01 agosto, 2006

Rescaldo do Concílio...

O incêndio havia acontecido, o prédio queimado, pessoas desaparecidas... Os bombeiros deveriam fazer um trabalho importante: o rescaldo. Era como se fosse passar um “pente fino”, vendo o que restou; descobrindo sinais que poderiam indicar as causas do incêndio; encontrando corpos queimados e destroços significativos. O rescaldo era um trabalho muito importante a ser realizado, pois, ele poderia indicar conseqüências e indícios importantes.

A primeira etapa do Concílio Geral terminou. Muitos dos acontecimentos surpreenderam a tantos, pelo seu alcance; até a Sociedade brasileira e Internacional sentiu os impactos das decisões ocorridas. Agora é a hora do “rescaldo” ser feito; identificar as causas, os efeitos e os sinais indicativos significativos.

Tenho tido contato com diversas pessoas de forma pessoal, por telefone e através da Internet. Tenho lido e-mails os mais diversos, lido entrevistas, notícias de veículos de comunicação nacional e internacional. As observações e constatações têm sido as mais diversas. Tenho respondido a muitos e-mails e contatos pessoais avaliando as decisões, solicitando cautela, busca de discernimento, sabedoria e orientação do Espírito Santo. Tenho dito para não haver precipitações e nem julgamentos infundados.

Vejo de um lado algumas pessoas ou grupos eufóricos com suas conquistas e vitórias. Da mesma forma contemplo pessoas desoladas, desanimadas, sem entender o que aconteceu. Carecemos de muita sabedoria e graça divinas. Devemos evitar lançar sobre as igrejas locais um peso desnecessário e interpretativo que possa desestabiliza, desequilibrar e extasiar a muitos.

Há muitas fraturas nos relacionamentos. Pessoas magoadas, marcadas, chocadas, escandalizadas, perdidas e sem direção. O que será daqui para frente? Uns dizem! Outros afirmam: Agora tudo será diferente!

Uma grande movimentação está ocorrendo de todas as índoles e de todas as matizes.
No rescaldo alguns indícios estão presentes. Que indícios teríamos? Ouvi muitos dizerem: “Deveríamos ter denunciado tudo. Fomos coniventes!”. Outros lançam justificativas: "não poderíamos mais continuar assim. Haveria de ter-se mudanças... Isso foi feito para responder a uma hierarquia insensível e conivente."

Percebe-se, no rescaldo, que os “espíritos foram muito armados, fechados em si mesmos”. Ninguém estava pronto a ouvir ninguém. Muitos falaram, mas os ouvidos e as mentes estavam sem sensibilidade.

Quando o Bispo João Alves de Oliveira Filho, no culto de abertura, leu a Mensagem do Colégio Episcopal, poucos estavam interessados e atentos. Muito pouco foi percebido quanto ao espírito com que os Bispos convidavam os conciliares a vivenciar. Aliás, havia uma constante desconfiança, de muitos, em relação aos bispos e o Colégio Episcopal. Era fruto do desgaste desse período eclesiástico ou outro fato imperceptivelmente presente?

No momento em que se iniciou a reflexão e discussão quanto à permanência da Igreja Metodista no CONIC, o Colégio Episcopal encaminhou ao Concílio um texto, lido pelo Revmo. Bispo Adolfo Evaristo de Souza. Ao meu ver um texto claro, honesto, sem nada esconder, colocando tudo às claras. Na verdade esse texto deveria estar nas mãos dos Conciliares desde o início do Conclave. O que se percebeu é que muito pouco dos Conciliares estavam interessados no texto. Poucos o ouviram atentamente; alguns atentaram para o que lhes interessava; a maioria procurava argumentos para defender a sua posição na hora do debate.

Houve um longo e exaustivo colóquio a favor ou contra o Ecumenismo ou a filiação da Igreja Metodista em órgãos ou Instituições Ecumênicas. Ouvimos testemunhos significativos, experiências pessoais, preconceitos, etc. Muito pouco fundamentação bíblica, teológica, histórica e wesleyana foram colocadas e quando feitas, foram-nas de forma superficial.

