Carta dos Bispos e Bispa ao 18 Concílio Geral
Aracruz, 10 de julho de 2006
Irmãos e Irmãs da Assembléia do 18º Concílio Geral
Permaneça sobre nós a Graça do Deus Trino.
Vimos perante o plenário do 18º Concílio Geral oferecer o posicionamento do Colégio Episcopal sobre o ensino e práticas ecumênicas da Igreja Metodista no Brasil. Antes de tudo, entretanto, julgamos necessário voltar a expor a metodologia usada na fase pré-conciliar, na preparação deste 18º Concílio. Precisamos relembrar que inovamos nossos procedimentos sobre a metodologia adotada em outros Concílios Gerais. Esta inovação deve-se principalmente à avaliação do que ocorreu no 17º Concílio Geral, em Maringá no ano 2001. Naquele conclave tivemos em plenário um Caderno com 156 propostas, proveniente de pessoas, igrejas e regiões, e outras 40 oriundas da área nacional da Igreja. No total, 196 propostas com diversidades de matérias para a Vida e Missão da Igreja. A análise dos conteúdos em plenário teve dificuldades, pois pontuava questões esparsas, muitas das quais de caráter programáticos e mais pertinentes à fase pós-Concílio.
Na fase preparatória deste 18º Concílio Geral, adotamos como metodologia continuar ouvindo a Igreja, mas agora por meio de "sugestões" e não de "propostas" para direta recepção e apreciação no plenário conciliar. Na metodologia, coube ao Colégio Episcopal e à Coordenação Geral de Ação Missionária tomar a decisão sobre quais "sugestões" deveriam tornar-se "propostas", ao lado ou integradas às destes dois órgãos da área nacional. E decidir quais delas serão, após o Concílio, encaminhadas como sugestões para Planos de Ação, por serem de caráter programático. Assim, nos Cadernos de Propostas deste Concílio temos pouca quantia de propostas, mas grande relevância em seus conteúdos. Inclusive propostas para substancial adequação na lei da Igreja, na Constituição e na lei ordinária.
O Colégio Episcopal não encaminhou a este Concílio, nos Cadernos próprios, nenhuma proposta que especialmente tenha a ver com a prática ecumênica da Igreja Metodista. Optamos por não transformar "sugestão com conteúdo de questão ecumênica" em texto de "proposta". Nessa opção, metodológica, um de nossos princípios orientadores, por exemplo, está em um dos momentos do 17º Concílio Geral. Em sua última sessão, foi posta em debate a proposta 135. Após Ter sido a matéria "amplamente discutida", o plenário "votou favoravelmente pela permanência da Igreja Metodista no Conselho Nacional de Igrejas Cristãs" – CONIC (Atas e Documentos do 17º. CG, p.366).
Não obstante tendo-se em consideração que o tema estado presente nas discussões pré-conciliares, como é do conhecimento geral da Igreja, nós, como Colégio Episcopal, desejamos aprofundar pastoralmente a nossa palavra, pois temos como responsabilidade proporcionar orientação à Igreja quanto à doutrina e aos princípios de fé, moral e ética cristã, em cumprimento à função que em nome de Deus e da Igreja Metodista no Brasil nos tem sido confiada por Concílios Gerais anteriores.
Em documentos preparatórios deste 18º Concílio, referências a respeito da unidade cristã não estão ausentes nas matérias que o Colégio Episcopal encaminhou às delegações. Elementos indicativos do imperativo teológico e da vontade missionária de "preservarmos a unidade do Espírito no vínculo da paz" estão em um dos Compromissos no Plano Nacional Missionário. E também no tópico que encerra o Relatório do Colégio Episcopal, quando nos pronunciamos sobre "A unidade da Igreja".
