visão estreita e está pensando numa igreja verdadeiramente católica (no seu sentido original), verdadeiramente evangélica e verdadeiramente reformada.

Essa herança ecumênica JW a recebeu em Epworth, já nos primeiros anos de sua formação. Foi através de seus pais que ele entrou em contato com textos de autores católicos como Tomas a Kempis, Blaise Pascal, Jacques Bénigne Bossuet, Gaston Jean Baptiste de Renty e de diversos outros. Em Oxford ele amplia muito mais a lista e lê Jeremy Taylor, William Law, Gaston Jean Baptiste de Renty, Francisco de Sales, Miguel de Molinos, John Tauler, São João da Cruz, São João de Ávila, Pascal, Fénelon, etc. Após deixar a Universidade, JW continuou lendo e encorajando outros a lerem livros da espiritualidade católica. Na sua Biblioteca Cristã, publicada entre 1750 e 1755, entre outros ele incluiu Pascal, Fénelon, as Cartas de São João de Ávila, a Vida de Gregório Lopes e o Guia Espiritual de Miguel de Molinos.

JW não desenvolveu uma maneira de se relacionar com os católicos e uma outra para se relacionar com os membros das demais denominações. Ele jamais elegeu a Igreja Católica como adversário a ser combatido e nunca olhou para os demais cristãos a partir desta perspectiva. No sermão "O caminho do Reino" ele diz:

"A religião não consiste na ortodoxia ou em opiniões corretas, que não estejam no coração, mas só no entendimento. É possível ser ortodoxo em cada ponto; é possível apoiar não só as opiniões corretas, mas também defende-las zelosamente de seus opositores; é possível ter crenças corretas a respeito da ressurreição, da trindade, a respeito de cada doutrina; é possível afirmar cada um dos credos (Apostólico, Niceno e de Atanásio) e ainda assim se pode não ter mais religião que um judeu, turco ou pagão. É possível ser tão ortodoxo como o diabo e sem duvida estar tão distante da religião do coração."

JW tinha todas as razões possíveis para se tornar intolerante, como quase todos da sua época. Os violentos conflitos que marcaram o panorama britânico desde a reforma, mas especialmente no século XVII com a imposição do Anglicanismo sobre toda a população, feita pelo Rei Carlos II, e mais tarde, os excessos praticados pela Rainha Maria, ferrenhamente católica, chamada sanguinária, que também procurou impor a sua religião sobre os súditos. Além disso, outra razão importante que poderia produzir e justificar uma postura intolerante foi JW ter sofrido perseguições da população católica em algumas das inúmeras vezes em que esteve na Irlanda. Entretanto, ao invés de pagar com a mesma moeda, o olho por olho, ele procurou demonstrar amor aos católicos romanos.

Foi justamente neste período em que sofreu fortíssima perseguição na Irlanda, em 1749, que JW redigiu a sua "Carta a um Católico Romano". Poderia muito bem reforçar o senso comum e reagir com intolerância, mas ele não o faz porque entendia que o cristianismo exige uma outra postura. E mesmo admitindo que muitos protestantes ficariam irados contra ele, achando que se mostrava "favorável demais aos católicos", ainda assim ele publica o texto e faz ampla divulgação.

O que é Igreja?

Esta pergunta foi colocada numa reunião do Concílio Mundial de Igrejas, em 2004, e respondida por representantes de diversas igrejas. Resposta interessante foi dada por um pastor de Sumatra, uma ilha na Indonésia. Disse que sua primeira nomeação foi para cuidar de 10 congregações, distantes uma das outras. Tinha que caminhar pela selva e muitas vezes se encontrava com tigres.

- Para mim, disse ele, parte da eclesiologia consiste em evitar os tigres na viagem de uma igreja a outra.

Que maravilha! Evitar os tigres! Mas, quem são os tigres? Onde estão? Como evitá-los?
Se há tigres, somos nós. Se há adversários a serem combatidos, eles não são os outros. Os tigres mais ferozes e que devem ser combatidos são a arrogância, o desamor, a intolerância, a divisão, a agressividade, a soberba espiritual, a religião de palavras e não de atos, etc. Numa carta dirigida à pregadores e amigos, de 10 de julho de 1771, JW faz uma pergunta irônica. Diz: "Sobre o que estivemos debatendo durante estes trinta anos? E ele mesmo deu uma resposta desalentadora e sincera: "Receio que estivemos discutindo sobre palavras"