Agora, as reações são as mais diversas: anulação da decisão por falta de constitucionalidade; reconsideração na próxima etapa do Concílio; retirada imediata dos órgãos e instituições que contemplaram a proposta aprovada; euforia entre os que lutaram para esse acontecimento; acirramento entre muitos; igrejas locais afetadas pelas decisões; reações de inúmeras Instituições Religiosas, Sociais, Nacionais e Internacionais, inclusive oriundas das Igrejas Cooperantes.

Tenho lido posicionamentos de todas as índoles. Sites e blogs foram criados visando a discussão, quem sabe vindo tarde demais, pois poderiam ter amadurecido essa discussão antes do Concílio, preparando-nos para uma tomada, menos emocional e mais consciente, qualquer que fosse ela.

Tenho dito: “não vamos nos precipitar... vamos assimilar o acontecido... avaliar a nossa caminhada, desde o momento em que um Concílio votou o ingresso no CONIC e outros órgãos. Como foi o relacionamento, o tratamento e o reflexo para com os que pensavam e tinham posicionamento diferentes? Será que não tentamos “impor” uma decisão Conciliar, da maioria, a uma minoria?

Saímos festivamente a fazer nossos pactos, marcar nossos ingressos, sem levar a Igreja a refletir, fundamentar de forma pedagógica, metodológica e, acima de tudo, pastoral.

Creio que surge perante nós um momento de reflexão, de aprofundamento de nossos fundamentos bíblico-teológicos e históricos; um momento justo, honesto em que vamos avaliar os nossos relacionamentos com outras Igrejas e Organismos, firmando nossos valores históricos, nossos pontos em comum e falando a verdade, em amor, a respeito das nossas diferenças, o que quase nunca desejamos faze-lo.

Sempre cri ser possível viver na Igreja Metodistas um pluralismo teológico, religioso e de espiritualidade. É frase minha: “Não temos uma linha que nos caracteriza, na qual todos(as) devem se enquadrar; temos e somos uma “faixa”, na qual há mobilidade. Contudo , esta faixa tem limites que devem ser respeitados e vivenciados”. Os diversos posicionamentos teológicos não significam quebra de unidade, desde que existam segundo os fundamentos básicos de nossa fé bíblica e wesleyana. Como Wesley dizia, “No fundamental Unidade”. Nesse fundamental, não sei se bem caracterizado para todos, devemos estar unidos com as mentes, com a alma, com o coração, a vontade e a ação. Há diversidades que devem e necessitam ser respeitadas. Elas devem existir à luz dos nossos fundamentos; vivenciadas com respeito, sem imposição. Acima de tudo, carecemos nos respeitar, ter acolhimento, confiabilidade, disposição e boa vontade e, acima de tudo, Amor. Tem faltado respeito, tolerância e confiabilidade entre nós. Além disso há falta de respeito, de submissão às autoridades constituídas por Deus, presença de insubmissão e falta de disciplina. Aqui reside grande parte de nossos maiores problemas. Contudo, o que mais tem marcado a nossa trajetória é a falta de autoridade, não de autoritarismo, e a ausência de caráter. Não são as posições diferenciadas ou divergentes que nos separam e nos impedem a caminhada comum, mas sim, a falta de caráter, da vivência evangélica de nossa fé. Podemos, sim, caminhar com nossas diferenças, desde que não sejam básicas e quebrem os fundamentos de nossa fé, mas com respeito, empatia, confiabilidade, credibilidade, amor e um estilo de vida confiável pelo caráter que ele testemunha.