Estamos conscientes de que o uso do termo ecumênico desperta diferentes reações em diferentes grupos dentro e fora da Igreja. O termo, relembremos, originalmente tem o sentido de globalidade, de totalidade da terra habitada. Tem sentido de desejo de plenitude, de relacionamentos em consonância. Neste contexto, John Wesley, afirmou, referindo-se aos metodistas: "Nós somos um novo fenômeno na terra; um corpo de pessoas que, não sendo de nenhuma seita ou partido, são amigas de todos os partidos e se esforçam em incentivar todos na religião do coração, no conhecimento e no amor de Deus e do ser humano" (Sermão 121, Profetas e Sacerdotes, § 18). Relembramos, ainda, que os metodistas estão entre os primeiros que nos últimos cento e vinte cinco anos retomaram o uso deste termo quando da primeira conferência mundial metodistas na final do século dezenove, evento chamado de Conferência Ecumênica. Entretanto, sabemos e não podemos ignorar o fato de que no presente momento o termo tem sido usado de maneira controvertida suscitando sérias e graves distorções. Estamos firmemente convencidos de que nem tudo que é adjetivado de ecumenismo, particularmente na mídia secular, se coaduna com nossa interpretação e prática ecumênicas.
Como Igreja Metodista, precisamos ter plena consciência de que as questões ecumênicas estão "em movimento", e diante de nós, queiramos ou não, gostemos ou não, assim como outras questões do campo religioso que estão demandando nossa cuidadosa atenção, como o crescimento, de um lado, do movimento pentecostal, e, do outro, do pluralismo religioso. Por essa razão, queremos falar em "caminhada ecumênica". Podem variar as formas de darmos nome ao relevante assunto "ecumenismo". Podemos dizer "unidade cristã", "questão ecumênica", "espírito ecumênico", "diálogo e cooperação interdenominacional". Optamos por destacar "caminhada ecumênica", em uma expressão próxima de nossas experiências pessoais de vida, de nossos cotidianos. Como já mencionado, sabemos que o próprio termo ecumenismo e as práticas ecumênicas desenvolvidas têm gerado tanto grandes oportunidades de testemunho e serviço cristãos, como grandes controvérsias. Requer-se, na discussão sobre ecumenismo, disposição, mente e coração para discernir os desafios enfrentados pelo compromisso com a unidade cristão quanto às suas possibilidades, oportunidades, dificuldades e limites, à luz do mandato expresso pelo próprio Senhor Jesus na oração sacerdotal, na qual intercedeu ao Pai não só por seus discípulos, mas por todos que viessem a crer nele, quando disse: " A fim de que todos sejam um; e como és tu, ó Pai, em mim e eu em ti, também sejam eles nós; para que o mundo creia que tu me enviaste". (João 17.21).
Jesus se apresentou como O Caminho. Os primeiros cristãos foram conhecidos como os do caminho (Atos 9.2; 22.4). Está no contexto da teologia wesleyana falamos em caminho da salvação. Quem está num caminho encontra-se "em direção a". Caminho, portanto, é palavra com conteúdo teológico. No ecumenismo não há teses prontas e perfeitas, estamos em caminhada, em direção a, como peregrinos. Procedimentos fundamentais nesta caminhada são vividos no diálogo, respeito pelos outros, consciência de identidade, honestidade na colocação daquilo que nos une e daquilo que nos espera, cooperação para o bem comum, alegria nas vitórias, perdão.
Na "caminhada ecumênica" estamos, ao lado de e com outros, dialogando, fazendo, aprendendo, cooperando, celebrando, e inclusive descobrindo a respeito de nós mesmos. Há um, praticamente interminável, percurso a ser feito. Reconhecendo que há grandes oportunidades e possibilidades de testemunho e serviço mediante a cooperação entre as diferentes igrejas e confissões, reconhecemos também que há grandes dificuldades e limites nessa caminhada, tanto de ordem doutrinária como de ordem prática.
Reconhecemos, ainda, que, como Colégio Episcopal, não fomos capazes de aprofundar junto `as nossas igrejas locais nosso diálogo sobre a compreensão e prática ecumênica, apesar da nossa Carta Pastoral sobre Ecumenismo elaborada em 1999. Tudo isto tem gerado, inquietações e incompreensões no seio de nossa Igreja. Diante de tal quadro, muitas vezes tendemos ao isolacionismo e, com o sadio intento de resguardar a pureza doutrinal, acabamos por cair no sectarismo, como já nos advertiu nosso pai espiritual Wesley em seu sermão sobre a intolerância.
