03 agosto, 2006

Prática Ecumênica: Identidade do Metodismo

Por: Cilas Ferraz de Oliveira

"Se teu coração é igual ao meu, dá-me a mão."

Os cenários trágicos desenvolvidos durante os últimos anos em áreas diferentes do mundo, com milhões das pessoas que sofrem todos os tipos de violência e destruição, tiveram a religião como um dos seus principais elementos, além dos elementos políticos e econômicos. A guerra dos EUA contra o Afeganistão e depois o Iraque, bem como a guerra de Israel contra o Libano têm seu componente religioso. Os fundamentalistas de ambos os lados interpretam as guerras como uma luta do bem contra o mal.

Conflitos religiosos não são novidades na história da humanidade. Segundo John Wesley "não há animosidades mais profundas e irreconciliáveis como as que procedem da discordância da religião." O cristianismo, marcado fortemente pela ênfase do avanço missionário, no encontro com outras culturas, foi notadamente violento e arrogante servindo à dominação política e cultural. John Wesley tomando conhecimento do livro A História da Igreja da Escócia, de John Knox, ficou impressionado com o espírito beligerante da obra em que o autor exaltava o espírito guerreiro e belicoso empreendido pela igreja em sua tarefa missionária. "A violência não pode ser justificada na propagação do evangelho, a obra de Deus não necessita do trabalho do demônio," afirmou ele.

R. Scott Appleby escreveu em 1996 um texto intitulado: Engenheiros do Plano de Deus: o que os fundamentalistas de todas as religiões têm em comum? (In: Der Überblick: Zeitschrift für ökumenische Begegnung und Zusammenarbeit, 4/96, Hamburg, 1996, p. 4-7) onde afirma que o fundamentalismo pode ser considerado uma forma moderna de religiosidade e que a maioria dos fundamentalistas pertencem às classes letradas da sociedade. Rubem Alves apontou a raiz da intolerância no mundo protestante brasileiro no seu livro: "Protestantismo da Reta Doutrina".

O metodismo tem uma tradição de respeito à diferença e à pluralidade. A Igreja Metodista no Brasil participou de todas as iniciativas de diálogo ecumênico, desde a criação da Confederação Evangélica, do Conselho Mundial de Igrejas até o CONIC.

No documento Plano para a Vida e Missão da Igreja encontramos a seguinte afirmativa: "De forma alguma o Metodismo confunde a aceitação das doutrinas históricas do cristianismo com a defesa intransigente, fanática e desamorosa da ortodoxia doutrinária." E cita John Wesley: "No essencial, unidade; no não essencial: liberdade; em tudo, caridade". Afirma também que o Metodismo é "parte da Igreja Universal de Jesus Cristo" e que trabalhar na missão "é somar esforços com outras pessoas e grupos que também trabalham na promoção da vida."

Num momento em que a competição no mercado inclusive religioso, é estimulada ao extremo, a necessidade de se criar e fortalecer a identidade favorece a criação de inimigos, verdadeiros e fictícios. Segundo Samuel Huntigton, "para os povos buscando identidade e reinventando a etnicidade, inimigos são essenciais."

Talvez isso explique o agravamento das pressões na Igreja Metodista e em outras Igrejas contra o ecumenismo. O Colégio Episcopal decidiu que a Igreja Metodista não participaria da Campanha da Fraternidade em 2005 promovida ecumenicamente pelo CONIC, presidido pelo Bispo Adriel, indicado pelo próprio Colégio Episcopal para assumir a presidência daquele Conselho. Presenciamos ainda vários conflitos em algumas igrejas locais devido à participação ecumênica da igreja metodista junto ao catolicismo.

Eu penso que é importante discutir o tema do ecumenismo na história do metodismo como forma de afirmar a prática do ecumenismo como parte da identidade da igreja metodista. A capacidade para sentar-se à mesa e dialogar com outras igrejas é fundamental nesse momento de guerra e competição no mercado. A decisão do Concilio Geral nega toda a história do metodismo no Brasil e no mundo e nada contribui para a construção de uma cultura de paz num mundo competitivo em que as igrejas na busca de identidade são tentadas a construí-la de forma negativa, criando inimigos. A decisão conciliar é apenas um primeiro passo em direção a outros inimigos: maçonaria, divorcio, etc. Os críticos do papa e da igreja católica repetem os erros do catolicismo marcado pelo fundamentalismo religioso e vão escrever o syllabus metodista.

Nosso desafio é fortalecer a identidade metodista positivamente, afirmando os valores de nossa tradição, entre eles, a prática do diálogo ecumênico. Espero que essa discussão contribua para afirmarmos positivamente nossa identidade como metodistas, criando pontes para o diálogo num mundo marcado pela ausência do diálogo, pelo fundamentalismo religioso e político, e conseqüentemente pela violência e a guerra.

Cilas Ferraz de Oliveira
Pastor Metodista - 4ª Região Eclesiástica
Coordenador da Pastoral do IEP/UNIMEP

1 Comments:

At agosto 04, 2006, Blogger Luis Cardoso said...

Religiões e Paz

De parabéns o Pr. Cilas Ferraz, que não tivemos (ainda) a felicidade de conhecer pessoalmente, mas cujas palavras despertam respeito e simpatia. Seu espírito aberto e suas idéias de convivência, amor cristão e cooperação fraterna entre cristãos e entre as religiões dão testemunho de sua compreensão da dimensão evangélica do amor autenticamente cristão e de solidariedade humana sem fonteiras religiosas. Defender a própria identidade - nacional, religiosa, política - significa exatamente o respeito e a consideração pela identidade do outro. Somente o diálogo na caridade e a colaboração (trabalho conjunto) de todas as pessoas de boa vontade em tudo que interesse ao bem-estar do ser humano podem fundamentar autêntica vivência evangélica. Enquanto cristão católico, lamento o passado de incompreensões, falta de caridade e lutas fratricidas que marcou tão dolorosamente a história da Igreja - em escandaloso contratestemunho do Evangelho, e faço votos de que os irmãos metodistas se entendam na caridade e mantenham a unidade entre si, na busca sincera dos melhores caminhos. Desejo - é claro - que esta busca sincera leve à possibilidade de, unidos em Cristo na diversidade de nossas tradições, possamos trabalhar juntos e de mãos dadas para a construção de um mundo melhor e em conformidade com a vontade do Pai de todos nós. Se isto não corresponder atualmente à vontade e ao pensamento da maioria dos dirigentes metodistas no Brasil, saberemos respeitá-los e continuaremos a amá-los em Cristo, comunguem ou não de nossos ideais ecumênicos. Desejo ainda que a permanência de grande número de metodistas na vivência das práticas cumênicas não leve a maiores discórdias dentro de sua Igreja, mas ao respeito às diferenças e, se for possível, à reconsideração da decisão já tomada.

Raul Pimenta
Presidente do MECUM
Movimento Ecumênico de Maringá

 

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