ELEIÇÃO EPISCOPAL

O que dizer do “rescaldo da eleição episcopal”. Há euforias e tristezas; alegrias e choros; famílias realizadas e outras machucadas; bispos valorizados e outros colocados à margem. Será que tudo o que ocorreu na eleição, nos seus cinco escrutínios não é devido a falta de respeito ao carisma episcopal, ao preconceito ideológico ou teológico presente para com alguns bispos ou a forma como foi exercitado o carisma episcopal? Ouvi, a tempos, alguém dizer: “Se fulano pode ser bispo, por que eu não posso também?”. Acontece que ser bispo não é uma mera decisão de vontade, aspiração ou manipulação. É chamado divino, sob o critério das Escrituras, com autoridade de vida, caráter e testemunho. Ser desta ou daquela posição, desta ou daquela postura ou ênfase doutrinária não dá validade e autenticidade ao exercício do episcopado. Essas posições podem existir e coexistirem, mas, muito mais do que isso necessita estar presente naquele(a) que como Servo do Senhor é escolhido(a) para pastorear o rebanho, inclusive pastores e pastoras, junto de suas famílias e igrejas locais, dentre esses muitos com posturas teológicas e religiosas diferentes. Alguns, no passado se tornaram bispos devido a esquemas e movimentos os mais diversos. Isso parecia ter passado, mas, o rescaldo da eleição infelizmente nos indica um caminho menos excelente do que os do passado, que já não eram tão excelente. Como seres humanos, desta ou daquela postura, nós decidimos, constituímos, retiramos ou colocamos, conforme nossas decisões e aspirações.

Há uma grande dor no coração da Igreja, no cerne do Evangelho, a dor de ver na Igreja esquema semelhantes ou piores dos que estão no mundo. Será isso verdade? Há em algumas Regiões acolhimento dos que foram rejeitados e rejeição aos que foram aclamados. Só Deus poderá dar condição aos bispos no exercício do seu mandato, em áreas e Regiões onde não há maioria para si. Só o quebrantamento do Espírito pode levar-nos a nos “abstrair” de personalismos para podermos acolher e conviver com o que parece a alguns ou a muitos, ser o contrário, o que não tem perfil para esse ou aquele rebanho.

Com “rescaldo” ou não, agora é hora de pagar o preço de nossa decisão. Cabe-nos avaliar o sistema de eleição, o perfil bíblico e pastoral dos candidatos(as). Somos desafiados, num ato de quebrantamento evangélico, a honrar e valorizar aqueles que foram marginalizados, juntos de seus familiares e acolhendo-os, caminhar juntos; dar apoio aos que alcançaram esse “ministério”, orando por eles, seus familiares e ministério que receberam. Dessa forma estamos testemunhando, o paradoxo do Evangelho, de que mesmo contrariados, agir com Cristo e no Espírito visando o bem de todo o Corpo de Cristo, a Igreja, vivenciando a Missão intra, inter e extra-Igreja, ao lado, junto de, com, a favor do ser humano e da transformação da História. O Reino de Deus, mesmo nos momentos de desaprovação, tem esses desafios e essas características. Todavia, esse Reino também nos diz: "Não vos conformeis com os valores desse século, mas permiti a Deus vos transformar, para que possais experimentar a única, boa, agradável e perfeita vontade, que é a Vontade Divina, e permiti-la conduzir as nossas vidas, a vida da família, da Sociedade e da enferma Igreja. Rm.12.2 – Tradução livre.

E AGORA ?

Chega de euforismo ou de depressão. É hora de avaliar o rescaldo do Concílio sem ter vencedores e vencidos. Diante de Deus ninguém venceu, aliás, talvez, fomos todos derrotados. Carecemos perguntar ao Senhor de nossas vidas, se de fato desejamos uma avaliação dEle: o quê o Senhor deseja falar-nos através desses acontecimentos? Onde Êle deseja tocar, mudar e transformar em nossas pessoas, nossos relacionamentos e nossa Instituição? Estaremos desejando, de fato, uma atuação do Espírito em nós, colocando-nos perante Ele com esvaziamento, humildade, acolhimento e simplicidade? Entregando-Lhe nossas posturas, nossos direitos, nossas posições, nossa autoridade e tudo o mais? Ou estamos perante Cristo nos justificando, dizendo ao Senhor que agimos assim ou dessa maneira visando o bem da Igreja, a sua Redenção, a defesa da verdade da fé ou que deixamos de agir pensando em nossa própria segurança, em não nos desgastar, nos omitindo a favor de uma causa maior. E assim, agora, buscamos a Sua Benção!

Quem está disposto(a) a ouvir e a permitir o agir do Senhor? Talvez seja mais fácil ouvir as nossas próprias vozes, reforçar os nossos argumentos, os nossos acordos e projetar o futuro, visando à conquista ou à reconquista de nossas posições.