O que importa, entretanto, é seguirmos adiante, sem retrocedermos. Seguir adiante e não lançarmos fora as significativas experiências de crescimento – na fé, na esperança, no amor – que nos proporciona o nosso contato com cristãos e cristãs de outros grupos e de organismos intereclesiásticos. Mas também significa não lançarmos fora nossas convicções teológicas, pois o compromisso ecumênico somente pode ser levado à frente se por um lado, tivermos convicções fortemente alicerçadas em nossa herança wesleyana, e, por outro, estivermos plenamente conscientes dos problemas, das dificuldades e dos limites que o movimento ecumênico enfrenta na atualidade. O presente estado do ecumenismo não admite nem romantismos, nem leviandades e, muito menos, irresponsabilidades, quer doutrinais, quer práticas.
Acima de tudo, entendemos que o caminhar ecumênico deve aprofundar as oportunidades que beneficiam, perante o mundo, o testemunho da fé em Cristo e o serviço pleno de amor ao próximo. Prossigamos a caminhar. Podemos admitir que o final desta jornada – uma vez que reconhecemos as limitações de nossa pecadora humanidade – certamente só poderá realizar-se por ocasião da plena e vitoriosa manifestação da Graça de Deus, nos últimos tempos, quando as Igrejas deixarão de existir, pois elas são históricas e temporais. Deus nos enxugará dos olhos todas as lágrimas. Existirá o Reino de Deus em sua plenitude ecumênica, regido pela única e eterna "lei" do amor. Por isso, entendemos que o nosso compromisso ecumênico de buscar tornar visível a unidade que nos está dada em Jesus Cristo, e somente nele, significa, antes de tudo, companheirismo na missão, no testemunho e no serviço, e não formar só instituição eclesiástica, uma super-igreja.
A "caminhada ecumênica" possui "marcos". Como pedras simbólicas sempre reafirmando "até aqui o Senhor nos ajudou" (I Samuel 7.12) esses marcos estão ao longo de uma histórica estrada. Para nós metodistas, o marco fundamental se encontra nas Santas Escrituras. Há uma referência que podemos interpretar como o marco de saída: encontra-se na oração sacerdotal de Jesus, que o evangelista João registrou: "Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade... que todos sejam um .... que sejam aperfeiçoados na unidade, para que o mundo conheça que tu me enviaste e os amaste" (João 17.18-23). Há uma Ecclesia não delimitada pelas tantas Igrejas existentes, ecclesia essa que, na linguagem dos Pais da Igreja, é descrita como igreja una, santa, católica (universal) e apostóllica (Efésios 2.14-22). A participação na caminhada ecumênica segue um rumo diferente do divisionismo que tem permitido tantas igrejas que se inauguram e vivem como que sem compromisso com séculos de herança cristã, assim saltando das páginas bíblicas para o seu espaço hoje. Esse brotar divido entendemos que não oferece, perante o mundo, testemunho em favor da fé que deseja proclamar "um só Senhor, um só Pai, uma só fé, um só batismo".
Há marcos nos séculos. O metodismo, afirmado a centralidade das Escrituras Sagradas, afirma a importância da tradição apostólilca e aceita completa e totalmente as doutrinas fundamentais da Fé Cristã. Tais Credos são uma rica herança que recebemos.
Há o nosso específico marco metodista. Sem abandonar séculos de Igreja na fé cristã, nutrindo-nos da seiva da Reforma protestante, acolhendo expressões de fé da Igreja Anglicana, e renovados pela espiritualidade da experiência pietista, foi assim que nos tornamos Igreja Metodista. Iniciar essa denominação, entretanto, não era o projeto desejado. Foram circunstâncias que assim impeliram. A centralidade dos objetivos do movimento metodista em seu início (objetivos também nossos hoje, em novo contexto) está sintetizada na afirmação "Não criar uma nova seita, mas reformar a nação, especialmente a Igreja, e espalhar a santidade bíblica sobre toda a terra". Não criar uma nova seita, não se isolar, não supor que somos os exclusivos portadores de uma verdade religiosa. No conjunto desses objetivos espelha-se um desejo de caminhada ecumênica, embora o vocábulo ecumênico não estivesse em uso naquela época. Aliás, de uso corrente estava a palavra "católico", no sentido de "universal". Neste contexto, repetimos John Wesley que afirmou, referindo-se aos metodistas: "Nós somos um novo fenômeno na terra; um corpo de pessoas que, não sendo de nenhuma seita ou partido, são amigas de todos os partidos e se esforçam em incentivar todos na religião do coração, no conhecimento e no amor de Deus e do ser humano" (Sermão 121, Profetas e Sacerdotes, § 18). Por isso, desestimulando quaisquer intentos separatistas, Wesley apelava com veemência: Não joguem fora a glória peculiar que Deus tem colocado sobre vocês, e frustrem o desígnio da Providência, o verdadeiro fim para o qual Deus os levantou [Sermão 121]. Por isso, entendemos que o metodismo brasileiro, seguindo a advertência wesleyana, de forma alguma confunde a aceitação das doutrinas históricas do cristianismo com atitudes intelectualistas e racionalistas de uma religião morta, nem com latitudinarismos doutrinários irresponsáveis, nem com fundamentalismo e literalismos doutrinários sectários.
