31 julho, 2006

Textos de John Wesley

Por: Helmut Renders

Gostaria de compartilhar três textos dos sermões de Wesley, com os/as leitores/as, e levantar perguntas além da discussão histórica.

Antes de ler os textos é bom se lembrar de três pontos:

  • Wesley era anglicano e isso implica uma posição não tão rígida como da época da reforma, com as suas anátemas entre o protestantismo e catolicismo romano e vice-versa. (Abrindo um parêntese: na Confessio Augustano os batistas receberam a mesma rejeição como os católicos romanos.)
  • Wesley encarnou a coletiva rejeição inglesa de qualquer tipo de religião cristã que levasse a(s) igreja(s) de volta aos conflitos parecidos com os do século XVII, espeicalmente a tentativa de implantar uma monarquia absoluta (projeto supostamente católico romano) e a tentativa de instalar algo parecido com a revolução de Cromwell, projeto puritano). Em relação a estas duas ligações, entre religião e política, Wesley se pronuncia anti-católico e anti-calvinista de forma paralela!
  • Wesley não queria voltar para os confrontos excludentes do século XVII, mas, promover um movimento de avivamento do cristianismo inglês. Defender um movimento de avivamento – por natureza muito diversificado em si mesmo, durante a época de Wesley e sempre um pouco radical – e ajudá-lo a não cometer os erros do século XVII, deu muita dor de cabeça para Wesley, mas, ele manteve uma dupla linha de ação: defesa e promoção do avivamento, e um espírito irênico (da promoção da paz) e da tolerância, muito além das limitadas visões dos grupinhos da sua época.

Wesley reage diante de desafios concretos. Quando a violência entre católicos e protestantes na Irlanda explodiu, ele escreveu A carta para um Católico Romano, não diabolizando o outro (os católicos tinham matados nesta ocasião muitos protestantes), mas, procurando ganhar o outro como irmão, afirmando a base em comum. A forma como Wesley fala de Maria nesta carta, deve chamar a atenção do/a leitor/a: Wesley constrói o máximo possível uma aproximação.

Vamos agora às partes dos sermões 106, 120 e 133.

Sermão 106 “Sobre a Fé”

No parágrafo II.7 Wesley afirma:

Colocando-o de lado, a fé dos Católicos Romanos, em geral, parece estar acima daquela dos judeus do passado. Se a maioria desses são voluntários na fé, acreditando mais do que Deus tem revelado, não se pode negar que eles acreditaram em tudo que Deus revelou como necessário para a salvação. Nisto nos regozijamos em favor deles. Estamos alegres que nenhum daqueles novos Artigos que eles acrescentaram no Concílio de Trento, "para a fé uma vez entregue aos santos, tão materialmente contradizem quaisquer dos Artigos cristãos, como residem a eles nenhum efeito".

O “acreditar mais do que Deus tem revelado” não desfaz “que eles acreditaram em tudo que Deus revelou como necessário para a salvação”. Em outros textos Wesley qualifica este “mais” como “adições” (diário 27/08/1739). Em 1739 Wesley é mais rígido no julgamento disso, no fim da sua vida, segundo o nosso sermão, ele pronuncia uma grande abertura.

Sermão 120 “Sobre a Veste Nupcial”


No parágrafo 14, Wesley alerta os protestantes, em relação à questão da discussão sobre as perseguições, de “não atirar a primeira pedra nos Católicos Romanos”.


14. Que não se diga: “Isso não diz respeito a nós Protestantes: Nós pensamos e deixamos pensar. Nós abominamos o espírito de perseguição; e mantemos, como verdade indiscutível, que toda criatura racional tem o direito de adorar a Deus de acordo com as convicções da sua consciência”. Mas será que somos verdadeiros com relação aos nossos próprios princípios? Por enquanto, não usamos fogo ou varas. Não perseguimos até à morte aqueles que não concordam com nossas opiniões. Graças a Deus, as leis do nosso país não permitem isso; mas acaso não se verifica a perseguição doméstica na Inglaterra? O dizer, o fazer alguma coisa indelicada contra o outro, por este seguir sua própria consciência, também é uma espécie de perseguição. Ora, estamos todos limpos disso? Não há entre nós algum marido que, nesse sentido, persiga sua esposa? Que a obrigue indelicadamente, com palavras ou atos, a adorar a Deus, contra a sua [da esposa] própria consciência? Não perseguem os pais assim a seus filhos? Nem os senhores, ou senhoras, aos seus criados? Se eles fazem isto, e pensam que assim servem a Deus nisto, eles não devem atirar a primeira pedra nos Católicos Romanos.”