No lema dos Alcoólicos Anônimos há um princípio: “A única pessoa que você pode mudar é você mesmo”. Muitas vezes, pensamos, que podemos mudar as outras pessoas, os seus valores, comportamentos e maneira de ser. “Quem pode nos mudar, somos nós mesmos, quando assim desejamos e nos permitimos." À luz da fé cristã, podemos dizer: "permitindo ao Senhor da graça a mudar-nos interiormente.” Essa é a mudança que todos as) necessitamos. O restabelecimento e fortalecimento do nosso Ser Interior, mediante a ação Santificadora do Espírito Santo.

Infelizmente, muitas vezes, o nosso cristianismo é de fachada, superficial, de “slongans”, de eventos e nada mais. Falta o mais fundamental, o que está no interior do ser, como diz o autor Larry Crab(?) em seu livro de “De Dentro para Fora”, ao falar do sentido de Cristo na vida das pessoas e nos relacionamentos. “A sonda invasiva do Espírito Santo” necessita penetrar o nosso ser interior: nossas mentes, corações, emoções, sentimentos, espiritualidade, valores, compromissos, relacionamentos, alvos, objetivos, anseios, projetos, etc., localizar as nossas enfermidades, cauterizar feridas, desobstruir canais, fazer angioplastias, remover tumores, restaurar tecidos e órgãos fundamentais. Necessitamos de uma nova mente, um novo coração e um novo Espírito, conforme Jeremias 31.33-34 e Ezequiel 36.24-28.

Há um dito significativo: “Se todos varresem a sua calçada, logo a rua inteira estaria limpa”. Citado no livro: O Monge e o Executivo, pg.109, de James C. Hunter. Essa é uma verdade que envolve a todos (as) nós. Teria esse “slongam” validade para a vida da Igreja.

Leio no Apocalipse que alguém “comeu o livrinho,achando-o doce”. Talvez tenha nos faltado “comer o livrinho”, isto é, a Palavra do Senhor, vivenciando-a, achando-a doce para o nosso viver, os nossos relacionamentos, as nossas decisões e o nosso modo de ser Evangélico, isto é, vivendo segundo o Evangelho de Jesus Cristo.

Citamos a Palavra, falamos a seu respeito, usamo-la para justificar nossos argumentos, escolhas e procedimentos, mas..., não a “comemos” e por isso estamos com um “amargor” em nossas bocas, em nosso ser e em nossas relações. Saber a Palavra e seguir caminhos que a contrariam levam-nos à maior infelicidade que possa um ser vivente ter. Foi Jesus quem nos disse, após o “lava-pés”. Bem-Aventurados sois, se sabendo essas coisas, as praticardes”. Jo.13.17

No lugar do sabor de “mel”, nossas bocas e todo o nosso ser, estão vivendo um “sabor de um amargor”.

Ouçamos a Palavra do Senhor:

“Longe de nós toda a amargura, ressentimento, ciúmes, iras, contendas, blasfêmia e bem assim, toda a malícia. Antes ,sede uns para com os outros benignos, compassivos, perdoando-vos uns aos outros, como também Deus, em Cristo, vos perdoou. Sede, pois, imitadores de Deus, como filhos amados; e andai em amor, como também Cristo nos amou e se entregou a si mesmo por nós, como oferta e sacrifício a Deus, em aroma suave”. Ef. 4.30-5.2. Dessa forma deixaremos de “entristecer ao Espírito de Deus...” (30).

Será isso possível entre nós? Ou é ingenuidade, falta de relevância, de autenticidade, sentido e objetivo esse modo de agir?

“Não por fôrça e nem por violência, mas pelo meu Espírito”, diz o Senhor.

Se muito do que aconteceu foi por fôrça, por violência ao Evangelho, à História da Igreja e à nossa tradição Institucional, deveremos continuar caminhando assim ou assim nos preparar para a próxima etapa de nosso Concílio Geral?

Cada um(a) dará conta de si mesmo a Deus, dos seus movimentos e organizações pré-conciliares. Somente Ele é Senhor!

A Ele seja toda a glória e a nós o “corar de vergonha”.

Nelson Luiz Campos Leite