Permaneçamos hoje ouvindo a enfática voz de nosso pai espiritual: "Não jogue fora...". O espírito ecumênico, a vontade de estar em "caminhada ecumênica" é uma das essências do modo de ser Igreja aceito, confessado e praticado pelo povo chamado metodista, em todo mundo, do qual o Conselho Mundial Metodista é o continuador do compromisso metodista com a unidade da Igreja desde o século dezenove. Essa essência de testemunho, nascido especialmente entre os missionários trabalhando na Ásia e África, tem possibilitado que muitas pessoas, membros da Igreja Metodista, em vários países, tenham se tornado líderes de movimentos ecumêmicos, co-fundadoras de organismos de integração de serviços desenvolvidos por Igrejas de várias denominações.
Podemos apontar vários marcos contemporâneos que os/as metodistas, do Brasil e de outros países, ajudaram a sinalizar na caminhada ecumênica da atualidade.
O 10º Concílio Geral (1970-1971) aprovou a constituição do Conselho de Igrejas Evangélicas da América Latina – CIEMAL – e a participação de nossa Igreja Metodista no Conselho. Na constituição, entre os fins apresentados, está o de "incentivar e promover relações de colaboração com o Metodismo Mundial e com o Movimento Ecumênico em todos os níveis e expressões" (Art. 2º, inciso 5). O CIEMAL está constituído "sob a autoridade das Sagradas Escrituras e aceita os credos ecumênicos com símbolos históricos da confissão da fé cristã" (Art. 15º).
Nas pastoral "Servos, servas, sábios, sábias, santos, santas, solidários, solidárias" (que, na fase pré-concílio, entregamos como documento em razão de seu conteúdo eclesiológico) afirmamos: "Alegramo-nos, como metodistas, em compartilhar do movimento de unidade do corpo de Cristo, estando filiados ao Conselho Mundial de igrejas – CMI (p. 21). A Igreja Metodista (do Brasil) está no rol de fundadoras do CMI. Em maio de 1960, o Expositor Cristão apontava: "É [...] extremamente enganoso descrever o movimento ecumênico ou o Conselho como a ‘Igreja Mundial’, pois esta palavra sugere um tipo de integração e unidade que não existe. O Conselho é simplesmente um servo das Igrejas, que as ajuda a entrar em contacto real umas com as outras e a realizar aquilo que desejam fazer em conjunto". O mesmo se pode dizer de nossa inserção no trabalho do Conselho Mundial Metodistas – CMM, cujo compromisso ecumênico é assumido por toda a família herdeira do avivamento wesleyano no século dezoito.
Afirmamos, ainda, na pastoral "Servos e Servas": estamos "filiados ao Conselho Nacional de Igrejas Cristãs – CONIC, tendo o desejo primordial de testemunhar do amor de Deus revelado na pessoa a vida de Jesus Cristo, seu unigênito Filho, "para que o mundo creia" (p. 21). Com essa nossa participação temos a possibilidade de, em momentos da vida nacional, proclamar a opinião profética de cristãos e cristãs, a partir dessa fé, comum. E, em oportunidades adequadas, desenvolver ações positivas, sinalizando a nossa vontade de criar dias melhores para o povo. Da mesma forma, estamos afiliados à maior organismo de igrejas da América Latina, o Conselho Latino-Americano de Igrejas – CLAI, desde sua fundação.