Se há tigres, eles estão entre nós. Numa carta muito interessante, JW orienta Adam Clark a lidar com determinado problema que estava ocorrendo no seio da sua congregação e recorda que enfrentou situação idêntica por ocasião de um avivamento em Londres. Neste texto, de setembro de 1790, JW. assinala que na época enfrentou dois problemas, um para controlar as pessoas que não concordavam com o movimento, e o outro, para controlar e colocar em ordem as extravagâncias dos que promoviam o movimento. Lembra que dos dois, o mais complicado e difícil foi controlar os promotores do movimento, visto que muitos não quiseram aceitar qualquer controle. No final da carta ele faz um alerta desalentador: mesmo que o pastor atue com a mais perfeita correção e sabedoria ainda assim o normal é que os dois lados queiram culpá-lo. E do alto da sua experiência JW faz o seguinte alerta: "As diferenças que começam com assuntos de opinião raras vezes terminam assim. Geralmente se estendem aos afetos e separam grandes amigos. Não há animosidades tão profundas e irreconciliáveis como aquelas que surgem de desacordo em matéria de religião."

Sabemos muito bem do que JW está falando. Olhando para a história recente da nossa V.RE identificamos inúmeras experiências divisionárias, todas elas originadas a partir de comportamentos intolerantes e estreitos. Não há nada demais que um pastor metodista tenha pontos de vista particulares a respeito de diversas questões eclesiológicas. É natural que assim seja. Todos nós temos. O grave, o gerador de crises e divisões, é quando o pastor começa a fazer do seu ponto de vista um cavalo de batalha, quando instaura na sua comunidade local a semente da agressividade e da intolerância.

Uma maneira muito comum de semear a agressividade no seio da nossa comunidade é quando gastamos tempo demasiado identificando heresias e problemas com os outros e usamos tempo de menos para ensinar a essência do Evangelho. Penso que nós pastores não deveríamos de forma alguma estimular qualquer comportamento ou cultura exclusivista. A própria sociedade carrega e propaga todo tipo de preconceitos e xenofobias e não cabe ao pastor estimular nesta direção. O papel é outro, anunciar o Evangelho do amor, da graça, do perdão, da tolerância, do respeito, da inclusão. Já temos violência demais. Já somos armados demais. Nosso papel é outro, não o de ser juiz. A nós cabe dialogar, abrir os braços, acolher. Não se trata de aceitar a doutrina do outro grupo religioso, mas sim acreditar que o mesmo Deus que nos acolheu também acolherá o outro, mesmo que eu não concorde com a sua visão.

O outro, aquele que não pensa como eu, que obedece outras doutrinas, será instrumento para o meu crescimento e na medida em que o acolho eu me descubro melhor na minha identidade. O outro deixa de ser um estranho e se torna meu irmão. Aquilo que antes era visto como espaço para conflitos e incompatibilidades, a partir do meu acolhimento passa a ser celebrado como complementaridade. Essa disposição nos coloca num caminho de reconhecimento mútuo, na vida da hospitalidade em suas múltiplas dimensões e permite tratar a pluralidade religiosa como ponte e não mais como barreira.

O aprofundamento dessa relação com o outro, com o diferente, é uma santa responsabilidade e permite a libertação de uma perigosa clausura. Não devo esperar que o outro venha me estender o braço, caminhar o meu caminho, defender os meus princípios. Isto seria exigir que ele seja eu, que se transforme naquilo que eu sou. Estendendo a minha mão eu não estou aderindo à visão de mundo do outro, mas permitindo que ele encontre o mesmo caminho em direção a sua própria profundeza.

A própria sociologia da religião explica que atitudes intolerantes e sectárias são reflexos de uma cultura violenta e reprodutora de agressividade e violência. Não há espaço para o Evangelho e nem saída possível. A tendência é a redução constante das fronteiras laterais e um extravasamento para o alto. Diminui-se a fraternidade e aumenta-se a agressividade.

Esta cultura agressiva está-se multiplicando em todos os cantos e invadindo nossas igrejas. Eu me lembro do caso de uma de nossas igrejas locais, uma comunidade muito saudável e missionária, que acolheu o projeto G12. Em menos de dois meses o clima se transformou. O que antes era uma comunidade acolhedora e tranqüila transformou-se em uma comunidade agressiva e intolerante. E o mais impressionante é que tal comportamento passou a ser direcionado primeiramente aos de dentro, àqueles que agora já não partilhavam os mesmos pontos de vista. No interior daquela comunidade os conflitos foram sérios, entre aqueles que tinham participado do projeto e os que não participaram.