De fato, para Wesley é o máximo da maturidade cristã, a saber, amar até o seu inimigo. Isso é profundamente tocante e talvez a base espiritual mais profunda e mais necessária em momentos de conflitos: nunca se esquecer que o outro, o diferente é imagem Deus, cujo coração pode estar com meu coração e que eu sou obrigado pelo evangelho de procurar ao outro. Não trata-se de uma tolerância barata, do tipo "tanto faz", trata-se sim de uma tolerância no sentido da palavra; estar junto com o outro mesmo quando ele se revela como limitado, pecador, ou seja o que for. E, claro, somos gratos também quando os outros não fogem do nosso lado no momento que as nossas próprias limitações e os nossos pecados se tornam públicos. Isso significa "tolerância" - carregar uns aos outros. Isso significa também que a nossa proximidade não é uma mera complicidade que não se desafia. Falhamos nisso talvez? Acredito que talvez mais do que se diz no momento. Mesmo assim a abertura constrói um clima de acolhida necessária para os questionamentos necessários. Acredito que isso seja também parte da estratégia pastoral de Wesley em relação a outras vertentes de cristianismo. Eles sempre enfatiza que serve como base ou fundamento de uma aproximação e sonha que a partir da aproximação conversões de todos estejam acontecendo, inclusive dos metodistas.

Sermão 133 “Sobre a Morte de John Fletcher”

Esta lógica aparece no sermão 133. No início desse sermão Wesley menciona Rentry e Lopez, dois católicos como um padrão de santidade não encontrado na Inglaterra (na sua época, além de anglicanos, houve lá muitos batistas, presbiterianos e congregacionalistas).

Existe pouca necessidade em acrescentar alguma característica a mais deste homem de Deus, ao relato precedente, dado por alguém que escreveu da plenitude de seu coração. Eu apenas observaria que, por muitos anos, eu me desesperei para encontrar qualquer habitante da Grã-Bretanha, que pudesse, em qualquer grau de comparação, situar-se com Gregory Lopez ou o Senhor de Renty. Mas que qualquer pessoa imparcial julgue, se o Sr. Fletcher foi, de alguma forma, inferior a eles. Ele não experimentou tão profunda comunhão com Deus, e tão alta medida de santidade interior, como experimentaram tanto uma quanto a outra daquelas luzes ardentes e brilhantes? E é certo que sua santidade exterior, brilhou diante de homens, com um brilho tão completo e esplendoroso como o deles? Mas, se alguém tentar esboçar um paralelo entre eles, existem duas circunstâncias que merecem consideração. Uma é, que nós não estamos seguros de que os escritores de suas vidas não atenuaram, se não, suprimiram, o que estava errado neles; e algumas coisas erradas nós estamos seguros que havia, a saber, muitos toques de superstição, e alguns de idolatria, em adoração santos, a Virgem Maria, em particular: [...]

A pergunta é: Como se relaciona neste texto a afirmação da superioridade cristã desses dois católicos “ardentes brilhantes” sobre qualquer habitantes da Inglaterra com o suspeito que eles poderiam ter sidos adoradores dos Santos e de Maria? Apesar de que, finalmente, Fletcher ganharia a competição sendo da mesma qualidade dos dois, sem ter as mesmas “falhas”, o texto não indica que erros, superstição e até idolatria, sejam suficientes para dizer que uma pessoa da fé católica não pode representar uma espiritualidade e práxis da fé superior a da população protestante de um país “protestante” por inteiro!

Wesley gosta mesmo de desafiar seus adeptos ! Por que Wesley faz isso? Não poderia ter usado os exemplos de piedosos calvinistas, luteranos, batistas ou anglicanos (Fletcher era sacerdote anglicano)? Parece que Wesley, com freqüência, sentia a necessidade de desafiar o orgulho confessional ou denominacional dos seus metodistas. O problema maior, segundo Wesley, não é ser católico, anglicano, luterano ou metodista, mas, santo ou não santo, maduro ou não maduro, ser capaz de amar o inimigo ou não, ser extremamente cuidadoso em não falar mal sobre o outro ou ser negligente em relação a isso. Wesley não parte da pior hipótese possível sobre a fé e confissão do outro, mas parte da vida do outro e encontra assim, entre todas as confissões mulheres e homens que ele considera exemplos e discípulos de Cristo. Assim, ele cita Rentry e Lopez, dois católicos, no sermão funebre de Fletcher, como grandes exemplos da fé e existência cristã, como exemplos até únicos. Duvido que todos tenham gostado de ouvir isso naquela ocasião. Mas, exatamente aqui começa o legado, a sabedoria e o amor evangelista de Wesley: falar bem do outro, onde for possível, supreender pessoas até para abrir corações e portas e, sentar-se junto com o outro na mesma mesa e ter comunhão com ele. Wesley procura o máximo possível conectar, conferir, reunir, reconciliar. Wesley é evangelista.