A Igreja Metodista, em partes do mundo, tem demonstrado, de várias formas, a sua característica positivamente diferenciada em termos de seu compromisso com a unidade da Igreja. A presença missionária da Igreja Metodista nos diversos organismos sinaliza o desejo do povo metodista de unir forças para que tenhamos uma Igreja profética, pastoral e missionária. Temos alegria em compartilhar do movimento de unidade do Corpo de Cristo ao estarmos presentes nos diversos órgãos, ministérios e instituições comprometidas com a unidade do evangelho em termos de missão e evangelismo, testemunho e serviço, tendo com maior objetivo testemunhar ao mundo o amor de Deus revelado em Jesus Cristo. É de se ressaltar o fato de que as maiores organizações ecumênicas, com exceção da Europa, têm hoje à sua frente líderes metodistas, pois os secretários gerais do Conselho Mundial de Igrejas, e dos Conselhos de Igrejas da América Latina, América do Norte, Ásia e África são todos metodistas. Portanto, envolvidos nesse espírito de participação na videira e Corpo de Cristo, temos sido enriquecidos pelas experiências das diversidades ministeriais presentes em outras expressões eclesiais do Povo de Deus que manifestam a diversidade que gozamos em Jesus Cristo. A inclusão na caminhada ecumênica conduz a vida do crente a uma prática cotidiana de amor ao próximo (João 13.34-35; Deuteronômio 6.5), como resposta à graça de Deus revelada em Jesus Cristo.
Todavia, de modo especial, reconhecemos que nosso relacionamento com a Igreja Católica Romana tem se constituído numa questão controvertida para diversos setores de nossa Igreja, por diferentes razões e motivos. Nosso relacionamento institucional com a Igreja Cátolica, desde os anos setenta do século passado, a exemplo do que ocorre com outras Igrejas Cristãs, fundamenta-se na unidade e comunhão com o Corpo de Cristo, mais ampla do que qualquer expressão institucional cristã. Entretanto, reconhecemos que nossa associação a organismos ecumênicos, aos quais a Igreja de Roma também se associa, tem causado questionamentos por parte de um número considerável de metodistas, particularmente entre membros de nosso corpo pastoral. Para estes setores, diante do ensino e práticas católico-romanas (como o papado, e a veneração aos santos e à Virgem Maria, consideradas como idolatria), nosso relacionamento com os católicos é entendido como comprometimento de nossos princípios bíblico-teológicos às custas da perda de nossa identidade evangélica e wesleyana e de nosso compromisso com a evangelização do povo brasileiro, atribuindo-se, inclusive, ao ecumenismo a falta de crescimento numérico em algumas de nossas regiões eclesiásticas. Outros consideram que nosso relacionamento com católicos implica em atitudes por vezes eirenistas, românticas ou, até mesmo, ingênuas, que ignoram as contradições, divergências e antagonismos entre evangélicos e católicos ao longo de quase cinco séculos.
Reconhecemos que, em determinadas circunstâncias, mais no passado do que no presente, tem havido uma prática ecumênica, o chamado "ecumenismo festivo", que, com a intenção de superar o período de controvérsias e mesmo de intolerância religiosa contra os evangélicos por parte de católicos, acaba por não reconhecer pendências teológicas de fé e prática que ainda persistem entre nós, mesmo com todo o diálogo ecumênico, nos últimos quarenta anos, entre esses dois ramos de cristandade.
Reconhecemos, entretanto, que nossa convivência nos círculos ecumênicos não é ingênua, nem romântica e nem eirenista, e muito menos "festiva", pois estamos conscientes de que há contenciosos teológicos e práticos bastante sérios entre nós e a Igreja de Roma. Entendemos, outrossim, que grande parte das dificuldades enfrentadas é devida às mútuas barreiras e preconceitos levantados entre nós desde o início da presença evangélica no Brasil. Como bispos e bispa metodistas – buscando fundamentar nossa unidade em Cristo, que é maior do que o Templo e tudo o mais, pois ele é o fundamento de nossa fé e prática, reconhecemos que nosso relacionamento com a Igreja Católica não nega nossas discordâncias, diferenças práticas e doutrinárias. Também não consideramos que estamos compromissando nossos valores espirituais ou renegando nossa herança evangélica e wesleyana e, muito menos, enfraquecendo o compromisso com a evangelização do nosso povo. Estamos, sim, comprometidos a falar a verdade em amos, a respeitarmo-nos uns aos outros, a darmos testemunho da comunhão entre os cristãos na palavra, na prática e nas ações missionárias a favor do Evangelho do Reino, a serviço do povo em nome do Senhor Jesus.