Não estou aqui questionando o G12, porque este não é o espaço adequado. O que estou fazendo é denunciar projetos que se propõe a produzir e incentivar uma religiosidade agressiva, violenta e intolerante. Projetos como esse são propensos a reconhecer e supervalorizar as diferenças mais ínfimas, a colocar o outro sob a mira constante de um severo microscópio, a dilatar egoísmos, a polemizar sobre questões secundárias e até irrelevantes, a repetir idêntico comportamento fiscalizador de escribas e fariseus que se arvoraram em defensores intransigentes da lei e atormentaram o ministério de Jesus. O que precisamos fazer é valorizar projetos que estimulem a fraternidade, a tolerância e tragam serenidade e paz às pessoas.

Uma das fontes da intolerância e não abertura ao outro, ao diferente, pode ser encontrado na própria história de Israel. É verdade que Heródoto, o historiador grego, distinguia duas espécies de humanos: gregos e bárbaros. Os judeus aparentemente recusaram essa distinção, mas estabeleceram uma outra com a mesma lógica: judeus e gentios. O princípio da eleição, que para a Bíblia deveria ser compreendido como responsabilidade e abertura universalista, aos poucos, em função da própria especificidade histórica do povo, se transformou numa torneira, num modelo de fechamento. O princípio da hospitalidade, fundado na lembrança de que "que fostes estrangeiros no Egito, então amai-vos uns aos outros", não foi observado e criadas inúmeras justificativas para justificar tal omissão.

Aquele colega que é diferente de mim, aquela Igreja que é diferente da minha, não representam nenhum estorvo, nenhuma ameaça. Eles não são adversários e nem devem ser modificados. Não são eles que prejudicam a nossa qualidade e não são eles que atrapalham o trabalho de evangelização. Encontrar um bode expiatório tem sido uma prática constante. Imaginar que determinado colega, determinada igreja ou determinado povo representam estorvos e que modificá-los ou até suprimi-los para que as coisas se arranjem é uma tentação diabólica já levada a efeito por movimentos nazi-fascistas. É evidente que por detrás deste processo de expiatorização está o desejo de formação de uma mais coesa identidade coletiva, de um grupo mais puro e zeloso, só que tal projeto inibe e interdita princípios bíblicos fundamentais.

Quais são as saídas

A história da Igreja cristã, marcada por inúmeros concílios, divisões e conflitos, revela que somos herdeiros de uma tradição platônica e monoteísta, com uma nostálgica vocação para a unidade. Esperamos que nossos bispos e autoridades utilizem-se de seus cetros para nos dizer qual é a verdade a ser seguida e obedecida. Assim também nos comportamos como pastores em nossas comunidades locais. Agimos como pequenos bispos, como autoridades que acham que devem ser seguidos e ouvidos. Ários e Montanos de todas as épocas continuarão sendo declarados hereges, condenados e expulsos. Essa é a nossa história, fruto de uma cultura extremamente agressiva.

A questão eclesiologica central não está na adoção de grupos familiares, na adoção de outra forma de batismo, se devemos ou não participar do CONIC, etc. Fico meio preocupado quando vejo colegas concentrarem todos seus esforços nessas direções. O caminho não é este, nunca foi. A título hipotético façamos de conta que no próximo Concílio Geral ocorram tais mudanças. E daí? O que vai mudar de substancial na vida da igreja metodista? Para melhor, nada. Apenas ela vai se tornar muito mais intolerante, muito mais fechada e radical. Os fundamentalistas vão soltar foguetes, imaginando que foram vitoriosos. Mas eu pergunto: vitoriosos em que? Vitoriosos contra quem? Essa é a questão, vitoriosos contra quem? E não adianta argumentar que o inverso também é verdadeiro porque não é a mesma coisa. Historicamente, o metodismo sempre teve essa característica inclusiva de acolhimento, sempre teve essa maravilhosa maleabilidade. Em caso de vitória dos fundamentalistas vai desaparecer essa característica. Será a instauração da intolerância. Será a adoção da política da caça às bruxas. Haverá novas e severas determinações: a partir de agora só se batiza por imersão, está abolido o batismo infantil, não teremos nenhuma relação ecumênica, adotaremos o modelo de células, etc., etc.

Não devemos nos enganar, imaginado que aqueles que lutam para o fechamento da igreja se darão por satisfeitos quando alcançarem tal objetivo. Nada disso! Tal comportamento fundamentalista é tremendamente exigente e costuma ser intolerante em muitas outras questões. Os que defendem tal postura certamente questionam a questão do batismo infantil, exigem o batismo por imersão e fazem uma série de outras exigências. É simples essa lógica. O núcleo da questão está no próprio comportamento intolerante, eternamente insatisfeito e exigente, colocando a culpa pela situação sempre num bode expiatório.

