Concílio Geral - a mudança que não houve
Por: Fábio Martellozo Mendes
Entra no elevador. O ascensorista pergunta: “Qual andar?” O sujeito responde: “Tanto faz, já estou no prédio errado mesmo.”
Campanha eleitoral. Todos os candidatos falam em mudança, inclusive o candidato que representava o governo de então. Mudança de rumos da política econômica, mudança do ritmo de crescimento econômico, mudança na relação entre Planalto e Congresso, mudança de prioridades governamentais, com maior ênfase no bem estar social e menor ênfase no aspecto financeiro e institucional. Falava-se muito, mas o que vemos hoje nos dá a real noção da possibilidade de mudanças: nenhuma.
Como mudar a relação Planalto-Congresso sem mudar as regras políticas, a representatividade dos Estados, sem mudar a possibilidade de governança e o papel do congresso e do presidente num regime presidencialista? Como mudar a política de juros e a relação com as instituições financeiras sem mudar a dependência da economia ao capital especulativo e com todas as candidaturas financiadas pelos bancos?
A “ilusão da mudança”, agora explorada inclusive por partidos que até então faziam parte da base governista, também foi explorada neste 18o Concílio Geral da Igreja Metodista.
Nos últimos anos, através dos meios de comunicação extra-oficiais, de emails, encontros de grupos societários, evangelísticos e avivalistas, a mudança de rumos da Igreja Metodista foi o mais alardeado evento a acontecer no Concílio Geral.
Mudanças! Grandes mudanças! A Igreja Metodista iria deixar seus quase cento e cinqüenta anos de estagnação e se tornar uma igreja amante do evangelismo, lançando-se na pesca de almas com vigor jamais visto! A Faculdade de Teologia iria deixar de ser um centro de liberalismo teológico, agnosticismo e socialismo e passaria a ser uma fábrica de profetas, de onde o jovem empolgado sairia um verdadeiro apóstolo, pescador de almas, zeloso de suas ovelhas, ao invés de um cético que lança dúvidas sobre seu próprio rebanho! Os bispos e sds deixariam de ser os meros politiqueiros que passam quatro anos apenas costurando a base de apoio para sua própria reeleição tornando-se, sim, verdadeiros pastores de pastores, nutrizes do ardor missionário de seus colegas presbíteros, que agiriam a partir de então com renovado vigor e cuidado por seu rebanho!
Podemos esperar isso da nossa Igreja Metodista após o Concílio Geral de 2006?
Eu creio que não.
Creio que não, não porque os bispos eleitos careçam de carisma episcopal, não porque os presbíteros não se esforcem para cumprir suas funções, não porque os leigos não se empenhem no crescimento da Igreja Metodista. Creio, sim, que as mudanças não acontecerão principalmente porque não houve vontade política para que qualquer mudança relevante acontecesse. E isso pode ser atribuído tanto aos atuais detentores das funções episcopais, das secretarias nacionais, aos coordenadores de áreas, aos integrantes dos grupos de trabalho, às instituições ‑ quanto aos postulantes a esses mesmos cargos e que agora, em parte a eles ascendem.
Se quisermos mudanças de rumos, em primeiro lugar, precisamos saber qual Igreja Metodista queremos, quais os objetivos a serem atingidos, qual a eclesiologia da Igreja Metodista, como será a relação da Igreja Metodista frente aos novos movimentos religiosos, quais os parâmetros litúrgicos, teológicos e doutrinários da Igreja Metodista, quais os limites da diversidade sem risco de perdermos a identidade denominacional. Se quisermos bispos que sejam pastores e não burocratas eclesiásticos, precisamos determinar qual o papel do bispo, qual o papel da COGEAM, quais os limites de atuação do Colégio Episcopal e da COGEAM. Se quisermos mudar a formação ministerial e a gestão da educação teológica da nossa igreja, precisamos saber qual o modelo de formação ministerial e de educação teológica que precisamos para atingir nossos objetivos pastorais e missionários.
Mas outra vez a ordem de discussão foi equivocada. Ao invés de definirmos os parâmetros e então elegermos bispos cônscios de seus papéis, toda a discussão girou primordialmente em torno dos nomes e uma verdadeira batalha política foi travada para ver qual partido abocanharia mais cargos.