Em continentes onde não há predominância da fé cristã vemos uma comunhão exemplificada no amor, no respeito mútuo, na comunhão e na relevância de Cristo, acima de tudo. Isso está ocorrendo na África, na Ásia, em especial, na Coréia, onde o símbolo da cruz é um marco para o testemunho dos cristãos e o dinâmico crescimento da Igreja. Entre nós brasileiros, a história do nosso país, sua cultura e a presença hegemônica do catolicismo por mais de três séculos deixaram marcas que dificultam a compreensão e o relacionamento ecumênicos. Em algumas partes do Brasil, isso é visivelmente presente, não só para o evangélicos, mas também para muitos católicos. Em certas regiões do nosso país, não há qualquer disposição ecumênica da parte da hierarquia católica, que tende a tratar os metodistas da mesma forma sectária e discriminatória como trata mórmons e testemunhas de Jeová. Mesmo assim, afirmamos que o testemunho da comunhão cristã está acima desses fatos, que, mesmo que reconhecidos e levados em conta, não devem impedir o reconhecimento da presença de Cristo nessa comunidade da fé.
Reconhecemos que, como pessoas que se chamam metodistas, necessitamos amadurecer, aprofundar e aprender, com humildade, verdade, amor e comunhão, o nosso relacionamento com a Igreja Católica. Fundamentados em nosso compreensão das Escrituras e em nossa herança wesleyana, afirmamos que não é a instituição, em seu Magistério, seus bispos, ou seus líderes que refletem a dimensão da unidade. Mas sim a comunidade da fé, em sua vivência diária junto ao povo e suas comunidades. O imperativo ecumênico está acima das motivações e predominâncias institucionais.
De outra forma também entendemos que, hoje, no contexto das Igrejas Evangélicas em geral, mas de maneira especial, nas chamadas neopentecostais, há tendências contraditórias que ferem diretamente os princípios evangélicos de nossa fé e prática. Esses valores e atitudes têm se tornado numa nova forma de idolatria, e da mesma forma, chocante como as mais tradicionais. Quem sabe estão aqui as nossas maiores dificuldades de expressão da fé cristã: um cristianismo pagão.
Reconhecemos dificuldades, na caminhada ecumênica, diante de situações que nos conclamam a comparecer a atos públicos, de caráter sócio-político, nos quais estarão pessoas de diferentes credos religiosos e não mais exclusivamente as de tradição cristã. Ocorre que os meios de comunicação acabam rotulando tais ocasiões como celebração ecumênica e isso dificulta a clareza do Que se está a fazer. Por certo, em tais situações, se ocorrer que um de nós lá esteja, não significa que estamos nos afinando com os conteúdos de credos de outros grupos. Lá estaríamos, sim, para dizer que temos preocupações sociais, que, como cidadãos e cidadãs aqui se trata de cidadania!], deste ou daquele credo, estamos em favor da paz, da justiça, da não violência, da solidariedade, do socorro em aflições, de dias melhores para o nosso sofrido povo. Contudo, a fina compreensão disso não é fácil. Assim, ainda não temos um definitivo marco referencial, em nossa caminhada, que nos proporcione balizas suficientes para tais ocasiões. A participação nesses atos, atualmente, ainda requer um aprendizado ao que nós, metodistas, reconhecemos como indispensável e essencial prática de caminhada ecumênica. Entretanto, uma posição, que estamos conscientes que o metodismo brasileiro não está disposto a referendar, é a do macro-ecumenismo. Sem dúvida, nossa vocação nos coloca numa posição de respeito, diálogo e tolerância e amor a todos os grupos que pensam diferente de nós, mas não nos obriga a sempre comparecer a atos públicos e outras atividades que possam levar a entendimentos distorcidos.