Não nos enganemos. Aqueles que pensam que há um só tipo de batismo e querem impô-lo aos demais jamais se contentarão com isso. Pode ser que amanhã essa loucura passe no Concílio Geral e vá se tornar regra. E daí? Vitória da intolerância. O centro da questão não é o batismo, ecumenismo, episcopado, células. Nada disso! O problema é a intolerância de tais idéias. O problema do G12 e movimentos como esse é a intolerância, o horror da intolerância.
É óbvio que grupos fundamentalistas e fechados tendem a crescer. Há uma infinidade de estudos confirmando este espírito de servidão voluntária. O exemplo do povo hebreu que sonha com as panelas de carne na escravidão do Egito e se assusta com a caminhada de liberdade é muito eloqüente e confirma. Só que o metodismo não pode se guiar por essa visão empresarial. O caminho do reino é o da cruz. A missão da igreja é abençoar, lavar os pés, servir, é ser uma comunidade missionária a serviço do povo.

Uma saída caseira

Ingenuidade imaginar que a mera recuperação de alguns modelos formais como classes, bands, sociedades, circuito, itinerância, etc., serão suficientes para nos devolver o "gênio" wesleyano. Nada disso! Não é esse o caminho. Estaríamos recuperando apenas a forma, sem a alma, sem a essência. É a mesma coisa que pegar uma roupa antiga e vestir. Ela não se ajusta. Não dá para simplesmente transplantar o modelo eclesiástico wesleyano para a nossa realidade. Ao invés de fiéis estaríamos cometendo a mais ignorante das infidelidades. O caminho é outro, é descobrir a essência, é procurar reconhecer qual foi a alma do movimento wesleyano.

Seria interessante se o metodismo brasileiro tivesse mais homogeneidade, se as nossas igrejas locais fossem mais reconhecíveis em todas as regiões eclesiásticas, se os nossos cultos tivessem algum padrão. Seria legal, só que também poderia ser enganoso. O fundamental não é a forma, não é que cantemos os mesmos hinos e tenhamos a mesma liturgia. O maravilhoso seria que o conteúdo dos nossos hinos fossem parecidos e que promovessem a unidade, a santidade, o amor ao próximo. Não hinos de guerra, não hinos agressivos, não hinos intolerantes e horrorosos.

O sonho de J.E. Newman, um dos nossos pioneiros, era que o metodismo no Brasil cantasse hinos de Carlos Wesley e de Isaac Watts. Este sonho foi realizado pelo Rev. Justus Nelson, missionário metodista em Belém do Pará, que organizou o primeiro hinário metodista no Brasil. Disse que estava cansado de cantar músicas calvinistas, músicas que reforçavam uma doutrina que não estimulava o amor ao próximo, que afirmavam que uma vez salvo, salvo para sempre, e por isso traduziu as músicas dos metodistas.

Aventuro-me a dizer que nos equivocamos muito quando perdemos o foco, achando que o xis da questão está em alguma mudança formal nesta ou naquela questão. Mudanças dessa natureza não serviriam nem como maquiagem, porque iriam enfear substancialmente o metodismo e transformá-lo numa denominação agressiva e belicosa.

Se há alguma batalha a ser travada, que seja na direção correta. Se há algum projeto importante que ocupe as nossas atenções, que seja para dilatar a nossa generosidade, que seja para nos integrar totalmente ao Evangelho de Cristo.

Proposta

Uma das frases de JW que constantemente martela a minha cabeça diz respeito à pergunta que lhe fizeram, para saber se tinha medo de que o metodismo um dia desaparecesse. Na sua resposta ele assinala que o seu maior temor não era este, mas a possibilidade de o metodismo um dia perder a sua vitalidade, a sua alma, e se transformar numa mera instituição religiosa sem a essência do verdadeiro cristianismo. E completa dizendo que tal ocorrerá inevitavelmente, a menos que o povo chamado metodista se mantenha firme na doutrina, no espírito e na disciplina que marcaram o início do movimento.

Qual é o "espírito" do metodismo? Qual é a sua identidade? Em diversos textos JW procura mostrar que o metodismo é um movimento que procura resgatar a essência do cristianismo e sua singularidade está centrada na ênfase que se dá à doutrina da santificação, "o grande tesouro que Deus depositou nas mãos do povo chamado metodista", conforme escreveu a Robert C. Brackenbury, em carta de setembro de 1790.