O grupo que se apropriou do slogan da mudança articulou em torno de seus nomes uma rede de apoio e batalhou pela sua eleição. O grupo que atualmente ocupa as funções diretivas da igreja articulou uma base de votos para manter suas funções e também partiu para a luta. E ambos os grupos se lançaram à caça dos votos muitas vezes, inclusive, em franco desrespeito à vontade dos Concílios Regionais que os elegeram e a despeito da vontade das bancadas regionais que representam. Ao fim e ao cabo, os grupos que advogavam pela mudança e tanto criticavam a postura política e burocrática dos detentores das funções diretiva, articularam-se usando os mesmos recursos que até então repudiavam. Mudam-se os nomes, mantém se os métodos. Alguma semelhança com 2002?
Após terem garantido as “boquinhas”, a grande luta se travará em torno de questões secundárias ou supérfluas. Ecumenismo. Se a Igreja Metodista sair do CONIC e do CLAI haverá alguma grande mudança de atuação evangelística e missionária da igreja? Ou será que o clero e laicato metodistas continuarão a ter a mesma atuação e postura frente à Igreja Católica Romana, quer favorável, quer contrária? Se a Igreja Metodista tomar uma postura mais dura em relação à maçonaria, será que aquela meia dúzia de pastores maçons e uma dúzia de leigos maçons deixarão de ser maçons? Será que isso é a grande mudança que foi alardeada nos espaços pré-conciliares?
Para sermos justos não podemos deixar de louvar decisões tomadas no Concílio Geral. Por exemplo, a criação do curso de pós-graduação em música sacra, a criação de um departamento nacional de música e artes e a mudança de status dos Campos Missionários da Amazônia para Região Missionária da Amazônia, com vistas a estimular a missão integral da igreja.
Mas não podemos deixar de lamentar os fatos que geraram o apelo da bispa Marisa Coutinho, pedindo apoio integral para a REMNE, conclamando a Igreja Metodista a adotar de forma enfática a obra missionária no Nordeste e no Norte do Brasil. O congelamento das cotas orçamentárias para a REMNE mais uma vez mostra que a expansão missionária no Norte e Nordeste brasileiro ainda não é prioridade para a Igreja Metodista, como já havia detectado o bispo Paulo Mattos em artigo escrito ao “Mosaico – Apoio Pastoral”. Não por acaso foi o bispo Paulo Mattos o primeiro bispo da REMNE.
Na verdade, a grande chance de mudança da Igreja Metodista se dará na área administrativa. Existe a real possibilidade de operarmos numa estrutura mais “enxuta”, menos onerosa e, conseqüentemente, de termos mais recursos destinados à missão. Mas é muito pouco isso, não?
Afinal, tanto se falou e tanta expectativa se criou em torno de uma mudança radical e positiva na vida da igreja. Tanto se articulou com nomes clérigos e leigos de diversas regiões eclesiásticas em torno de um compromisso pela eleição de oito “bispos pastores”, não ligados às teologias da libertação, ao academicismo liberalizante, à burocracia institucional ou ao ecumenismo com a Igreja Católica Romana.
Tanto se falou do resgate de um metodismo mais wesleyano, da adoção de práticas eclesiásticas mais afinadas com nossas raízes e tradições.
O irônico nisso tudo é que o grupo que advogava esse resgate wesleyano é apoiado por igrejas, pastores e delegados que, quando não responsáveis em omissão pelo abandono de práticas litúrgicas ligadas à nossa tradição metodista e protestante, como o batismo infantil e por aspersão, são responsáveis em comissão pela introdução de práticas litúrgicas estranhas à nossa tradição wesleyana, tais como grupos celulares G-12, atos proféticos e outras novidades neopentecostalistas.
O que tivemos, enfim? Pouco, muito pouco além da luta pelas “boquinhas”.
Esqueceram-se os conciliares que o bispo é um pastor de toda a igreja, não o representante de uma corrente teológica ou de um estilo litúrgico que visa a romper com os anos de estagnação. Mais uma vez teremos fortalecida, na nossa Igreja, a visão de que a conexionalidade não passa de uma ilusão, teremos fortalecida a postura de que o que vale é a vida da igreja local, praticando um congregacionalismo branco, a despeito da vontade ou da orientação e, por vezes, sequer da existência do bispo.
Se queríamos mudança, deveríamos ter trabalhado e lutado por atingi-la, não reduzindo este 18o Concílio Geral da Igreja Metodista a mais uma briga pelas “boquinhas”.
Resolvidas as “boquinhas”, bem... aí, tanto faz, já estamos no prédio errado mesmo.
Que Deus proteja os integrantes do Colégio Episcopal dos mesmos procedimentos que foram utilizados para garanti-los como membros do colégio episcopal.
Fábio Martellozo Mendes
3a Região Eclesiástica
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