Não obstante, fique bem claro que permanecemos buscando apoiar todas as iniciativas que são portadoras do compromisso com a dignidade da pessoa humana, bem como uma sociedade inclusiva e comprometida com os valores da cidadania em termos de justiça, paz e solidariedade. Nossas mãos estão abertas para apoiar, à luz dos ditames do Reino de Deus. O povo brasileiro está exausto, vive grandes dificuldades, sofre violências de várias formas, tem carências afetivas nos laços familiares e comunitários. Esse povo, que somos nós também, merece – da família de Deus, como testemunhas de Jesus Cristo e no poder do Espírito Santo – a sinalização de esperanças, paz, alegria na perspectiva da presença do Reino de Deus no cotidiano da vida.
Estando na caminhada ecumênica, reforçamos a nossa identidade. Quando nos referimos à unidade da Igreja, isso não significa submissão de uma Igreja em relação a outra, nem o abrir mão de uma convicção de doutrina prática de culto, serviço, evangelização, ações missionárias em benefício do povo. Participar na caminhada ecumênica requer que nos aperfeiçoemos no conhecimento e vivência de nossa identidade.
Tenhamos distante de nós as muitas orientações que já aprovamos em 1982 e estão como marcos de caminhada ecumênica no "Plano para a vida e a Missão da Igreja". Relembramos a "Área de promoção da unidade cristã" (Cânones 2002, p.107-109). Um dos objetivos é: "cultivar a identidade histórica do metodismo como contribuição para a unidade do Corpo de Cristo". E outro: "dar continuidade à tradição metodista, reconhecendo que ela oferece uma base própria e condizente para o diálogo entre posições".
Uma das bases de nossa identidade declara a nossa "consciência de que somos parte da igreja de Jesus Cristo no mundo. Temos a consciência da unidade com todo o povo cristão, estendendo a mão a todas as pessoas cujo coração é como o nosso, procurando preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz, a fim de sinalizar, de forma visível ao mundo, a unidade o Corpo de Cristo" (As Marcas Básicas da Identidade Metodista, p. 19).
Outrossim, ouvindo o reclamo de vários setores da Igreja, cremos ser tarefa inadiável para o próximo exercício eclesiástico o aprofundamento, sob a orientação do Colégio Episcopal, de nosso diálogo interno sobre a participação metodista no movimento ecumênico, particularmente junto ao corpo pastoral e às igrejas e congregações locais, com o objetivo de explicitar nossos critérios bíblicos e teológicos que deverão fundamentar nosso entendimento e práticas na busca da unidade cristã diante das oportunidades, possibilidades, dificuldades e limites de nossas relações com outras igrejas e organismos interclesiásticos.
Por isso, nós, bispos e bispa da Igreja, consideramos de grande relevância que o 18º Concilio Geral da Igreja Metodista reafirme o compromisso da Igreja com a unidade de Igreja estendendo nossa destra de comunhão de todas as Igrejas e Organismos que mantêm como sua base de fé a confissão de Jesus Cristo como Deus, Senhor e Salvador, segundo as Escrituras, para o gloria do Deus Trino, nos dispondo a somar com esses irmãos e irmãs no testemunho do Evangelho e no serviço ao próximo em nome de Cristo.
Que o Espirito Santo nos ensine no contexto da promessa deixada no Santo Evangelho: "Quando vier, porém, o espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade; porque não faltará pôr si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciar a as coisas que hão de vir" (João 16.13).
Temos um traço marcante na essência da eclesiologia metodista: estamos e devemos sempre estar em caminhada na busca da santidade e coração e vida, na plenitude do amor a Deus e ao próximo, a fim de que todos sejam um. De modo algum podemos retroceder e arrancar, do caminho ecumênico já percorrido, os marcos que já edificamos. Recordemos o fundamental conselho de John Wesley:
"Não joguem fora a gloria peculiar que Deus tem colocado sobre vocês, e frustrem o desígnio da Providencia, o verdadeiro fim para o qual Deus levantou".
No amor de Cristo, sua irmã e seus irmãos em Cristo, bispa e bispos da Igreja Metodista,
Bispo João Alves de Oliveira Filho
Bispo João Carlos Lopes
Bispo Josué Adam Lazier
Bispo Adolfo Evaristo de Souza
Bispo Adriel de Souza Maia
Bispo Luiz Virgílio Batista da Rosa
Bispa Marisa de Freitas Ferreira Coutinho
Bispo Paulo Tarso de Oliveira Lockmann
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