Proponho que concentremos todos nossos esforços na recuperação deste grande tesouro. Que seja este o nosso propósito, o nosso cavalo de batalha. Que concentremos toda a nossa dedicação nessa direção.

Nosso primeiro passo será compreender que não se trata de uma tarefa fácil e simples, que pode ser conseguida mediante decisões administrativas tomadas nos níveis regional, distrital ou local. O próprio JW "penou" a vida inteira gritando sobre a centralidade da santificação e não obteve o sucesso esperado. Em 1745 ele declarou estar farto de uma religião só baseada em palavras, sem gestos de amor e de misericórdia. Disse que a verdadeira religião, sólida e substancial, deve estar assentada na santidade do coração e da vida. Em carta escrita ao irmão Carlos, em março de 1772, ele reclama dizendo que "quase todos os pregadores nos circuitos abandonaram a pregação da perfeição cristã. Dizem que crêem; mas nunca pregam sobre ela, nem sequer uma vez por trimestre". Nas suas cartas JW exorta e incentiva os pregadores a insistirem neste tesouro, como fez com Samuel Bardsley, em 3 de abril de 1772: "Nunca se envergonhe da antiga doutrina metodista".

JW continua significativo para nós metodistas porque de certa maneira entendeu a recomendação dada por Jesus à Marta, assinalando que o que importa é uma só coisa. É por isso que ele vai centrar todas as suas baterias, os seus esforços, em uma só direção, uma direção necessária e fundamental, que é a questão da santificação, "sem a qual ninguém verá o Senhor". No Sermão "O caminho do reino", JW diz que a "religião não consiste na ortodoxia ou em opiniões corretas, que não estejam no coração, mas só no entendimento. É possível ser ortodoxo em cada ponto; é possível apoiar não só as opiniões corretas, mas também defende-las zelosamente de seus opositores; é possível ter crenças corretas a respeito da ressurreição, da trindade, a respeito de cada doutrina; é possível afirmar cada um dos credos (Apostólico, Niceno e de Atanásio) e ainda assim se pode não ter mais religião que um judeu, turco ou pagão. É possível ser tão ortodoxo como o diabo e sem duvida estar tão distante da religião do coração."

Dons e Ministérios

Creio que o projeto Dons e Ministérios compreende de forma extraordinária essa essência wesleyana e representa uma ótima estratégia para a recuperação do nosso grande tesouro.
Mas se é assim, porque em mais de vinte anos de projeto não alcançamos os resultados esperados?

Isso é o que precisamos conversar. O que sei é que não podemos continuar adotando projetos esdrúxulos, projetos agressivos que nos afastam do nosso verdadeiro objetivo. O que sei é que não podemos imaginar que a simples adoção de um bom projeto represente a solução de todos os nossos problemas. E foi isso o que aconteceu com Dons e Ministérios em muitos lugares. Houve uma maquiagem e ele não foi devidamente implementado. Essa é a questão. Não basta seguir algumas indicações, um roteiro, e imaginar que está tudo pronto. Isso qualquer um faz e muito rápido. Basta reunir a igreja, dividi-la em grupos e assinalar o que cada grupo ou ministério deve fazer. Isso é muito fácil. Só que o projeto não é isso. O problema eclesiológico não é gerencial e administrativo, se bem que algumas de nossas comunidades estão desorganizadas, mas essa é outra coisa, bem mais simples e pode ser resolvida com mais facilidade.

O metodismo entrará em declínio não por ser refutado ou perseguido, mas quando se tornar irrelevante, insensível, opressivo e insípido. E isto ocorrerá quando a fé for substituída pela profissão de fé, a adoração pela disciplina, o amor pelo hábito; quando a crise de hoje for ignorada pelo esplendor do passado; quando a fé se tornar mais propriamente uma herança tradicional do que uma fonte de vida; quando se expressar mais pela autoridade do que pela voz da compaixão.

Santidade é o grande tesouro que Deus ofereceu aos metodistas!

José Carlos Barbosa
Pastor Metodista
Coordenador do Centro de Estudos e Pesquisas sobre Metodismo e Educação (CEPEME) IEP/UNIMEP

* Este texto é parte de um trabalho sobre eclesiologia, apresentado no Concílio Regional da 5 RE, realizado em novembro de 2005.

1 Comments:

At julho 15, 2010, Blogger Gladstonier said...

Infelizmente para vocês, as "canções calvinistas" como vocês chamam, nada fazem senão retratar o que ensina a bíblia.
Geralmente, nós calvinistas cantamos versículos, fazendo poucas alterações, para se encaixar na melodia; sem prejudicar o sentido do texto.
Graça e paz!!!

 

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