Tarefas para além da discussão sobre Wesley: os temas da “perseguição” e da “idolatria” como desafios hoje.

Nós sabemos que perseguição, desrespeito, maltrato, desfavorecimentos, etc., aconteceram e acontecem no Brasil entre as confissões. Nós sabemos também que nos últimos 50 anos ocorreram melhorias substanciais nas relações entre as confissões, porém, sabemos também que essas melhorias não são sempre universais nem lineares (sempre para o melhor). Mesmo assim há muitas histórias de respeito de solidariedade, de aprendizagem mútua, que podem ser também contadas .

  • As plataformas de diálogo e de colaboração (como o CONIC ) deveriam ser usados mais como instrumento para educar e desafiar comportamentos errados. Imaginemos o seguinte: uma igreja local “x” sofre um maltrato por uma igreja local “y”, sendo as duas membros da CONIC. Neste caso cada igreja local pode se dirigir ao CONIC pedindo que seja feita justiça e cada igreja participante é responsável por chamar os seus próprios representantes locais às ordens. Imaginemos o efeito! Nesta plataforma deveria ser tratado também o falso testemunho em relação aos supostos maltratos, onde eles surgem.
  • No Brasil não existe uma forma regulada de transferência entre as igrejas da CONIC. Mudança entre estas igrejas tornam-se, às vezes, um drama existencial que gera conflitos no nível familiar e dentro das cidades. O direito do ser humano de escolher a sua religião de forma livre, é um direito do cidadão brasileiro, conquistado com sofrimento. Como se distingue o direito de falar da sua fé e o direito de escolher a sua fé do proselitismo? Isso não me parece, claro, que a acusação tanto do proselitismo como a defesa da liberdade de religião não me convencem em todos os casos.
  • A idolatria é um problema na religião, porque ela é a confusão do criador com a criação ou do representado com a representação. Reconheço também que a possibilidade da idolatria existe em toda expressão religiosa. É muito interessante que na América Latina este assunto é um tema tanto na Teologia da Libertação como entre os evangélicos (idolatria do mercado, idolatria individual). Isso não poderia nos levar a uma discussão mais madura do assunto?
  • Existem ainda muitas histórias de sofrimento e opressão que precisam ser contadas. Protestantes não sofriam juntos com católicos, perseguidos por católicos? E o caso do Leonardo Boff e sua acolhida no Bennett? E de Hugo Hassmann acolhido pela UNIMEP? Não houve católicos sofrendo com metodistas, perseguidos por metodistas, por exemplo, durante a ditadura, onde alguns pastores entregaram até membros do seu próprio rebanho ao DOPS? Há muitas histórias de colaboração feliz que precisam ser contados. Nunca houve freiras e padres colaborando em projetos metodistas e metodistas em projetos deles, sempre, na esperança de dias melhores? Que eu não conheça isso, não significa que seja impossível.
  • A história de muitas vidas mostra que a vida não se encaixa em formulas simples do tipo “católico = idolatra” ou “protestante = herege”. Sempre estamos tentando dar a impressão que os perseguidores sejam os outros e que esta sua atitude justifica o nosso afastamento. Mas, querendo fazer justiça a uma situação brasileira realmente diversificada, a vida não é tão fácil e não é justo dar a impressão que ela seja. E por causo disso continuo sonhando com a aliança dos/as sérios/as de todos os lados.

Finalizando: é uma pena que a proposta dos bispos e da bispa, de manter as relações estabelecidas e de discutir melhor, nos próximos cinco anos, a nossa vivência ecumênica, não tenha recebido a maioria dos votos.

Helmut Renders

1 Comments:

At agosto 01, 2006, Blogger marianewnum said...

Prezado Helmut,
Obrigado por sua rica contribuição e esforço por trazer Wesley para a Igreja Metodista e para todos os Metodistas Ecumênicos. Você com outros/as está trilhando o caminho que temos que seguir como Igreja e como pessoas:Voltar à Wesley. Quem tem identidade não tem medo; Wesley não tinha medo, pois sabia quem era e o que era o movimento metodistas ou o que o movimento metodista deveria ser.

Siga e prossiga ajudando nesse caminho.

Paz, graça e bem.
Maria Newnum

 

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